Fogo na Amazônia: o avanço do agronegócio e a destruição do bioma
Exploração econômica e queimadas ilegais impulsionam a degradação da floresta, diz especialista.
Os incêndios na Amazônia têm se intensificado nas últimas décadas, coincidindo com o avanço do agronegócio e outras atividades econômicas que exploram o bioma.
Para o professor Gilberto de Souza Marques, da Universidade Federal do Pará (UFPA), esses incêndios são o resultado de um processo de apropriação ilegal das terras, seguido pela sua conversão para atividades econômicas, principalmente ligadas à agropecuária, mineração e exploração madeireira. Segundo ele, o modelo econômico imposto ao bioma prioriza o lucro imediato das grandes corporações, em detrimento do meio ambiente e da população local.
Autor do livro Amazônia: riqueza, degradação e saque, Marques destaca que o desmatamento na região está vinculado à grilagem de terras públicas e ao avanço do agronegócio, setor que frequentemente se alimenta de práticas ilegais. “O fogo é uma das últimas etapas do processo de apropriação dessas terras. Após a derrubada da floresta, o fogo é utilizado para limpar a área e transformá-la em pasto ou em campos de cultivo de soja”, explica o especialista.
Exploração econômica versus preservação ambiental
Segundo Marques, a Amazônia desempenha duas funções conflitantes no cenário global: uma delas é garantir a produção de alimentos e matérias-primas a baixo custo, reduzindo os preços dos produtos nos países mais desenvolvidos. A outra é a preservação do bioma para o combate às mudanças climáticas, especialmente por meio da captura de dióxido de carbono (CO2). No entanto, essas funções são incompatíveis quando a lógica econômica se sobrepõe à ambiental.
“O que estamos vendo é uma sobrecarga de exploração sobre a natureza. Esse ritmo acelerado de degradação impede que a floresta se recupere”, alerta. Ele aponta que as grandes multinacionais da mineração e do agronegócio, com controle sobre a economia local, são as principais responsáveis por essa pressão sobre a Amazônia.
Agronegócio e mineração: motores da degradação
O professor ressalta que atividades como a pecuária e a monocultura da soja, amplamente praticadas na Amazônia, são as principais responsáveis pela destruição da floresta. O setor de mineração também contribui significativamente, ainda que em menor escala territorial. Além disso, a utilização de agrotóxicos em larga escala nas plantações prejudica a fauna local, especialmente os insetos que desempenham um papel essencial na polinização.
“O avanço da soja na Amazônia está diretamente relacionado ao baixo custo de transporte da produção até os portos da região, o que aumenta a rentabilidade e estimula ainda mais o desmatamento”, afirma Marques, que vê o bioma como um dos principais focos da economia globalizada.
A apropriação ilegal da terra e o ciclo da grilagem
Um ponto crucial da análise de Marques é a relação entre as queimadas e a apropriação ilegal das terras públicas na Amazônia, fenômeno conhecido como grilagem. “O grileiro se apropria de terras públicas, desmata, e depois vende a área a um preço reduzido, já que é uma propriedade ilegal”, explica. O novo proprietário, então, busca regularizar a situação junto ao governo, alegando que adquiriu a terra de “boa-fé”.
Esse ciclo de grilagem tem sido uma constante desde o regime militar, que, segundo o especialista, criou leis para regularizar as propriedades ilegais com a promessa de gerar segurança jurídica e conter a expansão do desmatamento. Na prática, contudo, essa política apenas incentiva novas invasões e degradações.
Esperança e alternativas sustentáveis
Apesar do cenário alarmante, o professor Gilberto Marques acredita que há alternativas viáveis para a exploração sustentável da Amazônia. Ele destaca iniciativas locais de agroecologia, como as agroflorestas, e o trabalho de comunidades tradicionais e povos indígenas, que têm resistido ao avanço da monocultura. “As experiências dos povos indígenas, como a dos Ka’apor no Maranhão, mostram que é possível preservar a floresta e utilizá-la de forma sustentável”, afirma.
Marques conclui que, para reverter o processo de degradação, é necessário fortalecer essas práticas e olhar para a Amazônia como uma oportunidade de repensar o desenvolvimento. “A Amazônia é a esperança para o planeta. E as experiências sustentáveis já em curso precisam ser disseminadas como parte de uma solução maior para equilibrar a conservação ambiental e o bem-estar das comunidades locais.”
Em meio à pressão econômica e à devastação, a Amazônia segue sendo o maior reservatório de vida do planeta. Sua preservação é essencial não só para o Brasil, mas para o futuro da humanidade.4o