Máscara

Fofão: autêntico personagem do carnaval de São Luís

Com inspirações de personagens da Europa, o fofão fincou características próprias que o fazem ser único e identitário no carnaval da capital maranhense.

Uimar Jr, artista e idealizador do Blocão do Fofão (Foto: Reprodução)

O personagem espalhafatoso, colorido, exagerado, com máscara horrenda, está mais vivo do que nunca no carnaval ludovicense. É claro que estou falando do fofão: o personagem mais famoso, popular e democrático do carnaval de rua de São Luís. Para alguns, é só mais alguém fantasiado com roupas extravagantes, para outros, faz parte da vida.

“O fofão é o maior personagem do carnaval maranhense popular de rua. É como um filho pra mim, a gente consegue amar, se divertir, fazer rir, e ser até romântico também. E com o passar do tempo a gente vai cuidando dele, que tem esse jeito espalhafatoso, brincalhão, como se fosse um filho mesmo. Eu gosto muito de fofão, desde pequeno. A gente consegue também tirar muitas coisas de outras pessoas quando a gente vai pra rua brincar. E quando a gente está no anonimato, melhor ainda”, comenta Uimar Jr, artista e idealizador do Blocão do Fofão, formado em 2018.

O grupo que começou de uma necessidade em resgatar e trazer o fofão de volta ao carnaval de rua de São Luís, teve, no primeiro encontro, na Madre Deus, a participação de 62 fofões. No carnaval do ano passado, foram 163.

“O Blocão do Fofão tem por objetivo o resgate do personagem. De 2018 pra cá, a gente percebeu que não via mais o personagem nas ruas, então veio a necessidade de formar o primeiro Encontro de Fofão, na Madre Deus, e desde então, todo ano esse grupo vai aumentando. E o bloco deixa muito vivo esse personagem. É muito lindo o colorido, que deixa mais vivo o carnaval de São Luís. Tem uma senhora que me ligou dizendo que tinha visto o Bloco do Fofão no Instagram e que ela tinha ficado muito animada, que o fofão dela estava guardado há 30 anos dentro de um baú, e que ela queria participar do bloco porque não tinha visto mais fofão na rua, mas que ia se juntar e voltar a brincar. É essa a essência. O bloco é uma união, e quanto mais pessoas vão se formando, a alegria é total”, conta Uimar.

Este ano, além das participações no pré-carnaval de São Luís, o bloco sairá na segunda-feira de carnaval, com concentração no bairro da Madre Deus, às 15h, e em seguida, sai em cortejo acompanhando a banda Mararitmos pelas ruas do bairro.

De onde vem o nosso fofão ?

Personagem presente no carnaval de ruas e bailes de São Luís desde os tempos de outrora, o fofão resiste ao tempo. Segundo o Prof. Dr. Tácito Borralho, o fofão é um autêntico personagem maranhense, mas forjado a partir de vários personagens histriônicos universais, desde o bufão, até o palhaço italiano, com alguma referência aos personagens da commedia dell’arte.

“Mas o fofão foi construído aqui no Maranhão praticamente como personagem mascarado de rua, um personagem solitário, ou às vezes em grupo, que desfila no carnaval, ou brinca no carnaval, a partir de uma situação que envolve tanto o emocional do triste, do saudoso, como o emocional do alegre”, disse Tácito.

O Professor Doutor em Comunicação, Liguagem e Cultura (UFMA), Euclides Moreira destaca que o fofão é uma herança portuguesa, símbolo da colonização vivenciada nos séculos 16, 17, 18, e 19.

“Ele foi hibridizado de uma forma bastante alegre, bastante brincalhona, e ele era personagem bastante presente nas ruas em e em bailes de São Luís. Nas décadas de 40, 50, 60 haviam muitos bailes a fantasia, os bailes carnavalescos nos bairros. E o fofão era personagem fundamental porque as pessoas que não queriam ser identificadas pela sociedade, se disfarçavam com essas máscaras, com essas roupas, esses macacões folgados, pra fazer suas travessuras”, contou o professor.

Tácito ainda completa sobre o fofão no Maranhão, segundo uma visão poética do seu amigo Américo Azevedo Neto, e que o influenciou quando ele escreve sobre esse personagem em alguns artigos.

“Ele pode ter sido um personagem que era para participar do cordão do baralho, no carnaval passado, e de repente não deu certo a fantasia, a maquiagem, ele então teve que fazer a máscara, etc… Segundo o seu arcabouço poético, Américo acha que o fofão pode ter nascido de um estivador, ou um carroceiro, um negro já maduro que resolveu participar do cordão do baralho e teve que fazer sua fantasia por ser pobre. Então, ele foi designado a fazer um pierrô, e ele tentou fazer com o que ele tinha de dinheiro: o chitão. Resolveu fazer sua roupa, porque não tinha dinheiro para mandar fazer, e não conseguiu fazer mais ou menos o que seria o macacão de pierrô. Então, quando ele estava com isso pronto, em chitão, bem estampado e colorido, ele resolveu fazer a gola. Quando tentou fazer, fez pontiaguda, e ela caiu sobre os ombros e peito, então ele começou a colocar guizos, e fez o acabamento para mãos e para os pés, como os famosos bobos da corte, que eram personagens da Europa, que traziam guizos para alegrar, e chamar a atenção, desde os carnavais antigos”, contou Tácito.

