“A Casa da Mulher Brasileira reúne todos os serviços que a mulher em situação de violência precisa para garantir seus direitos”
Suzan Lucena, diretora da Casa da Mulher Brasileira no Maranhão, falou com exclusividade a O Imparcial
Referência nacional na assistência a mulheres em situação de violência, a Casa da Mulher Brasileira mudou o perfil do enfrentamento à violência de gênero em todo o país, tendo como foco o atendimento humanizado e o acolhimento, evitando que a vítima, já fragilizada, ainda tivesse que se deslocar entre diversos locais em busca de seus direitos. No Maranhão, a unidade funciona há seis anos, desde outubro de 2017, somando mais de 360 mil atendimentos dos quais 20 mil foram feitos apenas de janeiro a agosto deste ano.
A Casa da Mulher Brasileira reúne os serviços da Delegacia Especializada da Mulher, Defensoria Pública do Estado, 24ª Promotoria de Justiça da Mulher ligada ao Ministério Público do Estado, Alojamento de Passagem, Departamento de Feminicídio, Coordenadoria Estadual das Delegacias Especiais da Mulher, Centro de Referência em Atendimento à Mulher Vítima de Violência, Biblioteca Maria da Penha e se prepara para ter também uma unidade do Instituto Médico Legal.
O trabalho desenvolvido no espaço garante ainda capacitações para que as vítimas tenham autonomia econômica e saiam do ciclo da violência. Buscando ampliar cada vez mais seus serviços e ampliar o acesso, este ano foi disponibilizado atendimento 24 horas por meio da assistente virtual Jussara, ferramenta da Secretaria de Estado de Comunicação Social (Secom) do Governo do Maranhão. O contato é feito através do WhatsApp (98) 9100-6166 e possui vantagens como a facilidade de acesso e a discrição. Em entrevista, Susan Lucena, diretora da unidade, destacou os avanços obtidos até aqui e os desafios que ainda precisam ser superados no enfrentamento à violência contra a mulher no estado.
Qual era o panorama do enfrentamento à violência contra a mulher antes da Casa Da Mulher Brasileira entrar em funcionamento?
Susan Lucena: Eu costumo dizer que antes da Casa da Mulher Brasileira a mulher vítima de violência enfrentava uma verdadeira via crucis porque, quando ela finalmente tinha condições de querer sair do ciclo de violência, ela ia à delegacia, que ficava na Avenida Beira-mar. Depois ela tinha que entregar o pedido de medida protetiva no Fórum do Calhau. Para receber assistência jurídica ela tinha que ir à Defensoria Pública, que ficava no Centro Histórico. Essa mulher também precisava de atendimento psicossocial, que era prestado no Centro de Referência em outro bairro. Assim muitas mulheres ficavam desestimuladas e desistiam. Porque uma outra questão é a vulnerabilidade financeira e muitas vítimas não têm como custear todos esses deslocamentos.
E como a Casa da Mulher Brasileira mudou esse panorama?
Susan Lucena: A Casa da Mulher Brasileira reúne todos os serviços que a mulher em situação de violência precisa para garantir seus direitos. Aqui ela faz a denúncia e a própria delegacia já encaminha o pedido de medida protetiva por meio eletrônico, sem a necessidade de imprimir um documento para que a própria mulher leve até a Justiça. Aqui também temos toda a rede de apoio psicossocial. Se esta mulher está sob risco de vida, temos abrigo para ela e os filhos. Se ela precisa para fazer exame de corpo de delito, temos o Uber Social que leva essa mulher para o IML sem custo. Então, garantimos todo o acesso que essa mulher fragilizada precisa.
E qual foi o primeiro reflexo percebido com essa reestruturação da rede protetiva?
Susan Lucena: O aumento no número de denúncias. Muitas pessoas falam que a violência aumentou, mas, na verdade, o que aconteceu é que essa violência foi descortinada. Todo mundo conhece alguma mulher que sofreu violência e nunca denunciou. Agora, as mulheres estão cada vez mais encorajadas a denunciarem e o fato de termos todos os serviços concentrados em um único local também facilita.
Mas, além da concentração de todos os serviços em um único local, ampliar a rede de atendimento também foi fundamental?
Susan Lucena: Uma mudança essencial foi que a Delegacia da Mulher passou a atender 24h e toda a semana. Antes, se a mulher sofresse violência no fim de semana, tinha que ir para o Plantão Central. Agora, ela pode procurar a delegacia especializada qualquer dia e hora da semana. O número de delegadas para atender essas mulheres dobrou. Também dobrou o número de promotorias. Só tinha uma Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Hoje, são três, uma delas com atribuição exclusiva de garantir as medidas protetivas. Tivemos a criação da Patrulha Maria da Penha, do Departamento de Feminicídio. Tudo isto garante às mulheres que elas podem buscar os serviços e que elas serão atendidas com celeridade. Então, tudo isso são avanços decorrentes desse trabalho conjunto e articulado.
Uma mudança fundamental trazida pela Casa da Mulher Brasileira foi a do acolhimento às vítimas. Como é feito este trabalho?
Susan Lucena: A gente vai observando o dia a dia e melhorando os fluxos e protocolos de atendimentos. Por exemplo, antes a mulher chegava e era atendida na frente de todas as outras. Nós melhoramos os espaços das delegacias e criamos espaços individualizados para que elas tenham mais privacidade. A gente tem um alojamento de passagem aqui que funciona 24 horas, que recebe mulheres e crianças. Muitas delas vêm só com a roupa do corpo, então, nós temos roupas aqui para que elas possam usar. Também fornecemos a alimentação. A gente tem toda uma equipe de atendimento psicossocial.
