recordações da história

As lembranças que costuram o Carnaval

As portas fechadas e a vegetação revelam histórias de quem festejou e amou durante a juventude, nos clubes e nas festas da cidade de São Luís.

Reprodução

Do latim, Carnis Levale, o Carnaval no Brasil tem sua elaboração no período colonial, quando ainda apresentava fortes traços da tradição europeia e fazia culto à entrada – introitus – da Quaresma. À época, somente os escravos participavam do festejo, enquanto as demais camadas da sociedade se mantinham alheias, o que depois resultaria na criminalização da prática realizada nas ruas. A manifestação popular foi reprimida, mas, para as elites, os bailes eram realizados em locais fechados, como teatros e clubes, animados pela Polca europeia.

Com o passar do tempo, principalmente a partir do século XX, o festejo conseguiu se estruturar de forma que englobasse todas as classes sociais. Marchinhas de Carnaval, escolas de samba, desfiles de carros alegóricos, uso de fantasias e a reunião em clubes fez com que a festa estrangeira ganhasse uma cara mais brasileira, uma cara que refletisse a alegria e a euforia do povo.

Nesse período, em São Luís, alguns clubes de Carnaval mais ilustres começavam a ser bastantes frequentados e a formarem uma forte identidade carnavalesca na capital, que ficaria marcada por décadas no imaginário da população. O Clube Recreativo Jaguarema é um deles. Fundado em 3 de fevereiro de 1953, no bairro do Cruzeiro do Anil, pelo doutor Orlando Araújo, o local reunia inicialmente as famílias que compunham a elite econômica da cidade, que desejavam desfrutar de momentos de lazer.

No ambiente, em que só era possível acessar por meio de convite de sócios, era comum a realização de bailes, festas da alta sociedade, formaturas e aniversários. Muito prestigiado por seu projeto arquitetônico, feito por Romeu Rosendo de Sousa, foi o primeiro clube ludovicense a possuir uma quadra de vôlei. Além dos investimentos feitos pelos colaboradores, que sonhavam com um espaço seleto em que pudessem descansar em companhia da família, o dia de inauguração foi marcado pela presença do ex-governador Newton de Barros Belo e de representantes das forças armadas.

Juscelino Kubitscheck, Assis Chateaubriand, José e Roseana Sarney, além de outros, foram algumas das figuras que frequentaram ocasionalmente o espaço, o que revela não somente o prestígio do Jaguarema como também a qualidade dos serviços prestados.

Lítero deixou saudades nas famílias da capital

Já no Grêmio Lítero Recreativo Português (GLRP), fundado em 6 de agosto de 1931, a proposta inicial era outra, pois surgira inicialmente como um clube do livro para as famílias portuguesas, contando com reuniões de leitura realizada no prédio homônimo, à época, localizado na Rua do Sol, no Centro da cidade.

O sentimento de confraternização entre amigos e família, porém, não se contentou somente com isso; os lusitanos queriam mais… Daí surgiu o Lítero do qual vimos ou ouvimos falar, com uma proposta que se assemelhava muito mais com uma associação de membros que se encontravam para praticar esportes, desfrutar de festas e ocupar a agenda nos finais de semana.

Para a poeta e vice-presidente da Academia Maranhense de Letras (AML), Laura Amélia Damous, esses espaços foram verdadeiros representantes de suas épocas. Isso, devido à capacidade que tinham de reunir as famílias em um ambiente harmonioso e cheio de diversão, com os tantos bailes e jogos dos quais poderiam usufruir.

A Laura, perguntei se, de fato, esse tempo deixou saudade. Sua resposta foi: “Sim, tenho saudade, sim. Quem não tem saudade de coisa boa? Quem não tem saudade dos momentos felizes, quando nos encontrávamos com nossos amigos, nossas famílias e íamos para festas bonitas e sadias? Eu só lamento o estado de abandono e de completa destruição em que esses clubes se encontram hoje”.

De fato, as boas lembranças ficaram apenas na memória. O tempo levou tudo. Lítero e Jaguarema viraram terrenos baldios e lixões; o terreno do antigo Casino Maranhense sedia, atualmente, o Viva Cidadão, localizado na Avenida Beira-Mar.

Podemos sentir esse apego ao observarmos algumas das muitas fotografias antigas da cidade, publicadas no Facebook. Dentre elas, está a postagem da página “Minha Velha São Luís”, de 18 de setembro de 2019. Nela, podemos ver os belos tobogãs da área de piscina do Lítero, porém, o que de fato me chamou a atenção foram os comentários feitos em referência ao clube.

O advogado e internauta Daniel Negreiros comentou: “Fui sábado passado convidado pra assistir um jogo de airsoft… desde 2001 não tinha entrado lá. Fiquei com vontade de chorar… quantas feiras de ciências pelo Divina Pastora participei, quantos FDS (Finais de semana) passei lá… realmente tem coisas que só acontecem no Maranhão”.
Logo abaixo, a internauta Irlanda Canito também diz: “Aqui está um pedaço de mim que faz uma falta danada. Ainda mais hoje morando no Anil e passando todos os dias pelo abandono que está, e imaginar que tanta gente, assim como eu, teve momentos maravilhosos de infância e juventude nesses clubes! Só lembranças! ”.

Como última menção, acho justo citar um clube que, à parte dos outros, sempre foi de caráter popular, um clube de bairro. Esse era o Grêmio Recreativo Alvorada, localizado na avenida Gov. Matos Carvalho, no bairro do Tirirical.

O espaço era muito frequentado nas décadas de 80 e 90 pelos moradores da região e dispunha de memoráveis festas de carnaval, quando era o caso. Fora de época, o costume era dançar agarradinho ao som dos melôs tocados nas radiolas, ou até em um estilo mais solto, animado pelas discotecas. Além do mais, o único critério que deveria ser atendido para entrar no Alvorada era o de ser gente de bem.Meus pais frequentaram o clube Alvorada, que hoje se encontra de portas fechadas. A memória, entretanto, continua intacta. Realmente, existem coisas que só acontecem no Maranhão…

VER COMENTÁRIOS
Polícia
Concursos e Emprego
Esportes
Entretenimento e Cultura
Saúde
Negócios
Mais Notícias