Leis. A vida de uma sociedade é regulada por elas. Seu conjunto forma o sistema jurídico de um país, que deve ser conhecido e observado por todos os que nele vivem. Tarefa fácil, se pensarmos que o sistema de direito é reflexo da formação moral e cultural de cada povo. Daí, a máxima “a ninguém é dado desconhecer a lei”.
A produção legislativa tem o compromisso de organizar a nação e acomodar o povo, garantindo a ordem e, por isso, deve ser direta e honesta em relação às situações que objetiva regular. Essa premissa foi percebida pelo filósofo chinês Lao Tsé, ainda no século 7a.C, que afirmou: “Quanto maior o número de leis, maior o número de ladrões”. Sete séculos mais tarde, o historiador romano Públio C. Tácito dizia que “o mais corrupto dos Estados tem o maior número de leis”. Guardemos essa ideia.
Em agosto de 2013, o brasileiro foi contemplado com nova lei, de número 12.846, e batizada de Lei Anticorrupção. Como justificar ao povo que lei de tamanha importância não existia? Trata-se, como é óbvio, de mais um capítulo da oportunista produção legislativa nacional, pois é evidente que o Código Penal Brasileiro já tipificava e fixava pena para a corrupção ativa e passiva, peculato, concussão e excesso de exação, embora o nosso sistema penitenciário jamais tenha recebido, de forma definitiva (apenas prisões cautelares), um praticante desses crimes. Mas a nova lei traz novidade. Ela possibilita a penalização de pessoas jurídicas envolvidas em corrupção e cria o Cadastro Nacional de Empresas Punidas.
Uma vez incluído o nome da empresa nesse cadastro, ela perde temporariamente o direito de receber incentivos e financiamentos públicos. A moda agora é cadastro. No Brasil, malandro tem mais medo de cadastro do que de cadeia, mas é exatamente porque o cadastro vem com a ameaça de fechar a torneira da riqueza fácil (o que causa medo pelo ineditismo da medida), enquanto que cadeia, todos sabem que não acomoda corruptos.
Observa-se, todavia, que a nova lei foi gerada no ambiente do temor político causado pela revolta popular de junho de 2013, movimento que determinou guinada completa na agenda política do país. A Lei Anticorrupção comprova, todavia, que a produção legislativa brasileira é acidental, interesseira e demagógica, exatamente o reflexo irresponsável dos políticos nacionais, parlamentares ou governantes. Leis são produzidas com a única finalidade de melhorar a imagem do governo ou da casa legislativa, a partir de fatos ocorridos no seio da sociedade capazes de comover a opinião pública. Não importa se já existe alguma outra lei regulando o fato criminoso, altera-se pequeno aspecto do regulamento anterior, como o prazo da pena, por exemplo, e faz-se a festiva divulgação à população. Assim foi com a lei da homofobia, a lei da palmada, a que criminaliza o uso de celulares nos presídios etc. Na prática, é óbvio que nada se altera, pois o problema é a impunidade e não a insuficiência normativa.
Ao contrário do que pode parecer, o Brasil tem leis demais. São tantas que torna-se humanamente impossível conhecê-las todas, ou mesmo parte delas. Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário revela que, desde a vigência da Constituição Federal, em outubro de 1988, até setembro de 2013, foram aqui publicadas 4.785.194 normas legais, entre leis complementares, leis ordinárias, decretos, medidas provisórias, emendas constitucionais, portarias e instruções normativas. São 784 normas a cada dia. E para se ter uma ideia da qualidade dessas normas, cerca de 25% das leis produzidas pela União e pelos estados são julgadas inconstitucionais, quando questionadas judicialmente. Levando-se em conta as leis municipais, esse índice sobe para 80%.
São tantas leis, que acarretam a precariedade da aplicação, da fiscalização, pois confundem a polícia, enfraquecem o Ministério Público e fragilizam o Judiciário. Tantas, que o brasileiro não se sente obrigado a cumpri-las, por desistir da impossível tarefa de conhecê-las todas, ou justamente porque confia na deficiência judiciária. O resultado desse inchaço legislativo é um emaranhado de normas desconexas, impossíveis de regular de maneira objetiva a vida da nação. A irresponsabilidade legislativa faz do Brasil um país corrupto, carente de justiça, embora inundado de leis.