Quem tem medo do fofão ?

“Muita gente diz: ‘é uma máscara, um personagem que causa medo nas crianças’. É fantástico isso, porque a criança se assusta, ela tem medo, ela primeiro foge da máscara do fofão, e seja ela camuflada de alegria, de sorrisos, como estão fazendo, transformando por exemplo, a máscara de fofão numa máscara de palhaço – ainda bem que estão mantendo o nariz adunco, porque isso é tradicional, no fofão- a gente pode perceber que a criança se assusta, mas ela pode rir quando vê que é um homem por trás daquilo, uma pessoa que está brincando”, disse Tácito Borralho sobre o medo  que o personagem provoca.

Elementos que compõem a panorâmica da personagem

Máscara grotesca, macacão bastante inflado, largo, de chitão bastante colorido, ou então de nacos e listras de cetim; uma boneca de celulose na mão, deteriorada ou nova; e uma varinha. Esses elementos, segundo conta Tácito Borralho, constituem a panorâmica do personagem fofão.

“Hoje em dia, a gente pode perceber que o fofão mantém essa tradição e ele tem que ter a máscara grotesca, o nariz adunco, acnes, por exemplo. O grande lance dessa máscara é a característica dos lábios bastante grossos, e um estalecido dos dentes, o queixo bastante proeminente e os dentes saindo, porque ele saia a rua gritando ‘uh la, la, uh la la’, porque nos seus trejeitos de gestual, por exemplo, ele mostra que está com dor de dente, por isso ele tem um pano amarrado no queixo até a cabeça. E pede, por isso, uma esmola pra sua filhinha que tá dodói também. Geralmente uma boneca velha achada no lixo”, disse o professor.

Euclides ressalta o contexto em que esse personagem se estabeleceu no carnaval. “O carnaval, desde sempre, foi a festa da carne, e na idade média, a Igreja, para não perder a popularidade, já que os seus súditos subvertiam a ordem e caíam nessa extravagância, fez com que estabelecesse normas para que seus seguidores pudessem cumprir, e aproveitar, exatamente, três dias antes da Quaresma, dando essa liberdade, para o povo se extravasar para o povo brincar, pra fazer suas ironias com os senhores do poder. E o povo simples sempre quis ter ascensão social, e nessa ascensão social surgiu esse personagem que tornou-se ícone, identitário da nossa maneira de fazer e festejar o carnaval aqui em São Luís”, disse.

E completou: “Um personagem bufão, que anda pelas ruas, pelas praças, pelos bailes, com máscara extravagante e irreal, exagera bastante, com a boneca ele tenta conquistar a simpatia das pessoas. Na outra mão usa uma vara, que é para espantar os cachorros, que normalmente tentam agredi-lo, porque é uma pessoa estranha. A varinha é símbolo de autodefesa”.

Mantendo a tradição

Várias exposições e oficinas de máscaras estão acontecendo na cidade, para manter a características desse elemento primordial do personagem. Na Galeria Trapiche está acontecendo uma, outra também está ocorrendo Departamento de Assuntos Culturais da UFMA.

“É super interessante que os órgãos públicos ofereçam essas oficinas, É impronte para que se possa passar de geração a geração essa técnica de papietagem. As pessoas falam máscara de papel machê, mas o processo é papietagem que são camadas e mais camadas de cola com papel. E máscara de papel machê é uma massa que se faz de agua, papel e cola, que se pode moldar qualquer coisa”, explica Uimar Jr.

Para Tácito, o mais importante é perceber que algumas pessoas estão tentando dar um outro sentido para a máscara. “Cuidado! Não é necessário. O grotesco da máscara é mais importante ser mantido porque o fofão é um personagem nosso, maranhense, e já existe o palhaço em Pernambuco; o Papa Angu, em Pernambuco também; o Clóvis, que chamam de bate-bola, no Rio de Janeiro. E eles tem características muito próprias, muito especiais. Por que que a gente vai deformar a característica do nosso grotesco fofão? Não dá para assustar sempre, as vezes, dá para rir”.

Euclides lembra que o fofão realmente teve uma caída muito grande no carnaval, mas graças a alguns grupos, a tradição se mantém. “Ainda há grupos de resistência no nosso meio que tentam manter essa tradição viva em nosso meio e é importante que ela seja mantida porque nosso fofão é bastante peculiar, bastante característico e único em São Luís do Maranhão”.

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