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Agosto Lilás: como a conscientização sobre relações com narcisistas pode dar fim a ciclos de violência

Quem se relaciona com pessoas com transtorno de personalidade narcisista não sai ileso da relação, que afeta a saúde física e emocional

Reprodução

O mês de Agosto é dedicado à busca pela conscientização geral sobre a importância da prevenção e do enfrentamento a todos os tipos de violência contra as mulheres.

No Maranhão, pelo menos 34 casos de feminicídio já foram registrados em 2024 – violência que pode ser combatida com o enfrentamento de manifestações iniciais, sutis, porém sérias de abuso em um relacionamento.

A jornalista C. P. C., de 49 anos, que preferiu não se identificar, viveu uma relação de mais de 20 anos com uma pessoa com características de transtorno de personalidade narcisista e saiu devastada do casamento.

Quem via a família com três filhos jamais imaginava o que se passava dentro de casa, pois era tida por conhecidos como a tradicional família de comerciais de margarina.

“Mas dentro de casa, a história era totalmente diferente. As cobranças eram descabidas. Ele nunca estava satisfeito com nada que eu fizesse. Eu já saía do trabalho com medo de qual seria a cobrança e a crítica daquele dia, que resultariam em brigas e humilhações. E, caso não atendesse ao que ele pedia ou queria, vinha o castigo do silêncio. E era um silêncio ensurdecedor, que durava até um mês, como se eu não existisse. O último foi durante uma viagem. Foram dois dias de viagem de carro e sem uma palavra dirigida a mim, sem responder uma pergunta que eu fizesse”, relata ela.

A psicóloga Bárbara Couto explica que a pessoa com personalidade narcisista é para todos uma pessoa simpática, divertida, inteligente e encantadora. Costuma responder bem ao que a sociedade exige, demonstrando-se bondoso, generoso, trabalhador e estável financeiramente.

“Mas, em convívio íntimo, ou com pessoas que acredita ser inferiores, são hostis, grosseiros, arrogantes, manipuladores, vitimistas e mentirosos. Acreditam ter mais direitos e que o outro deve servi-lo. Falta empatia e capacidade de reconhecer e se importar realmente com os sentimentos e necessidades dos outros. Importam-se apenas consigo, sua imagem e status. Invejam os outros ao mesmo tempo que acreditam que os outros o invejam”, explica Bárbara.

As fases do relacionamento com narcisistas

As pessoas com transtorno de personalidade narcisista têm um modus operandi e a relação é dividida em fases. De acordo com Bárbara, no início do relacionamento, há a fase de idealização, quando o narcisista exalta o parceiro, colocando-o em um pedestal e criando uma conexão intensa e apaixonada.

“A vítima tem a sensação que ele é perfeito e que realmente encontrou o amor de sua vida”, esclarece a psicóloga..

Depois, vem a desvalorização. Nessa fase, o narcisista começa a criticar, diminuir e culpar a parceira, causando sofrimento e sensação de estar enlouquecendo.

“Você deixa de ser uma pessoa incrível e começa a ser vista como uma pessoa constantemente errada e culpada. É comum nessa fase o narcisista ficar desconfiado, indiferente, traidor e mentiroso. E sempre vai usar o comportamento de reação da vítima para desprezar seus sentimos e a colocar como louca, desequilibrada e exagerada”, observa Bárbara.

A jornalista C. P. C. conta que, depois desses castigos, o ex-marido a procurava querendo ter relações sexuais, como se nada tivesse acontecido.

“E caso eu falasse em conversar sobre a situação, ele me mandava procurar um médico para me tratar de frigidez, que ele dizia que eu tinha. Essa era a fase da desvalorização, que logo em seguida vinha a do love bombing. E aí era maravilhoso. A gente curtia com a família, e eu achava que ele estava melhorando. E assim o ciclo do abuso ia acontecendo, durante anos”, relata ela.

Segundo Bárbara, quando a vítima não o serve como ele deseja ou quando ele acredita ter encontrado alguém “melhor”, o narcisista descarta a parceira, às vezes de forma abrupta e cruel, dando desculpas que deixa a vítima devastada, culpada e acreditando que é alguém sem valor e insuficiente.

Por que é tão difícil sair de um relacionamento com um Narcisista

As pessoas questionam como alguém continua em uma relação abusiva por tanto tempo. Segundo Bárbara, narcisistas são manipuladores habilidosos que usam táticas como gaslighting para distorcer a percepção da vítima.

