Violência contra a mulher

Em 3 meses, o site do MPMA já recebeu 50 pedidos de medidas protetivas

Ferramenta para auxiliar a mulher vítima de violência vai servir para traçar perfil da vítima e agressor e subsidiar políticas públicas de combate a esse crime.

Fachada do Ministério Público do Maranhão. (Foto: Reprodução)

Pelo menos 50 mulheres vítimas de violência doméstica já pediram socorro nos últimos 3 meses, utilizando a ferramenta online no site do Ministério Público do Maranhão, disponibilizada pela 23ª Promotoria de Justiça Especializada em Defesa da Mulher.

A ferramenta online “Requerimento de Medida Protetiva de Urgência” é uma iniciativa da referida promotoria, que tem como titular a promotora Selma Regina Souza Martins, criada a partir da sistematização do grupo reflexivo de mulheres, implantado, inicialmente, para atender as mulheres que tinham pedido de medidas protetivas de urgência.

Implantado em maio pelo MPMA, o Requerimento de Medida Protetiva de Urgência já tem alguns dados que chamam a atenção. A promotoria, com exclusividade para O Imparcial, apontou um perfil dos cadastros, que serão apresentados à sociedade pelo Ministério Público em breve, e que poderão servir de subsídios para estudos, levantamentos e políticas públicas de enfrentamento à violência.

Com esses dados, e o perfil apresentado de vítimas e agressores, a Promotoria pretende direcionar suas ações de trabalho no combate da violência contra a mulher.

Do total de pessoas que solicitaram medidas protetivas até 23 de agosto, 60,9% representaram criminalmente contra o agressor, e essas representações já foram encaminhadas para a delegacia especializada. 52,4% das mulheres sofreram violência psicológica; 42%,9% dos casos ocorreram em São José de Ribamar e 14% dos casos em São Luís. Veja outros dados abaixo.

“Tem mulheres que tem medo de vir à Casa da Mulher Brasileira, que tem vergonha de fazer a denúncia presencial, ou então o companheiro trabalha na polícia, e acha que não vai resolver nada. Então, colocamos essa ferramenta no site do Ministério Público, e qualquer pessoa que esteja vivendo essa situação, ou que presencia e queira denunciar, pode acessar”, disse a promotora.

Desde que começou a funcionar, em maio deste ano, já são mais de 50 pedidos de medidas vindas de várias cidades do estado e do Brasil. No formulário, que é simples e rápido de preencher, porém bastante completo, contém as principais informações do ocorrido com a vítima e com o agressor.

Ressaltando, que pode ser feito inclusive por terceiros, que queiram denunciar algum caso. O procedimento tramita em segredo de justiça. As demandas de outros municípios e estados são encaminhadas para os promotores dos respectivos locais. A partir de recebido, em instantes, o pedido é protocolado.

Com essa iniciativa, o Ministério Público está concorrendo ao Prêmio Inovare. Também será apresentado pela promotora Selma Martins, no encontro nacional de promotores, que acontece em setembro; e em um congresso nacional, no Rio de Janeiro, em dezembro.

Promotora Selma Martins.

“Com essa ação, a vítima não é revitimizada, não tem que passar por medo, vergonha ou qualquer tipo de constrangimento, e não precisa esperar para ser atendida”, apontou a promotora Selma Martins.

No ano passado, segundo a Corregedoria Geral de Justiça e a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Maranhão, 17.871 processos são relacionados à violência contra a mulher. 17.463 é a quantidade de processos julgados relacionados ao feminicídio e à violência doméstica e familiar contra mulheres.

Mulheres que se ajudam

Cerca de 30 mulheres se reúnem quinzenalmente, às quartas-feiras, para ouvir sobre direitos da mulher e mulheres em situação de violência. São mulheres que já sofreram algum tipo de violência, mulheres que possuem medidas protetivas contra seus agressores, mas também mulheres que querem saber mais sobre relacionamentos, sobre direitos da mulher e sobre as ferramentas e equipamentos disponíveis para atendimentos delas, caso passem por uma situação de violência ou presenciem algo do tipo.

O grupo reflexivo para mulheres é uma iniciativa da 23ª Promotoria de Justiça Especializada em Defesa da Mulher. Segundo a promotora Selma Martins, pensado para dar um suportee para as mulheres vítima de violência.

“A mulher vai para a delegacia, e aí a juíza concede medida protetiva. Nós não temos mais contato com essa mulher, e o Ministério Público é quem fiscaliza essas MPU’s. Então eu comecei a fazer cadastro e enviar convite para essas mulheres para fazer uma roda de conversa com elas, para falar sobre direitos, violência, acolher essa mulher”, disse Selma Martins.

O grupo começou com uma pessoa, hoje são mais de 30 que se reúnem na Promotoria de Defesa da Mulher. “Essas mulheres não são obrigadas a participarem do grupo, e nem precisam, necessariamente, ter uma medida protetiva. O grupo é aberto a todas as mulheres que queiram saber e conhecer mais sobre os direitos das mulheres. Tem gente que está desde o começo, tem outras que trazem uma amiga, uma parente, tem mulheres que não sabem que estavam em uma relação abusiva e a partir das reuniões algumas delas reconhecem isso. E se ela precisar de algum serviço, a gente encaminha”, disse a promotora.

A violência contra a mulher é uma democracia cruel: atinge mulheres de todas as classes sociais. Foi o caso de uma enfermeira (relato contado pela promotora), casada com um médico. Logo, ele pediu para ela largar o emprego, porque ele “bancaria” tudo.

