A linha do tempo ou, se quiserem, da História, continua a nos propiciar lições de muita valia no campo do ideário político-ideológico. E essas lições, com mais precisão, situam-se exatamente, não no plano dos fatos e dos acontecimentos, senão que no comportamento pessoal e no pensamento de certos ideólogos, homens de partido ou simples corifeus de escola.
Tais lições, todas estão reveladas na clave da surpresa, por isso que se tornam relevantes para serem objeto de exame e comentário mesmo que no prosaísmo de uma crônica semanal. E são lições exatamente porque trazem em si um ensinamento em busca da evidência que tende a se aproximar da fugidia e possível verdade, se é que esta possa existir no campo social. Mas não podem deixar de ser lições porque, únicas e exclusivas em sua natureza, somente num sentido vetorial têm ocorrido.
Refiro-me ao fenômeno, já registrado nestas linhas, de pensadores e ideólogos de esquerda que, depois de anos de amadurecida militância nessa área, passaram de repente, como que iluminados, a defender teses antinômicas àquelas que antes tanto proclamaram. Entre muitos, relembro agora os nomes de Albert Camus, na França, e no Brasil mais recente, de Paulo Francis e Ferreira Gullar.
Reversamente, não consigo lembrar-me, nem ninguém me apontou, um exemplo sequer de pensador que, depois de encanecido, tenha renegado suas convicções conservadoras, liberais ou direitistas. É sintomático assim que esse vetor, como dito acima, somente ocorra no sentido mutacionalda esquerda para a direita, mas nunca ao contrário. Talvez alguém descubra alguma sinalização, aí, de um Norte insuspeitado?
Temos agora registrado mais um exemplo, ainda que parcial, desse fenômeno migratório, com a morte aos 74 anos, no último dia 13, em Montevidéu, do jornalista e ficcionista uruguaio Eduardo Galeano. Esquerdista notório, Galeano adquiriu nomeada quando, em 1971, publicou o famoso As Veias Abertas da América Latina. Esse livro, mais panfletário do que ensaístico, na medida em que explorava o ressentimento latino-americano, abusou de informações distorcidas e, ao embalo do clima da Guerra Fria de então, alimentou ao extremo a odiosidade esquerdista contra o capitalismo ocidental e em especial contra os EUA. O livro, mais do que um sucesso, foi um estrondo editorial, com milhões de exemplares vendidos, em vários idiomas. Por muitos anos foi de leitura obrigatória e comentários em todos os grêmios da esquerda vermelha do Continente. Não ter lido As Veias… era sinal de heresia epecado imenso para um verdadeiro esquerdista.
Pois bem, morto Galeano (que Deus o tenha…) toda a imprensa nacional (VEJA, Estadão, Folha), no natural necrológio tiveram de contar uma verdade – mais uma lição – daquilo que é objeto desta crônica. E que, não fosse sua morte, talvez o fato tivesse passado em branco.
Com efeito, narrou a mídia brasileira que em 2014, durante a 2ª. Bienal do Livro em Brasília, referindo-se ao seu dileto As Veias…teria Galeano verbalizado: “Depois de tantos anos, já não me sinto ligado mais a esse texto. O tempo passou e descobri diferentes maneiras de conhecer e de me aprofundar na realidade. (…) Se eu relesse a obra hoje, cairia desmaiado, não iria aguentar”. Isso depois de dizer que não estava adequadamente preparado, nos anos 70, para escrever o livro.
Todos os jornais fizeram questão de transcrever fielmente, entre aspas, a arrependida confissão do jornalista.
Em arremate, Galeano bem antes de morrer vem a público para dizer que empulhou milhões de leitores com sua literatura desonesta e calhorda. O pior é que, depois do estrago feito, bem pouco pode ser remendado, pois ainda haverá milhares de idiotas que, desavisados, continuarão a acreditar nas verdades deAs Veias Abertas da América Latina.