Sim, são 800 anos, completos e redondos, quase um milênio em termos históricos. Confira-se. Exatamente em 15 de junho de 1215, nas Ilhas Britânicas, os barões e condes ingleses impuseram ao Rei João, que passou à história com o nome de João Sem Terra, um documento escrito e articulado que viria a ser denominado de Magna Carta.
Em torno ao nascimento dessa Carta no contexto da historiografia política inglesa, deve ser registrado não ter sido ela a primeira no gênero e nem a única de fundamental importância. Outras a antecederam, porque aquele reino sempre foi marcado por uma inelutável vocação libertária. Ela própria, a Magna, veio a ter pelo menos duas edições de Cartas posteriores que lhe deram retoques e apuros com objetividade política de código fundamental.
Viva a Magna Carta! Parabéns ao povo inglês pelo seu aniversário, de 800 anos. E daí?
Daí que o grande beneficiário pelo singular acontecimento de junho de 1215, em Runnymede, um verdejante prado entre Windsor e Staines, à margem do Tâmisa, veio a ser todo o Ocidente e não apenas a elite dos condes e barões do reino. Merecia assim ser festejado e melhor comemorado no mundo ocidental. Mas o que estamos vendo até agora é um cabuloso silêncio pela data. Estou escrevendo em 14, véspera do aniversário, e não vi o mínimo sinal de programação, registro ou memória pelos oito séculos da Carta. Talvez, no Reino Unido, algo tenha sido esboçado em prol da efeméride. No Brasil, desconheço.
Como dito, a Magna Carta não foi a primeira, na Inglaterra, a estatuir direitos e garantias fundamentais, algumas há muito já previstas e aplicadas na lei comum: liberdade de ir e vir, direito a um julgamento justo, proibição de confisco à propriedade particular, impostos só com previsão legal ? ou seja, todo um ferramental que é usado diariamente pelos advogados no exercício de sua profissão. O que a Carta fez foi tão só dar tratamento constitucional a tais direitos. Na verdade ela tornou-se um ícone do direito público por ter feito a previsão, neste ponto pioneira, de que todos sem exclusão estavam submissos à lei. Inclusive o próprio rei, que passou a dividir poderes com aquilo que viria a ser mais tarde o Parlamento, nascendo aí o embrião do parlamentarismo. Anos depois o rei Carlos I tentou retomar esses poderes para a coroa e acabou perdendo a cabeça no cepo.
Estudava-se nas academias, até a década de 80 p.p., que três grandes revoluções políticas haviam sido marcantes para transformar a vida dos povos, a saber em ordem temporal regressiva: a Revolução Russa, de 1917; a Francesa, de 1789; e a Inglesa, difusa.
A dita bolchevista, russa, não durou um século e já foi jogada na lata de lixo da história como inútil e nefasta. A francesa resultou em um resultado pífio em comparação ao muito sangue inocente que fez derramar em nome da liberdade e da igualdade. Das três, a inglesa logrou atingir resultados mais efetivos e perenes em seu caminho em busca da liberdade.
Antes que se cultivasse a ciência política, já sabíamos, pela sociologia, que é sempre tensa, quando não conflituosa, a relação existente entre governantes e governados. Aqueles propensos naturalmente a exercer o poder de forma despótica; estes lutando sempre para diminuir a taxa do quantum desse despotismo.
Essa é a síntese da perene luta política da qual os ingleses deram imorredouras lições a todos os povos. Exemplo maior: a monarquia parlamentarista.
Essa é a razão pela qual a Magna Carta estava a merecer homenagens efusivas daqueles que praticamente dela descendem e são tutelados.
A classe profissional dos advogados, principal utilitária dos princípios e regras inscritas na Carta de João Sem Terra, omitiu-se por completo. A OAB, com essa temática de “sem terra”, poderia pelo menos ter promovido uma conferência do senhor João Pedro Stédile. Mas nada está perdido: a OAB já se prepara para festejar o primeiro centenário da revolução bolchevista, pois esta, sim, legou aos povos uma formidável gama de belos e sublimes direitos.