DEVOÇÃO

Cosme, Damião e as crianças: doces e festas simbolizam fé em bairros de São Luís

Laços e promessas em família estão por trás da famosa entrega das guloseimas, motivo de farra para muitos pequenos neste dia 27 de setembro

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Os Dias de São Cosme e Damião – 26 e 27 de setembro – são uma celebração que une, pela fé, gerações distintas. As crianças se empolgam com a entrega de doces, guloseimas e brinquedos; já os adultos dão continuidade à tradição em devoção aos santos gêmeos, como pagamento de promessas.

A data é festejada em dois dias devido ao sincretismo religioso. No catolicismo, eles são chamados de São Cosme e Damião, patronos dos médicos e farmacêuticos. Já na tradição Iorubá, são o Orixá Ibeji ou Ibejis, filhos gêmeos de Inhaça e Xangô, que foram criados por Oxum.

Neste dia 27 de setembro, as iterações de matriz africana são motivo de celebrações – realizadas há décadas em diversos bairros de São Luís.

Os ibejis, sincretizados como os Santos Cosme e Damião do catolicismo. Créditos – Reprodução

Uma das mais antigas é organizada na Vila Janaína, pela Mãe Ceci e a filha, Fabíola Castro. 

“A nossa já é feita há 40 anos. Distribuímos comida para a comunidade, para bairros vizinhos; e temos a procissão à tarde. Em seguida, entregamos os brinquedos”, conta Fabíola.

Tradição da Mãe Ceci já dura 40 anos na Vila Janaína. Créditos – Fabíola Castro/Reprodução

“Comecei no Maiobão aos 15 anos de idade, quando comecei a me desenvolver [dentro da religião]. Descobri ser filha de Seu Bossu Jara. No sincretismo do Tambor de Mina, ele representa Cosme e Damião”, conta a Mãe Ceci. 

“Na nossa casa, fazemos a festa, que ao longo do tempo se tornou grande. No dia 27, damos almoço para mais de mil crianças. É uma celebração bem bonita”.

MÃE CECI

Mesmo após tantos anos, Mãe Ceci observa que a empolgação das crianças só fica cada vez maior.

“Agora nesse momento, estou distribuindo as fichas para a entrega de brinquedos. É o que nos dá força para continuar nosso trabalho. Os meninos nos incentivam”, exalta a Mãe Ceci, durante entrevista a O IMPARCIAL.

No bairro Fé em Deus, a fé nos santos é simbolizada na festa organizada por Hildene Sá Ferreira. 

“A tradição começou com minha avó já falecida. Ela fez promessa a Cosme e Damião porque meu primo estava muito doente – prometendo que, se os santos os pusessem bom, distribuiria os bombons enquanto tivesse vida. E assim aconteceu”, contra o produtor cultural Raydenisson Sá, filho de Hildene.

A avó de Raydenisson faleceu em 1996. A mãe assumiu a promessa e, desde então, distribui os doces todos os anos na Fé em Deus. Esse ano, são quase 500 pacotinhos, além de bolo e pipoca.

FESTA: a tradição de Hildene Sá Ferreira na Fé em Deus. Créditos – Raydenisson Sá/Reprodução

Antropólogo, Sebastião Cardoso Jr. festeja Cosme e Damião desde a infância, vendo o pai conduzir a celebração.

“É uma promessa familiar. Ele era um médium e curador. Sozinho, já organizo há 20 anos uma tradição da família de mais de 60 décadas.”

O sincretismo religioso

No período da escravatura no Brasil, os africanos escravizados eram proibidos de cultuar suas religiões. Como uma forma de manter suas crenças sem serem punidos, eles passavam a usar nomes de santos católicos para invocar seus deuses.

Dessa forma, os Ibejis ou Erês passaram a ser identificados como São Cosme e Damião, em um sincretismo religioso, já que eles são divindades gêmeas e infantis. Em algumas tradições Cosme e Damião são os filhos gêmeos de Xangô e Iansã, irmãos de Dou, Alaba, Crispim, Crispiano e Talabi.

“Adeptos do Tambor de Mina têm uma relação muito forte com Cosme e Damião. Muitas dessas entidades são crianças. Através das imagens dos santos como meninos, há uma conexão. Na umbanda, são crianças. No catolicismo, são representados como adultos.”

SEBASTIÃO CARDOSO JR., ANTROPÓLOGO

Sebastião Cardoso Jr. conta que há um período de preparo até a entrega das balas, dentro da devoção.

“No começo do mês de setembro, já começamos as compras. O dinheiro que aparece, já reservamos para pagar a promessa. Durante a semana, fazemos as embalagens”.

“De manhã bem cedo, as crianças costumam vir de longe [pegar os doces]. Eles localizam quem paga as promessas”, diz o antropólogo, morador da Rua do Pespontão, no Centro de São Luís.

Multidão de crianças

Sebastião destaca uma outra festa bastante popular na capital maranhense: a de Lila Maria, no bairro Anjo da Guarda.

“Ela atrai crianças e adolescentes a ponto de não conseguir chegar até sua casa!”, comenta o antropólogo. Esse fenômeno é relativamente recente: a devotada realiza a festa desde 2019.

CHICLETE, PIRULITO, BIG BIG: bolos e doces preparados e organizados por Lila Maria. Créditos – Reprodução

Lila Maria encontrou Cosme e Damião através de uma fiel, durante a missa. Orientada a fazer um pedido, ela tentou – e foi atendida. 

“Após mais ou menos um ano, consegui comprar uma casa. Foi quando prometi que, enquanto viva, faria a festa [para Cosme e Damião]. Apareceram várias pessoas para ajudar e formei uma equipe muito grande. A celebração cresceu”, conta Lila.

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