Ela aceitou, mas a partir de então, o dinheiro era contado, e para piorar, ela descobriu que ele tinha uma amante. Resolveu se separar, mas ele pediu desculpas e mais uma chance, e ela aceitou. “Ele mudou, dava dinheiro ‘até para fazer as unhas'”, contou a enfermeira. Só que a mudança foi breve, ele novamente passou a cortar o dinheiro, continuava com a amante e a relação piorou.

“Foi então que ela pediu ajuda, entrou com medida protetiva, ele foi retirado do lar, resistiu. Passou a usar tornozeleira eletrônica e tentou ainda retornar à casa poque não aceitava a separação. A enfermeira conseguiu se separar, foi para o interior e conseguiu um emprego. Ganhou vida nova. ‘Estou em paz’, ela disse, quando nos encontramos um tempo depois”, contou a promotora.

“Aqui atendemos mulheres com medida e outras que não tem. São as que ficam sabendo pelas redes sociais, pela divulgação. Onde eu dou palestra eu falo sobre esse grupo, mediada pela dra. Lana Pessoa, responsável pelo NAVI (Núcleo de Atendimento à Vítima). E assim, o grupo vai se multiplicando e a gente vai se ajudando”, disse a promotora.

O resultado dos grupos já vem sendo observado. “Elas vem identificar o que é violência, conhecem os seus direitos. Sabem o que é um relacionamento saudável e passam a observar melhor a relação que estão vivendo”, finaliza a promotora.

Números da violência contra a mulher intensificam ação em rede

De acordo com a Rede de Observatórios da Segurança, o Maranhão aparece como o segundo estado do Nordeste em agressões e tentativas de feminicídio. Os maranhenses registram um caso de violência contra a mulher a cada 54h.

No estado já foram registrados, até 23 de agosto, 31 casos de feminicídio, e 9.322 medidas protetivas concedidas pelo judiciário, ou seja, pelo menos, 9 mil mulheres salvas após pedido de ajuda. Todos os crimes foram elucidados. Dos agressores, 1 se suicidou, 6 estão foragidos e os demais foram presos, segundo o Departamento de Feminicídio. Houve uma redução de 44% de femincídios nos meses de janeiro a junho, comparando-se com o mesmo período do ano passado.

Para baixar mais ainda esses números, um trabalho em rede, intensificado durante o mês de agosto, é realizado em todo o estado.

Segundo a delegada do Departamento de Feminicídio, Wanda Moura, neste ano já foram percorridos 50 municípios levando capacitação para servidores de órgãos que trabalham no atendimento à mulher vítima de violência.

Delegada do Departamento de Feminicídio, Wanda Moura

“Principalmente sensibilizar todos os atores que trabalham nessa rede de atendimento à mulher em situação de violência, que esse trabalho precisa ser feito de forma integrada. A gente precisa acompanhar, encaminhar para os diversos serviços. A mulher precisa conhecer os seus direitos, saber quais são os órgãos da rede, quais serviços ela pode acessar. E a gente trabalhando de forma integrada, se consegue proteger melhor a mulher que está em situação de violência, e em última análise, diminuir o número de feminicídios”, disse a delegada Wanda Moura.

Também é intensificado, junto às mulheres, o trabalho de prevenção para que aquela mulher que se encontra em situação de violência, em um relacionamento abusivo, rompa com o ciclo da violência o quanto antes.

“A tendência é que esse relacionamento fique cada vez mais abusivo, que ela sofra cada vez mais violência em um tempo menor, e cada vez mais graves, até chegar à violência letal que é o feminicídio. Quando a gente consegue empoderar essa mulher pra ela se conscientizar dos seus direitos, para ela entender que ela está em um relacionamento abusivo, para ela entender que existe vida sem violência, que existe a possibilidade dela construir relacionamentos saudáveis, ela consegue sair desse relacionamento abusivo, ela consegue sair do ciclo da violência. E assim, a gente evita a ocorrência de feminicídio. Essa é a ideia: trabalhar a prevenção mesmo, indo a escolas, zona rural, comunidades mais afastadas”, disse a delegada.

Segundo o Departamento de Feminicídio, em quase 100% dos casos ocorridos no ano passado e deste ano, as mulheres, apesar de já viverem relacionamentos abusivos há meses, ou até anos, nenhuma delas tinha registro de boletim de ocorrência, ou pedido de medida protetiva de urgência.

“E apesar disso, os amigos sabiam, vizinhos sabiam, familiares sabiam, colegas de trabalho sabiam e ninguém se envolveu. Essa denúncia não precisa ser feita só pela mulher que sofreu, pode ser feita inclusive anônima. Precisamos sensibilizar a sociedade, de que ela pode e deve se envolver. E acolher aquela mulher, aconselhar, orientar que ela procure ajuda, porque às vezes a mulher está tão vulnerável que ela não consegue enxergar que está em um relacionamento abusivo. E são mulheres de todas a classes sociais, de todos os níveis de instrução. A violência contra a mulher atinge todas as classes sociais”, disse a delegada Wanda Moura.

O que apontam os pedidos de Medida Protetiva online do MP

  • 60,9% representaram criminalmente contra o agressor, e já foram encaminhadas para a delegacia;
  • 52,4% sofreram violência psicológica;
  • 42%,9% dos casos ocorreram em São José de Ribamar
  • 14% dos casos em São Luís
  • 47% dos casos ocorreram pela manhã
  • 28,6% dos casos ocorreram na residência da vítima e/ou na residência em comum com o agressor
  • 23% dos casos ocorreram no Centro de São Luís
  • 52% dos agressores já ameaçaram a mulher, familiares e parentes

Dados Feminicídio

  • Grande São Luís – 2 (2023)
  • Grande São Luís – 12 (2022)

Maranhão

  • 2022 – 69
  • 2023 – 31 (até 22 de agosto)

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