Violência doméstica: homens agressores buscam mudança em grupos de reabilitação
Maranhão atingiu recorde no número de feminicídios registrados em 2024. Até setembro, foram contabilizados 57 casos.
“Eu não sou um monstro! Eu sou B.C.S.X., tenho 38 anos e sou advogado. Por muito tempo, acreditei que estava no controle da minha vida e das pessoas ao meu redor. Fui criado para ser o ‘homem da casa’, o provedor. Na minha família, as mulheres eram ensinadas a serem submissas aos maridos, como meu pai e meu avô fizeram. Esse pensamento sempre foi uma verdade absoluta para mim e, em meio às brigas com minha esposa, perdi o controle.”
O relato de B.C.S.X. reflete a dolorosa transformação de um homem que enfrenta as consequências de suas ações. “Foram cinco episódios de agressão. O último foi o mais grave. Fui denunciado, preso e, como parte da pena, passei a frequentar os grupos reflexivos do TJMA. No início, sentia raiva por estar lá. Achava tudo uma perda de tempo. Mas, com o passar dos encontros, comecei a reconhecer meus erros e o impacto das minhas ações. Hoje, percebo que posso ser alguém melhor, mas é tarde demais. Perdi minha esposa, minha família e preciso conviver com essa perda”, conta.
Os grupos reflexivos, previstos pela Lei Maria da Penha, têm se mostrado eficazes no combate à violência doméstica. Uma parceria entre o Ministério Público do Maranhão (MPMA) e o Centro Universitário Estácio São Luís, celebrada em maio este ano a partir de um termo de cooperação técnica, viabiliza a assistência de profissionais especializados em encontros com os agressores, promovendo a desconstrução de comportamentos machistas e conscientizando sobre os impactos da violência.
O objetivo é incentivar mudanças de comportamento em homens que foram enquadrados na Lei Maria da Penha, disseminando respeito à dignidade humana, com enfoque na igualdade de gênero, através da educação.
“A cultura machista profundamente enraizada nas relações dificulta a responsabilização desses homens. O grande desafio é levá-los a questionar comportamentos opressores e refletir sobre as consequências de seus atos”, explica a psicóloga e professora da Estácio Yram Miranda. Com auxílio de alunos monitores e estagiários, ela hoje coordena esses grupos e trabalha, durante as reuniões, conteúdos voltados tanto para aspectos legais quanto para a saúde mental, como noções introdutórias da lei Maria da Penha, direitos humanos, papéis de gênero, vícios, autocontrole e regulação emocional.
O Maranhão atingiu um recorde no número de feminicídios registrados em 2024. Até setembro, foram contabilizados 57 casos, dos quais nove ocorreram na Região Metropolitana de São Luís e os demais no interior do estado. Em 2023, o estado registrou 50 feminicídios, o que significa que, em 2024, o número de assassinatos de mulheres cometidos por maridos, namorados ou ex-companheiros já ultrapassou o total do ano anterior.
Além disso, os dados do sistema PJe revelam um alto volume de medidas protetivas de urgência concedidas a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Maranhão. Em 2023, foram emitidas 18.047 medidas, entre solicitações presenciais e online. Já em 2024, até o primeiro semestre, o número chegou a 10.082.
Em um contexto global, o Dia Internacional da Não-Violência contra as Mulheres, celebrado em 25 de novembro e reconhecido pela ONU desde 1999, reforça a importância de ações como essas. A data tem como objetivo conscientizar sobre a violência em suas diversas formas e incentivar a busca por soluções.
Yram destaca que os grupos reflexivos não apenas incentivam os participantes a repensar suas atitudes, mas também fornecem ferramentas para compreender a violência como um problema social. “Discutimos exemplos de violações dos direitos das mulheres e promovemos a ressignificação de conceitos como poder e controle, essenciais para a mudança.”
Além dos grupos reflexivos, iniciativas como a Rede Maria da Penha e as medidas protetivas de urgência desempenham papéis cruciais na proteção das vítimas. A promotora Selma Martins, do Ministério Público do Maranhão, enfatiza a importância desses mecanismos: “As medidas protetivas salvam vidas, assim como as Patrulhas Maria da Penha e a Rede Amiga da Mulher. Um atendimento rápido e menos burocrático é essencial para a eficácia da proteção.”
Reflexão e transformação
Embora os grupos reflexivos sejam um instrumento valioso, eles não apagam os danos causados pela violência. “Eu mudei, mas a dor que causei não tem volta. Minha perda é irreparável”, reconhece B.C.S.X.
Ainda assim, esses espaços oferecem uma oportunidade única para que homens reflitam sobre seus erros e busquem transformação. No Maranhão, os grupos têm contribuído significativamente para desconstruir a masculinidade tóxica e promover relações mais saudáveis. “A reabilitação começa quando os participantes têm coragem de enfrentar suas falhas e questionar os padrões que perpetuam a violência”, explica Yram Miranda.
Orientação
Se você ou alguém que conhece está em situação de violência doméstica, busque ajuda. O programa MPU Salva Vidas oferece a possibilidade de solicitar medidas protetivas de urgência de forma simples e segura, através de um formulário online.
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