PATOLÓGICO

Entre perdas e ganhos: os perigos que existem no vício em jogos de azar

Um dinheiro que vem fácil, mas pode ir da mesma maneira, destroçando famílias e laços afetivos. O vício em jogos de azar destrói lares e afeta a saúde mental de vários indivíduos. Especialistas alertam para medidas que ajudem nesses cenários, sobretudo no Brasil

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A ânsia pela ascensão social. Uma maneira, quem sabe, de garantir um dinheiro extra e ajudar nas contas de casa. Aquela emoção em ver os números subindo, a roleta girando e a imprevisibilidade surgindo.

Apesar da euforia momentânea, a vida pode mudar de repente. O vício em jogos de azar, definido como jogo patológico, despedaça famílias e leva indivíduos ao fundo do poço. Mudar essa realidade não é uma tarefa fácil, mas há sempre uma luz no fim do túnel. 

Segundo Antonio Carlos C. Freire, psiquiatra, doutor em medicina e saúde humana, denomina-se transtorno do jogo o comportamento problemático, recorrente e persistente que acarreta prejuízo significativo ao indivíduo. 

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM—5 TR), o transtorno do jogo requer que ao menos quatro critérios diagnósticos estejam presentes em um período de 12 meses.

A gravidade do transtorno, de acordo com o psiquiatra, baseia-se na quantidade de critérios diagnósticos preenchidos, quanto maior o número de critérios, maior a gravidade do problema, de acordo com o DSM -5 TR.

“Claro que existem indivíduos que jogam profissionalmente, bem como existem pessoas que jogam socialmente. O jogo social costuma ocorrer em ambiente familiar ou com amigos, tem duração de tempo limitada a um determinado período e não acarreta perdas significativas em nenhuma esfera”, explica.

O jogo patológico é caracterizado por uma contínua ou periódica perda de controle em relação ao jogo, uma preocupação em jogar e obter dinheiro para jogar e a manutenção desse comportamento apesar das consequências adversas.

O vício pode levar o indivíduo ao rompimento de laços afetivos, ansiedade e depressão. (foto: Freepik)

No entanto, o aspecto principal, que se faz presente dentro do transtorno do jogo, é o comportamento de jogar de maneira persistente e recorrente que ocasiona prejuízos pessoais, familiares ou profissionais.

Na avaliação de Antonio, ao longo da vida, a prevalência do jogo patológico varia entre 0,4% e 1%, porém ainda não se sabe o impacto que as novas modalidades de apostas on-line poderão acarretar nesses números. 

— Necessidade de apostar quantias de dinheiro cada vez maiores a fim de garantir a excitação desejada;

— Inquietude ou irritabilidade quando tenta reduzir ou interromper o hábito de jogar;

— Esforços repetidos e malsucedidos no sentido de controlar, reduzir ou interromper o hábito de jogar;

— Pensamentos persistentes sobre experiências de jogo passadas, preocupando-se frequentemente com possibilidades e planejamento de novos jogos;

— Frequentemente joga quando se sente angustiado, impotente, ansioso, deprimido ou culpado;

— Após perder dinheiro no jogo, frequentemente volta a jogar para “recuperar” o prejuízo;

— Costuma mentir para esconder a extensão do envolvimento com o jogo;

— Prejuízos ou perdas em relacionamento importante, emprego ou oportunidade educacional em razão do jogo;

— Depende de outras pessoas para obter dinheiro a fim de saldar situações financeiras desesperadoras causadas pelo jogo.

O mal à espreita

A vida em família, antes irretocável, se tornou um inferno para quem vê de perto um ente querido se afundando em um vício.

Edna Pereira (nome fictício), 47 anos, conta que o genro sempre foi um homem trabalhador e dedicado. Casado com sua filha há mais de uma década, nunca deixou faltar com as contas de casa, muito menos com compras e outros itens básicos. 

O jogo patológico também está relacionado ao descontrole financeiro.

Durante o dia, Felipe Bastos (nome fictício), 28, trabalha em uma empresa e, à noite, complementa a renda como entregador de pizza. Ainda assim, de alguma maneira, precisava aumentar os lucros e garantir uma condição financeira melhor e estável.

No princípio, a esposa, filha de Edna, resolveu entrar no mundo das apostas online. Sem nenhum resultado, parou assim que perdeu o primeiro dinheiro, de valor irrisório. 

Felipe, no entanto, encontrou nesse lugar, um solo fértil para subir na vida. Bom, ao menos, era isso que ele pensava.

“Meu genro continuou e não parou. Começou a ganhar muito, mas acabou perdendo tudo. Passou a se vestir mal, não cortava o cabelo e mal conseguia acordar no dia seguinte, porque passava a madrugada inteira jogando. A vida da minha filha virou um inferno. A de todos nós, na verdade”, detalha Edna. 

Esse, infelizmente, foi apenas o início de toda a história de Felipe, segundo relatos da sogra. Um rapaz vaidoso e preocupado com a própria aparência, já não tinha mais roupas para usar. O aluguel de casa está atrasado e as prestações do carro não são pagas há um ano.

Edna conta que o genro e a filha estão à espera do terceiro bebê. Diferente das outras vezes, eles ainda não conseguiram providenciar nada para a criança que está vindo. Fraldas, berço e outros itens ainda não foram comprados, em razão de toda essa realidade.

Tudo ou nada

Bem mais que o descontrole financeiro, o rumo de Felipe se perdeu completamente. Dívidas para agiota e todo o dinheiro das entregas de pizza na busca, sem resultados, de todo o dinheiro que deixou escapar nas apostas online. Qualquer valor que ele tem em mãos, deposita nos jogos de azar. Uma mistura de vício e de esperança.

“Estamos tentando de tudo. Conversar, até tirar a moto, porque no emprego diurno ele não vai ter renda suficiente para apostar todos os dias. Mas o pior sempre vem. Agora descobrimos que ele está viciado em cocaína”, revela Edna. 

*Repórter do Correio Braziliense – parceiro de O IMPARCIAL

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