Dia do Folclore: a Comissão Maranhense dedicada a pesquisar e defender o saber popular
Antropóloga, pesquisadora da UFMA e presidente da Comissão Maranhense de Folclore, Marilande Abreu conta a história da instituição e explica por que o momento é propício para uma nova retomada
A Manguda. O Touro da Praia dos Lençóis. O Palácio das Lágrimas. A Serpente Encantada. A Carruagem de Ana Jansen. Catirina, Pai Francisco e o Boi. Que jovem estudante na fase inicial escolar nunca foi direcionado a essas figuras marcantes do saber popular do estado, quando o trabalhinho de pesquisa da vez era “folclore maranhense”?
Causos singulares que inspiram a fantasia colorida de épocas festivas, essas personagens – e toda expressão popular passada de geração em geração – são lembradas neste 22 de agosto: o Dia do Folclore.
O termo – famosamente criado pelo escritor inglês William John Thoms, juntando as palavras folk (“povo”) e lore (“saber”) – é usado para designar as expressões culturais de um povo. Do saber popular dos maranhenses, as figuras citadas se tornaram símbolos.
Porém, a expressividade folclórica do Maranhão vai muito além delas – e precisa ser incentivada e preservada.
“O Maranhão é riquíssimo”, diz a pesquisadora e antropóloga Marilande Abreu – presidente da Comissão Maranhense de Folclore (CMF).
Um trabalho mais recente da antropóloga reúne um inventário – um instrumento de identificação e preservação de manifestações culturais – sobre as Turmas de Samba no Maranhão.
Esses grupos se caracterizam pela cadência mais lenta da batucada, cujo ritmo é encontrado, além de São Luís, em pelo menos cerca de 30 municípios maranhenses, segundo identificação preliminar do IPHAN.
Dentro de seus trabalhos envolvendo o folclore, Marilande Abreu assina um registro do causo da Vingança de Surrupira, estória coletada em Pinheiro. Também entre suas pesquisas, o papel crucial das mulheres no Tambor de Mina, trazido ao Maranhão por Ná Agotimé, vendida como escrava.
“A encantaria ligada às religiões afro ameríndias, a cultura e a religiosidade estão presentes na vida cotidiana das pessoas. A Festa do Divino, as procissões, São Benedito, Turmas de Samba, Tambor de Crioula, Tambores de Bicho. Todas precisam ser respeitadas.”
É exatamente onde o trabalho de pesquisa se torna essencial – e como nasceu a Comissão Maranhense de Folclore (CMF), dedicada a valorizar os saberes e expressões maranhenses.
Porém, é onde a atual presidente aponta grande diferença na missão da Comissão, entre a época em que foi fundada e o presente.
“O intuito ainda é promover, conhecer e divulgar o folclore maranhense. Mas, acredito que em outra perspectiva: se naquele momento o viés era positivista ou até mesmo evolucionista – tratando o folclore como resquícios de um passado – hoje pensamos nas expressões culturais como resistência, luta e arte de povos originários, etnias escravizadas trazidas até aqui. É uma luta e forma de se manter diante do colonialismo. Essas tradições estão vivas”, ressalta a pesquisadora.”
Marilande Abreu detalha que os pesquisadores da CMF – uma instituição sem fins lucrativos – não estão necessariamente vinculados à Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
“Ela é aberta por pessoas que fazem cultura, abertas a pesquisá-la. Queremos dialogar com fazedores, mestres e sacerdotes que mantém as manifestações”, complementa a pesquisadora.
A presidente conta que a trajetória da CMF é marcada por intervalos e obstáculos: após a fundação em 1948, a Comissão foi retomada em 1976, e depois em 1992. O ano de 2024 marca mais um novo renascimento para a instituição que, no momento, passa por um processo de reorganização.
“As páginas estão desatualizadas enquanto organizamos as ações, após [concluir] a questão burocrática. Agora, executamos um plano de processos e atividades”, explica a professora Marilande.
Antônio Lopes foi seguido por outros grandes nomes dedicados à pesquisa do folclore maranhense, como Domingos Vieira Filho, Carlos Lima, Sérgio Ferretti.
“Mulheres pesquisadoras como Rosa Santos, Lúcia Teixeira, Zelinda Lima já eram parte deste a fundação, o que é raro para uma época como 1948”, comenta Marilande Abreu.
Zelinda e Carlos Lima eram casados e são tidos como nomes importantes da cultura popular do Maranhão por suas pesquisas.
Em uma de suas últimas entrevistas, concedida em 2019 – aos 92 anos – Zelinda lembra, por exemplo, ter conhecido a tradição do Tambor de Mina como algo “proibido, que a polícia não queria”.
“Quem conhece a história do Bumba Meu Boi sabe a importância de dona Zelinda Lima para a permanência do sotaque de zabumba na cultura popular maranhense. Todos esses pesquisadores foram importantes para a minha formação, bem como à de outros que começaram na passagem da década de 1990 para os anos 2000”, diz a pesquisadora.
Já no presente, Marilande Abreu destaca com carinho a atuação de Jandir Gonçalves, artista plástico, colaborador em pesquisas no campo da cultura maranhense. Como ela, ele realiza inúmeros mapeamentos que incluem vilarejos, povoados e comunidades quilombolas, observando e registrando suas atividades culturais.
O que Zelinda, Carlos e outros estudiosos fizeram pelas tradições do Maranhão, Marilande Abreu sente que ainda falta o poder público fazer.
“É importante que a comissão retome os estudos. Como uma pesquisadora que convive com fazedores de diversas brincadeiras, posso dizer que no campo da cultura, não temos nada a festejar. Temos um abandono de políticas públicas montadas para as brincadeiras do Maranhão, da pluralidade nas manifestações”, observa a presidente das CMF.
Ela observa o atual momento como um “genocídio cultural” em que as manifestações acabaram esquecidas.
“O contexto da retomada exige que tenhamos uma posição extremamente crítica em relação às políticas públicas e à forma como são conduzidas pelas prefeituras e pelo Governo do Estado do Maranhão”, conclui a pesquisadora.
A Comissão Maranhense de Folclore é sediada em uma sala do Museu Casa de Nhozinho, localizado na Rua Portugual, Centro Histórico de São Luís.