Em entrevista à “O Globo” do Rio de Janeiro, o professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas-FGV, Joaquim Arruda Falcão, expôs o ponto de vista do que, em suas palavras considera “a abertura da caixa preta do Judiciário brasileiro”, iniciada pelo julgamento do mensalão e prosseguida pelo petrolão, os dois escândalos de corrupção, envolvendo políticos, empresários e funcionários. Argumentou ser impossível, agora, as instancias judiciárias ficarem discutindo tratar-se de caixa dois ou de propina, o dinheiro, sem origem lícita, recebido pela esposa do político ou do funcionário flagrada no ato do recebimento. Seguindo-se a divulgação do vídeo na televisão e nas redes sociais. Atribui à multimídia a formação de novo conceito de justiça, reformulando os anteriores utilizados pelo Poder Judiciário. Explica tratar-se de fenômeno universal, presentemente atingindo a arte de julgar de todos os países.
Conheci Joaquim Falcão nos anos setenta, recém-chegado de Harvard, dirigia a Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica-PUC do Rio, no ano de minha colação de grau. Dedicado ao ensino jurídico, dirigiu as fundações Gilberto Freyre e Roberto Marinho, agora, empresta o seu respeitável nome ao curso de Direito da FGV, onde coordenou a pesquisa sobre os julgamentos do mensalão, posteriormente publicada em livro. Sustenta tratar-se de julgamento paradigmático, capaz de modificar a postura do Poder Judiciário, influenciado pela opinião pública, formada pela transparência do divulgado pelos instrumentos da multimídia, destacando-se a televisão e as redes sociais.
Efetivamente vivemos o tempo da transparência, exigida pela sociedade em relação a aplicação do dinheiro do Estado, estendendo-se a todo recurso de natureza pública, aí está o episódio da prisão dos dirigentes da Confederação Brasileira-CBF e Federação Internacional-FIFA de futebol. São instituições privadas, gerindo elevadas somas de recursos de competições esportivas públicas, implicando na fé pública dos torcedores. As acusações variam de contratos superfaturados a propinas para transmissão de jogos e publicidade. Tudo começou com a delação premiada do norte-americano Chuck Blazer, secretário da Confederação da América Central, do Norte e Caribe (Concacaf), colhido nas malhas do Imposto de Renda dos Estados Unidos.
É crime da maior gravidade nos Estados Unidos, lembrando que permitiu a prisão de AL Capone, famoso gangster, hábil em driblar as teias da legislação ianque. O Departamento de Justiça e a polícia norte-americana, cumprindo decisão judicial, prenderam os acusados, à mercê da extradição, a ser requerida à Suíça, onde encontram-se detidos. O instituto da delação foi determinante par a abertura da caixa preta do futebol internacional, e quem sabe, nacional.
Semana passada, a Câmara dos Deputados iniciou a votação da Reforma Política, parecendo haver consenso em relação a vedação da reeleição, mas andou-se pouco no financiamento das campanhas eleitorais, que ainda será examinado em segunda votação, e no Senado, restando também a regulamentação da matéria em Lei Complementar. De tudo resta uma certeza, os contribuintes exigem a transparência no emprego do dinheiro público do Fundo Partidário e das doações. Torna-se indispensável a abertura da caixa preta do financiamento das campanhas, responsável pelos esquemas de propinodutos dos caixas 2.
A legislação partidária carece de reformular-se para ouvir as vozes das ruas. Exemplo disso é a Espanha em que o movimento de indignação resultou na organização de novos partidos políticos, um deles ganhou as eleições municipais de Barcelona, e quase triunfava na capital, Madri. As tecnologias da informação, as redes sociais, concorrem consideravelmente para a internacionalização das reivindicações e as aspirações de transparência. A queda da União Soviética, alterando a geopolítica mundial, teve em parte origem nos impactos produzidos pela internet, pelo fax. A crise da representação político-eleitoral aqui e em outros países, resulta da incompreensão das elites dirigentes face a realidade do mundo globalizado e ligado on-line pelas redes sociais, mantendo as instituições engessadas e burocratizadas, correspondentes ao passado, inteiramente ultrapassadas. O Judiciário, enquanto instituição do Estado, não escapa do quadro. Um agravante é o corporativismo dominante em nossa sociedade, atinge todas as categorias sociais, juízes, promotores, advogados, médicos, trabalhadores, empresários, engenheiros, funcionários. Ninguém escapa, o patrimonialismo conduz a formação das caixas pretas. Mas a democratização conduzirá a inevitáveis aberturas.