O perigo dos “graus” na região metropolitana de São Luís
Às vésperas da Semana Nacional de Trânsito, sinistros envolvendo motocicletas estão mais frequentes na Grande Ilha. A prudência e a empatia no trânsito são indispensáveis.
Embora veiculadas como tal, muitos dos desastres envolvendo motocicletas na Grande São Luís – nas últimas semanas, registrados praticamente todos os dias – não poderiam ser chamados de “acidentes”.
Como detalha o especialista em trânsito Francisco Soares, a forma correta seria “sinistros”. “[Pois] são desastres em situações com grande probabilidade de serem evitados”. No caso de motociclistas feridos ao chão, nada que prudência, mobilidade, paciência, respeito e empatia no trânsito não possam resolver.
Por sua vez, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-MA) anunciou que realizará – durante a Semana Nacional do Trânsito, de 18 a 25 de setembro – ações em combate a sinistros como o que alterou a rotina de Iran França em uma fração de segundos.
“É tudo muito rápido”, conta o jornalista e artista – que agora se recupera das sequelas de uma colisão.
No último mês de junho, Iran voltava da cobertura de um evento, quando ele e o motorista que o conduzia foram atingidos por trás por um veículo na Forquilha. Segundo Iran, o motorista do carro fez um cruzamento errado e os acertou.
Vítima de imprudência, o jovem entrou para as estatísticas dos acidentes de moto no Maranhão, já alarmantes e agora, bastante frequentes.
Apenas no último domingo (15), pelo menos dois casos foram registrados na região metropolitana, ambos envolvendo “graus” – manobras arriscadas que viraram mania entre motociclistas nos últimos meses. No domingo (15), um motociclista atingiu um estabelecimento comercial após dar “grau” no município de Raposa, enquanto uma jovem acabou ferida por um condutor que fazia as manobras na Rei de França.
O paulista Wanderson trabalha como motociclista de app em São Luís, vivendo aqui há cinco anos. Ele admite ter conhecidos que fazem “grau” – e garante ser contra a prática. “Simplesmente falo que não concordo. Você tira a perturbação dos outros. Falam que sou ‘careta’”, revela o trabalhador.
A fragilidade dos motociclistas
Se no trânsito a moto já é o veículo que mais mata e deixa sequelas, os “graus” apenas agravam a fragilidade dos motociclistas: na noite do último dia 5 de setembro, o condutor Elyude Olveira acabou atingido por um caminhão na Avenida Jerônimo de Albuquerque, na Cohab – tendo a cabeça esmagada pelo veículo maior.
“Esta prática é totalmente condenável, pois coloca em risco a vida dos motociclistas e de outros condutores e pedestres que circulam pelas vias utilizadas por estes infratores, além do que viola frontalmente disposições legais do Código de Trânsito Brasileiro”, lembra Lourival Cunha, presidente da SOS Vida Pela Paz no Trânsito.
Especialista em trânsito, Francisco Soares detalha que a pena vai de seis meses a três anos de prisão, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Um dia antes do sinistro na Cohab, a jovem Bruna Rebeca Barros teve a perna dilacerada em um acidente de moto na Avenida dos Africanos. Ela não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital. Registradas na mesma semana, as duas fatalidades somam estatísticas preocupantes no trânsito no Maranhão.
Segundo dados do Detran-MA, 1.191 pessoas morreram no trânsito do estado em 2023. Destas, quase 872 eram usuárias de motocicletas, motonetas e ciclomotores.
Os sinistros com motocicletas foram responsáveis por cerca de 73% das mortes nas ruas e avenidas maranhenses em 2023. Em 2024, 248 pessoas morreram nesse tipo de sinistro apenas nos quatro primeiros meses. Isto representa 28% dos óbitos registrados em todo o Maranhão no ano passado.
Em um comparativo dos últimos quatro anos, o número de óbitos envolvendo motos deu um salto de mais de 36% no Maranhão – saiu de 318 mortes em 2019 para 872 em 2023.
Em São Luís, Francisco Soares destaca os pontos com maior necessidade de atenção quanto a motocicletas.
“São as grandes avenidas com forte fluxo de motofretistas, principalmente nos trechos da Avenida Colares Moreira na região do Renascença 2 e Península da Ponta D’areia, com alta demanda de entrega de comida pronta”.
Falta de infraestrutura também é prejudicial para os motociclistas
Além da falta de atenção e excesso de imprudência, a falta de infraestrutura também é prejudicial para os motociclistas – e Francisco Soares tira sugestões de outras cidades brasileiras como soluções.
“Brasília, por exemplo, tornou obrigatório a construção de pontos de descanso para motofretistas e mototaxistas. São Paulo vem implantando com absoluto sucesso as faixas azuis [faixas exclusivas para motos] que vem reduzindo o número de mortes na Avenida 23 de Março e muitas outras”.
Paulista, o motociclista Wanderson destaca a região da Cidade Operária como campeã em bueiros sem tampa. Enquanto o Governo do Maranhão já anunciou medidas de conscientização em combate a violência no trânsito com foco nas motos, Lourival Cunha relata dificuldades em fazer essa parte pela SOS Vida.
“Desde 2014, seguimos tentando estabelecer parcerias para realizar um trabalho educativo para os motociclistas. Em 2019, tentamos parceria com o Pacto pela Paz da Secretaria de Segurança Pública e as autoescolas. Outra vez, não tivemos sucesso”.
Para Lourival, a educação no trânsito deveria ser enraizada.
“O principal remédio para resolver, a médio e longo prazo, o problema da violência no trânsito (imprudência etc.) é a educação para o trânsito da pré-escola ao ensino superior, conforme prescreve o art. 76 do Código de Trânsito Brasileiro”.
A violência no trânsito tem peso alto para quem sofre de suas sequelas: seja no financeiro, no psicológico ou no social.
“Quebrei os três dedos do meio no pé direito”, detalha Iran, que passou por cirurgia e hoje se recupera das fraturas com apoio de fios de Kirschner.
O motorista do app sofreu apenas escoriações. Iran aguarda o fim do processo de cura para a retirada dos fios e começar uma fisioterapia.
“Sou uma pessoa bastante ativa e tive que parar muito rápido com tudo. Assim, o acidente me afetou muito no psicológico.” Estresse pós-traumático, fobia, ansiedade e depressão são sequelas comuns a vítimas de acidentes no trânsito.
Ana Beatriz Gomes, de 23 anos, já não pilota motos e detalha que o medo alcançou os pais. “Se passam por um acidente, se preocupam que eu possa estar ali. É um medo constante de passar perto dos carros e os ônibus, por serem maiores. O tempo me ajudou a superar esse trauma”, que também destaca prejuízos financeiros pelos custos do tratamento.
Acidentes de moto prejudicam o bem-estar de Iran, Ana Beatriz e outros milhões, já tendo se tornado um problema de saúde pública. Segundo o Ministério da Saúde, mais de 141 mil pessoas foram internadas vítimas de acidentes de moto em todo o país, em 2023. Tudo isso representou um custo de R$ 8,8 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Beatriz lembra a necessidade de veículos maiores protegerem os menores no trânsito – princípio que, segundo Francisco Soares, não é respeitado pelo próprio Sistema Nacional de Trânsito (SNT).
“Temos uma gestão protocolar no SNT que excluiu os pedestres e motociclistas, priorizando os carros de passageiros. Nossa cidades não apresentam calçadas adequadas, não temos ciclovias e motovias. São poucas as vias exclusivas para ônibus. Não há gestão adequada para veículos pesados. Uma bagunça generalizada”, afirma.
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