Brasília foi construída sob o impulso do projeto de interiorização do desenvolvimento brasileiro dos meados do século 20. A cidade expressa como nenhuma outra a aspiração à modernidade urbana que marcou a história do país naquele período. Uma das faces visíveis dessa aspiração é a característica que lhe marca a identidade diante do mundo: a materialização da vanguarda cultural do Brasil por meio do urbanismo de Lucio Costa e da arquitetura de Oscar Niemeyer.
A cidade não pode renunciar a essa marca sem se desfigurar. Deve afirmar-se como espaço que acolhe as diferentes expressões culturais, particularmente a música, com a qual nosso povo mais se identifica. A cidade, tampouco, pode renunciar a outra marca: a qualidade vida. Trata-se, portanto, de buscar, com espírito de tolerância, as soluções de convivência entre as duas dimensões que a tecnologia moderna oferece e a antiga arte de argumentar recomenda.
Quando apresentei o PL nº 445/2015, que trata de alterações no texto da lei do silêncio, tinha consciência da complexidade do desafio de aprimorar norma que há algum tempo incide negativamente na vida das comunidades do Distrito Federal, e particularmente de setores econômicos indispensáveis à vida de uma metrópole que se pretende moderna: os setores de cultura, entretenimento e turismo.
Debate de qualidade exige clareza de informação para que não trabalhemos sobre distorções. São duas as alterações básicas que proponho: o limite de 75 decibéis para o período diurno e de 70 decibéis para o noturno. E a forma de aferição dos sons emitidos. A primeira se dá por causa de os limites fixados serem impraticáveis. É impossível cumprir a norma. O que abre caminho para a burla. E, portanto, para a ausência de regra. A segunda estabelece que a aferição deve ser feita no local da reclamação.
Não há aqui inversão do ônus da prova, como querem alguns. Se a pessoa reclamou de excesso de barulho que lhe tirou o direito ao sossego, qual é o problema em permitir que a aferição seja feita no local onde o incômodo foi registrado? Quanto ao aumento de decibéis, é incorreto afirmar que estou legalizando o barulho.
A minha proposta é legalizar o que é possível de ser praticado. Isso significa que, em muitos locais, haverá redução de sons emitidos. Como? Vários estabelecimentos, inclusive os templos religiosos, sabendo que não podem realizar as atividades sem ferir a lei, seguem a máxima de perdido por um, perdido por mil, e produzem sons acima dos 70 decibéis definidos no PL nº 445.
A capital do Brasil, Patrimônio Cultural da Humanidade, não pode se converter em espaço insípido, que nada oferece de cultura e entretenimento a quem vive aqui e aos que nos procuram como destino turístico. Por necessidade de trabalho — turismo de negócios — ou pelo desejo de conhecer um espaço que imprimiu sua marca na criação urbanística e arquitetônica do mundo contemporâneo — o turismo cultural.
Tornou-se necessário um movimento apto a alterar a situação de impasse em que as cidades se encontram por força de posicionamentos cristalizados, incapazes de transigir na busca de soluções. Alternativas que contemplem adequadamente os diferentes atores sociais envolvidos – moradores e trabalhadores da noite, organismos de fiscalização, parlamento e órgãos de controle – sob pena de Brasília deixar de ser uma metrópole que oferece espaços de convívio social e cultural para além do estrito ambiente doméstico ao fim da jornada de trabalho, e se converter em cidade provinciana, anacrônica, voltada sobre si mesma.
O tratamento acústico dos espaços de convivência — bares, restaurantes, centros comunitários, templos religiosos — e o isolamento acústico das residências virão inevitavelmente para a pauta desse diálogo se desejamos solução equilibrada para esse importante desafio da vida quaotidiana. A iniciativa não deixa margem para dúvidas: sempre estará ao lado dos trabalhadores. Dos que trabalham na noite e dos que precisam de sossego para labutar no dia seguinte. Tratará sempre, com maturidade e coragem, dos temas polêmicos, na busca de soluções, estimulando a participação popular para que sejam duradouras e produzam avanços na qualidade de vida do Distrito Federal.