Primeiro era a sociedade civil organizada, contraposta, por suposto, à desorganizada. Depois, o petismo inventou os tais movimentos sociais na esteira das constituições mandatórias da velha Europa, com destaque para as da Espanha e de Portugal, valorizando direitos humanos e sociais (na ressaca das ditaduras franquista e salararista). O Brasil, após a ditadura militar, cunhou a Constituição de 1988 nos mesmos termos, com viés parlamentarista, todavia frustrado, enunciando direitos fundamentais no art. 5º, incisos e parágrafos, de modo exaustivo. Não ficou nisso. Enveredou pela social-democracia europeia e seu ideário, para impor aos Estados objetivos sociais a serem alcançados sem o menor cuidado com os custos econômicos necessários à construção do Estado do bem-estar social (welfare state).
É errado supor que o constituinte não devesse fazê-lo. O problema é pragmático. Faltou um “sempre que possível” ou “na medida dos meios orçamentários”. Exemplo disso é o art. 6º, a cuidar dos direitos sociais assim escrito: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Um sarcástico constitucionalista (não vem a pelo citá-lo) se perguntou se tudo isso cairia do céu, uma espécie de fubá (ou maná, como no mitológico deserto hebraico), ou deveria o Estado, da noite para o dia, realizar o voluntarismo desbragado dos constituintes. Ao que sei, nada daquilo posto no art. 6º realizou-se a contento. Cá estamos já em 2015 metidos em severa crise. O governo da União falido e sem meios sequer para as coisas mais essenciais.
Os constituintes abriram um capítulo para a educação, a cultura e o desporto. Dispõe no art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família (…)”. A declaração é pomposa. A sua realização, um fiasco. No art. 196 já dissera: “A saúde é direito de todos e dever do Estado (…)”. Continuamos a ver os corredores dos hospitais repletos de pacientes, nos dois sentidos, completamente descurados. Os constituintes trataram de tudo: da habitação, da ciência, dos índios, do pleno emprego etc. Em vão. Em vão uma ova! Dessa pletora de direitos é que nasceram os “movimentos sociais”, o dos índios e suas demarcações, o dos quilombolas, o dos sem-terra, o dos sem-teto, o dos que querem viajar de graça nos ônibus e nos trens. Eles fazem arruaças, destroem o que encontram pela frente, invadem propriedades alheias, fazem o diabo em nome dos direitos sociais plasmados na Constituição, vestindo o vermelho socialista do PT (que à sua vez os utiliza e transporta pelo país afora), com os fortalecidos sindicados filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Outro dia o presidente Lula nos ameaçou com o “exército do sr. Stédile”.
É preciso criminalizar os excessos desses baderneiros. Nossos índios deveriam ser cuidados e levados, gratuitamente, às universidades; nós os dizimamos. Ao revés, vivem em reservas enormes e precárias, sonhando com civilização, carros e smartphones. A Fundação Nacional do Índio (Funai) vive de verdadeiros zoológicos humanos. Agricultores de feijão e arroz (familiar) para diferenciá-los do nosso eficaz agronegócio, o melhor do mundo (que nunca precisou do governo, que mais atrapalha do que ajuda) merecem total apoio do Estado. Os bandidos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e quejandos deveriam ser presos, fichados, processados e condenados na forma da lei. Aliás, o financiamento desses movimentos está a merecer uma CPI.
Estão sendo usados, politicamente, para agitar o país e criar clima de beligerância, de luta de classes, de acirramento de ânimos, sob os olhares complacentes, quando não coniventes de certos setores do governo federal com os inconfessáveis objetivos concertados no Foro de São Paulo, congregador dos movimentos socialistas da América Latina. Mas é um socialismo diferente do marxista, a merecer respeito pelo que expressou no século 20. É diferente, igualmente, do socialismo professado pelos partidos europeus, dentro dos esquadros de regimes perfeitamente democráticos.
Na América Latina, o socialismo do Foro de São Paulo rima com corrupção, cooptação política espúria, erosão da tripartição de poderes, estatismo, políticas inconsequentes e populismo primário, a arruinar países como Venezuela, Equador, Argentina, Brasil e agora até o Chile. Esses movimentos são odientos e merecem nossa repulsa republicana em prol de um Estado democrático e social de direito. Vejo que, finalmente, um rasgo de sol começa a aparecer em céus fechados pelo sectarismo e pela ignorância, como diria o escritor peruano Vargas Llosa.
* Advogado, coordenador da especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos