EDITORIAL

A sociedade e o combate à corrupção

Não se deve ao acaso o dito segundo o qual “o olho do dono é que engorda o gado”. Ele traduz, com linguagem concreta, a importância de não deixar nas mãos de terceiros o que nos interessa diretamente. O conselho não se restringe a assuntos domésticos. Abrange os públicos — que afetam a sociedade em […]

Não se deve ao acaso o dito segundo o qual “o olho do dono é que engorda o gado”. Ele traduz, com linguagem concreta, a importância de não deixar nas mãos de terceiros o que nos interessa diretamente. O conselho não se restringe a assuntos domésticos. Abrange os públicos — que afetam a sociedade em geral.
É estranha à cultura brasileira a prática de fiscalizar o poder. Desde pequenos, aprendemos que o Estado é o grande pai. Dele vêm as soluções que afetam o dia a dia dos cidadãos. Da limpeza da calçada à qualidade da educação e da saúde, espera-se que o governo tome as medidas aptas a satisfazer anseios e urgências da população.
A burocracia, porém, nem sempre está sintonizada com as expectativas da comunidade. Sem avaliar a satisfação do consumidor, falta feedback ao administrador, que tampouco tem interesse em conhecer o resultado desta ou daquela iniciativa e a possibilidade de melhorá-las. Não só. Some-se ao descaso o hábito de fugir do povo. Daí os carros oficiais e os elevadores privativos.
Vem, pois, em boa hora, a campanha lançada pelos Ministérios Públicos de 21 países. Com o lema “Corrupção Não”, ela visa conscientizar a população do papel que pode desempenhar na prevenção e no combate dos malfeitos governamentais. A iniciativa se inspirou na campanha “O que você tem a ver com a corrupção?”, protagonizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Território (MPDFT), que, por sua vez, tem as raízes em projeto do MP de Santa Catarina, criado em 2004.
Embora esteja focada na corrupção, a campanha tem o poder de frutificar em outras áreas. A abrangência se relaciona com a capacidade de mudar o comportamento da população. Em vez de paciente da ação do Estado, o cidadão se torna agente, apto a propor providências importantes para a comunidade e a lhes acompanhar o destino.
Vale o exemplo de São José dos Pinhais. No município paranaense, grupo formado por 85 moradores fez 192 recomendações ao prefeito em outubro do ano passado. Entre elas, esvaziar o depósito de unidade de saúde para transformá-lo em sala de espera para pacientes. Até abril, 58% dos pedidos foram atendidos. A expectativa é que, em julho, o percentual de concretização atinja 80%.
As manifestações que tomaram as ruas em 2013 e voltaram em 2015 provam que o MP encontrará terra fértil. Impõe-se ampliar o arco de adesões. Os meios de comunicação de massa, aliados às redes sociais, podem prestar importante serviço ao país. A indignação da sociedade diante dos desmandos observados na administração pública tem de se converter em ação efetiva de alteração de rumo.
Com a guinada, mudará o discurso. No primeiro momento, em vez de “eles praticam malfeitos”, o brasileiro dirá “eu deixo praticar”. No segundo momento, modificar-se-á o tempo verbal. O passado tomará o lugar do presente: “Eu deixava praticar”. É o olho do dono cuidando do que lhe pertence.
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