Como funciona esse serviço do abrigo de passagem prestado pela Casa da Mulher Brasileira?
Susan Lucena: A gente tem diferentes casos. Às vezes, a mulher busca o serviço de alojamento porque ela está esperando o homem ser notificado das medidas protetivas e saia de casa. Então, por segurança, ela busca abrigo aqui, pois a mulher que está sofrendo violência não vai pedir uma medida protetiva e ficar dentro de casa com o agressor. Se essa mulher precisar passar mais tempo fora de casa, a gente alinha para que ela vá para a Casa Abrigo, que é um local totalmente sigiloso e que garante a sua segurança
e integridade física.
Outro ponto fundamental para que a mulher se liberte do ciclo de violência é a independência financeira. Que assistência ela recebe na Casa?
Susan Lucena: A gente faz muito curso de capacitação para que essas mulheres tenham condições de entrar no mercado de trabalho. A gente tem parcerias com a Caema, por exemplo, para jovens aprendizes. A gente tem parceria com a Uninassau e os Iemas. A gente vai criando várias estratégias para que a essa mulher vítima de violência consiga acessar a rede de apoio e proteção, mas sobretudo para que ela consiga sair desse ciclo e não dependa mais desses serviços.
E qual é o perfil das vítimas de violência doméstica e de gênero que são atendidas na Casa da Mulher Brasileira aqui no estado?
Susan Lucena: A gente ainda observa um perfil formado por mulheres de 29 a 35 anos, negras. Infelizmente, as mulheres negras estão na base da pirâmide social que é onde a violência se instala com mais força por causa da falta de autonomia econômica. E quando estas mulheres vêm denunciar o homem “não aceita” o fim do relacionamento. E tem ainda a dependência emocional porque é amor da vida dela, é o casamento com o qual ela sempre sonhou. Porque têm ainda todos esses padrões culturais, sociais e morais que “justificam” o comportamento do homem.
Quanto tempo as mulheres costumam levar para sair do ciclo de violência?
Susan Lucena: A gente observa que as mulheres levam até sete anos para finalmente conseguirem denunciar. Justamente por causa de todos aqueles padrões que eu falei anteriormente. Mas, felizmente, está crescendo cada vez mais o número de mulheres que denunciam logo após a primeira agressão.
Mulheres com filhos têm mais dificuldades de denunciar?
Susan Lucena: As mulheres com filhos já procuram a Casa da Mulher Brasileira quando já estão sofrendo violência física. Porque quando está na fase da violência moral e psicológica elas justificam com o fato de nunca terem apanhado, de esse homem não deixar faltar nada em casa mesmo muitas vezes esse homem já estar na fase de forçar a relação sexual.
De acordo com os atendimentos realizados pela Casa da Mulher Brasileira qual o tipo de violência mais comum no Maranhão?
Susan Lucena: A violência moral representa a maioria dos casos. Muitas mulheres chegam aqui denunciando que sofrem xingamentos com frequência, que são diminuídas pelos seus parceiros. Mas esse tipo de violência vai evoluindo até chegar a estágios mais graves como o da violência física e, em casos mais graves, o feminicídio.
Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública mostraram redução de 40% nos casos de feminicídio no Maranhão. Como reduzir ainda mais esses índices?
Susan Lucena: O feminicídio é uma morte anunciada. Não acontece do dia para a noite. Ela vem se consolidando nesse relacionamento violento. Mas o que a gente observa é que quando a mulher pede as medidas protetivas a gente reduz as possibilidades de a situação chegar a esse nível. Medida protetiva é fundamental para evitar feminicídio. Por isso, é fundamental denunciar e procurar toda a rede de assistência e proteção.
Baseando-se nos últimos dados desse tipo de crime é possível falar em uma tendência de queda?
Susan Lucena: Com certeza vamos encerrar o ano com muito menos casos de feminicídio que os registrados em 2022. E em 2022 esse índice alto foi reflexo da falta de investimentos do governo federal nos anos anteriores nas políticas nacionais de enfrentamento à violência contra a mulher que impactaram muito todos os estados do país.
Então, a ampliação das políticas de proteção, do acesso à informação e serviços é o caminho para acabar com a violência contra a mulher?
Susan Lucena: Onde essas políticas chegam de forma articulada, com a rede de proteção organizada, a gente vê os resultados, a gente vê os índices diminuindo, a gente vê as mulheres se sentindo seguras em denunciar porque sabem que vão ser atendidas e receber toda a assistência. Aqui no Maranhão, a gente tem a Casa da Mulher Brasileira que concentra todos os serviços necessários para o fim do ciclo de violência. Temos ainda duas Casas da Mulher Maranhense já em funcionamento que estão levando essa rede para outras cidades do estado.
Hoje, a mulher pode registrar um Bolelim de Ocorrência On-line. A gente tem o aplicativo Salve Maria Maranhão que ela pode acionar a polícia sem a necessidade de ligar e fazer uma denúncia. Então, quando a gente vai descentralizando as ações e os serviços, quando a gente vai facilitando esses acessos, a gente potencializa a quebra desse ciclo de violência.