“Sem perceber o abuso, a culpa mantém as pessoas nesses relacionamentos. Pessoas muito empáticas sempre compreendem e perdoam ao em vez de considerarem o próprio desconforto. Nisso, a vítima pode se tornar emocionalmente dependente da validação e aprovação do narcisista. Além disso, narcisistas frequentemente isolam suas vítimas de amigos e familiares, tornando mais difícil buscar apoio. E o mais importante, esses relacionamentos são cíclicos. Quando tudo fica bem, cria-se esperança de que as coisas vão melhorar, mantendo a vítima presa”, explica ela.

C. P. C. relata que a confusão de sentimentos era grande.

“Para qualquer um que eu comentasse o que acontecia, vinha: ‘Ah mas ele é tão bom para todo mundo, um excelente pai!’. Ele próprio se afirmava um excelente parceiro: ‘Você tinha que ajoelhar no milho para agradecer pelo marido que você tem!’ Com isso, a decisão da separação era sempre protelada”, lembra a jornalista.

Até que, sendo penalizada duas vezes em menos de um mês pelo castigo do silêncio e desconfiada de infidelidade, C. P. C. já devastada emocionalmente, decidiu dar um basta na relação.

As consequências de viver um relacionamento com narcisista

Quem viveu um relacionamento com narcisista não sai ileso. As consequências podem acontecer na saúde emocional, como ansiedade, depressão, baixa autoestima, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), e sentimentos de desesperança. 

“Além disso, a pessoa se perde em si mesmo e sua vida perde o sentido. Não é incomum pensamentos e tentativas de suicídio”, enumera Bárbara.

A jornalista C. P. C. foi diagnosticada com depressão severa e faz tratamento com psiquiatra e psicólogo.

“E os abusos continuam, agora usando as crianças para tentar me manipular. Com ameaças de pegar a guarda, entre outras mudanças na vida delas, que trariam fortes prejuízos. Quando ia cobrar por algo que as crianças precisavam, ele falava que não ia dar e isso era consequência da minha escolha no dia da separação. E o pior, para os outros ele fala que eu sou a louca, que não aceita a separação.”, relata a jornalista.

 Mas as consequências também acontecem na saúde física, como insônia, dores crônicas, distúrbios alimentares, problemas gastrointestinais, e enfraquecimento do sistema imunológico, devido ao estresse contínuo.

Como sair de uma relação abusiva

Bárbara acredita que seja desnecessário ter diagnóstico do parceiro com traços de transtorno de personalidade narcisista para decidir sair da relação.

“O que importa é o quanto esse relacionamento traz dor e sofrimento. Se você reconhece padrões de comportamento abusivo, se sente desconforto na relação, se pensa muitas vezes em terminar já é suficiente. Priorizar sua felicidade e segurança é o que deve ser considerado”, enfatiza ela.

Ela explica que o primeiro passo é cortar o contato e manter contato zero, que em um primeiro momento, a abstinência parece desesperadora, mas vai passar. Além disso, participar de grupos de apoio para vítimas de relacionamentos abusivos, focar em si mesmo, fazer exercícios físico, ter hobbies, estar com amigos e familiares saudáveis e que fazem bem.

“Também é importante estudar muito sobre relacionamentos abusivos e narcisistas. Entendendo podemos aprender a ver os primeiros sinais, aprender a dar limites e não cair na manipulação sedutora. E é claro: terapia! Além de reestabelecer a saúde mental, aprender sobre o que tem em nós que nos manteve em relações assim é o que nos fará, nunca mais, repetir a mesma história”, finaliza Bárbara Couto.

A psicóloga Bárbara Couto

Bárbara Couto é Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) e tem Mestrado em Psicologia Clínica e Saúde pela – Universidad Europea del Atlantico (UNIAtlântico), da Espanha.

Ela também tem Especializações em Terapia Cognitivo Comportamental e Neurociências e em Comportamento, ambas pela PUC-RS e em Neuropsicologia Clínica, pela Capacitar.

 Bárbara Couto escreveu dois livros, editados pela Drago Editorial, em versões impressa e e-book. O primeiro é Permita-se – sobre relacionamentos abusivos e libertação emocional.

E o segundo Aceita-se – sobre tabus e necessidade da autoaceitação para sobreviver em uma sociedade que tem dificuldade em aceitar.

***Da assessoria | Chris Coelho

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