Excesso de álcool endurece as artérias
A ingestão exagerada de bebidas alcoólicas pode provocar a aterosclerose, uma complicação cardíaca que culmina em derrame e infarto.
A ingestão regular de bebidas alcoólicas pode contribuir severamente para o desgaste de um dos principais elementos do sistema cardíaco humano: as artérias. Cientistas britânicos acompanharam 3.896 voluntários durante 25 anos e observaram que os homens que bebiam quantidades acima das consideradas seguras apresentavam endurecimento dos vasos que distribuem o sangue pelo corpo. Segundo os investigadores, os achados, publicados na última edição da revista da Sociedade Americana do Coração, podem servir como mais um alerta para os prejuízos causados pelo álcool.
A rigidez arterial é um fenômeno que sempre chamou a atenção de especialistas na área cardíaca. “Ela é um indicador importante do envelhecimento cardiovascular e é conhecida por estar fortemente associada com doenças cardiovasculares e a mortalidade”, explica Darragh O’Neill, principal autor do estudo e pesquisador da University College, em Londres. No estudo, ele e a equipe avaliaram 3.869 participantes com idade entre 30 e 50 anos. Nenhum deles apresentava problemas cardíacos e a maioria era homens (73%). Durante 25 anos, os pesquisadores compararam dados sobre a ingestão de álcool dos voluntários com medições da velocidade de fluxo das principais artérias do pescoço e da coxa.
COMPARAÇÃO
A determinação da Associação Americana do Coração, que define como consumo moderado de álcool a média de uma a duas doses de bebidas por dia para homens e uma dose de bebida para mulheres (veja infográfico), serviu como base de comparação. Os investigadores descobriram que os homens que bebiam quantidade maior do que a estabelecida apresentaram maior rigidez arterial. “Nosso estudo mostrou que, consistentemente, beber acima dos níveis recomendados, em comparação com beber abaixo desses níveis, pode resultar em maior perda de elasticidade nas artérias, particularmente em homens”, resume O’Neill.
A equipe ainda não sabe dizer como o álcool provoca a aterosclerose, mas levanta uma hipótese. Eles sabem que o consumo moderado da bebida aumenta os níveis de HDL, também conhecido como bom colesterol, que consegue absorver a gordura depositada nas artérias. O consumo exagerado de álcool, por outro lado, não provocaria esse efeito. “Uma ingestão mais pesada ativaria enzimas que levariam ao acúmulo de colágeno, o que poderia exacerbar a taxa de endurecimento arterial”, explica O’Neill.
Moderação do bem
André Wambier, cardiologista, ressalta que os benefícios da ingestão moderada de álcool são conhecidos. “Chamamos isso de paradoxo francês. Sabemos que os franceses sempre tomam vinho e, apesar de sua comida ser gordurosa, eles têm poucos problemas cardíacos. Investigações sobre o tema mostraram que o vinho tinto e o álcool em moderação podem ajudar a evitar problemas cardíacos por causa da produção de HDL”, diz o médico, que não participou do estudo. “Mas é claro que não recomendamos o consumo de bebida para pessoas que não a consomem. Quando o paciente diz que bebe, apenas aconselhamos a ingerir moderadamente”, frisa.
Wambier também acredita que uma possível produção exagerada de colágeno seja a explicação para que as artérias de pessoas que bebem mais tenham enrijecido. O especialista alerta para os malefícios causados por essa complicação. “É algo muito danoso, porque interfere na circulação, as artérias precisam ser mais elásticas para que a onda de pulso do sangue seja suficiente para correr por todo o corpo. Quando essa falha de funcionamento ocorre, há problemas. É igual ao idoso que, quando levanta rápido, fica tonto e cai”, ilustra.
Quanto ao fato de os danos terem sido percebidos apenas nos homens, o cardiologista acredita que a explicação esteja em distinções no organismo de cada gênero. “Acho que isso ocorre porque o HDL é um tipo de colesterol que tem efeitos mais benéficos para a mulher, tanto que a quantidade ideal para homens é acima de 40mg e para mulheres, acima de 50mg. Isso pesa porque, quando a mulher bebe e esse HDL aumenta, ele não se torna tão danoso a ela. Um ponto importante de ser destacado também é que, no estudo, eles determinam uma quantidade de álcool mínima para as mulheres menor do que para os homens. Isso pode ter pesado nos resultados”, avalia.
Independentemente do efeito diferenciado, os autores britânicos defendem que os resultados da pesquisa podem ajudar a melhorar as intervenções que previnem o endurecimento arterial. “Existem os tratamentos farmacológicos e os não farmacológicos. O último pode incluir mudanças dietéticas, e o estudo atual mostrou que é viável considerar o consumo de álcool como parte disso”, diz O’Neill. Os investigadores pretendem esmiuçar ainda mais o tema. “Estamos planejando harmonizar e vincular dados em vários cortes para examinar e associar a ingestão de álcool ao longo do tempo e seus efeitos sobre outras doenças cardiovasculares”, adianta.
Palavra de especialista
Consequências fatais
“Essa pesquisa é importante porque alerta sobre o consumo de bebidas alcoólicas como um fator que pode provocar a aterosclerose. Trata-se de uma análise feita por um bom tempo, que acompanhou os voluntários por mais de 20 anos, e que embasa os malefícios já suspeitos. Mesmo que não saibamos ao certo o mecanismo envolvido, sabemos que esse problema tem consequências fatais, já que a doença cardiovascular é uma das que mais mata atualmente. Vale ressaltar também que a recomendação da quantidade de álcool a ser ingerida no Brasil, indicada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, é diferente da utilizada pelos cientistas. São 30g de álcool por dia para homens e 15g para as mulheres”