Vivendo com HIV

“Não vacilem, como eu vacilei”

O vírus do HIV pode afetar pessoas de diferentes faixas etárias, gênero e orientação sexual.

(Foto: Reprodução)

Se cuidem, usem preservativo. Não vacilem, como eu vacilei”. O recado é de Francisco das Chagas Soares, de 64 anos, portador do vírus HIV há 11 anos.  A descoberta foi por acaso, já que ele não apresentava sintomas.

Francisco era doador de sangue. Em julho de 2011 fez doação normal e estava tudo bem com ele. Mas quando foi doar de novo, em dezembro daquele mesmo ano, os exames detectaram o vírus HIV.

Graças a esse diagnóstico, ele pode logo começar a fazer o tratamento. Do contrário, poderia infectar outras pessoas sem nem saber. Seu Francisco tinha 53 anos quando foi diagnosticado. 

“Foi muito difícil saber disso. Nunca imaginei que pudesse ter esse vírus. Mas me tratei, estou me tratando e hoje considero que vivo bem, dentro do possível”, disse Francisco.

Tímido e envergonhado, ele evita falar sobre alguns assuntos, como por exemplo, como ele acha que pegou o vírus. “Não. Disso não falo”, respondeu. O fato é que a vida dele mudou muito desde que recebeu o diagnóstico.

Ele morava em São Luís, era casado e tem 4 filhos, sendo 3 biológicos e 1 adotivo. Depois do diagnóstico, ele foi para um povoado do município de Mata Roma (sua terra natal), mas logo retornou para São Luís.

O casamento acabou, está desempregado, e atualmente atua como voluntário na Casa de Apoio Acolher. Seu Francisco teve que aprender a conviver com o vírus e com as agruras de ser um portador de HIV. 

“Eu tomo os remédios direitinho, suspendi a cachaça, refrigerante, porque tenho que ter uma vida saudável, uma boa alimentação. O meu vírus está congelado, e assim eu  vivo a vida. Daqui ‘acolá’ quando me aperreio eu procuro um psicólogo, e assim eu vou vivendo”, disse.

O vírus do HIV pode afetar pessoas de diferentes faixas etárias, gênero e orientação sexual. De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, o número de casos de HIV entre idosos segue crescendo a cada ano — entre 2007 e 2017, o aumento foi de 657%.

Apenas em 2007, foram registrados 168 novos diagnósticos entre pessoas com mais de 60 anos de idade; em 2018, 627.

O médico patologista e professor do curso de Medicina da Faculdade Pitágoras, Raimundo Nonato, ressalta que há tratamentos que permitem de forma eficaz que portadores do HIV tenham uma vida saudável, que é o caso do seu Francisco das Chagas e outros milhares de pessoas que convivem com o vírus.

“HIV é o vírus causador da AIDS, é importante explicar essa diferença para que a importância do uso de medicação seja destacada quando falamos do assunto. Isso porque, o uso regular dos medicamentos evita que a infecção evolua para AIDS, doença essa que pode causa sérios danos ao sistema imunológico e interfere na habilidade do organismo na luta contra outros tipos de infecções. O portador do vírus pode não ter a doença, mas se não tiver os devidos cuidados (tratamento) poderá desenvolver a doença”, explica.

A prevenção continua sendo a melhor forma de proteção, destaca o especialista:

“Mesmo diante de dúvidas, a coragem de realizar o teste para comprovar se há ou não a presença do vírus ainda é um problema. Mas, é importante lembrar que a medicina evoluiu e, com ela, as formas de combater os efeitos do vírus no organismo humano. No entanto, a relação sexual segura só é garantida com o uso de preservativos, tanto para homens como pra mulheres. É o método seguro para evitar a contaminação em todas as relações sexuais (oral, anal e vaginal)”, orienta.

O status de saúde também deve ser acompanhado por indivíduos com vida sexual ativa, portanto, a recomendação é a testagem periódica.

HIV é o vírus causador da AIDS, é importante explicar essa diferença para que a importância do uso de medicação seja destacada quando falamos do assunto

Maranhão registrou até agora 1.852 casos positivos para HIV

O mês de dezembro movimenta ações internacionais de enfrentamento da AIDS com o objetivo de salientar os cuidados com a saúde das pessoas infectadas por HIV e das doenças da AIDS.

No Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas afirmaram ter diagnóstico médico de Infecção Sexualmente Transmissível (IST), o que equivale a 0,6% da população adulta, de acordo com dados divulgados pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), em 2021. E é entre adolescentes e jovens o público com maior aumento entre os novos positivos.

Para garantir a proteção contra o vírus, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferta gratuitamente um conjunto de medidas conhecido como Prevenção Combinada. Dentre as formas disponíveis, estão os testes rápidos, preservativos masculino e feminino, vacinação contra doenças sexualmente transmissíveis (Hepatite B e Papilomavírus Humano – HPV), medicações para pré e pós-exposição a situações em que exista o risco de contato com o vírus HIV, além de exames de pré-natal para gestantes como forma de prevenção da transmissão vertical.

De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde, até o mês de outubro de 2022, o Maranhão notificou 1.852 casos positivos para HIV. Em todo o ano passado, o estado registrou 2.299 pessoas com HIV.

Luta e preconceito

(Foto: Reprodução)

O mês de dezembro é marcado pela luta contra a Aids. Com o intuito de reduzir o preconceito e disseminar a informação, o mês representa a mobilização de gerações de pacientes e profissionais de saúde para a conscientização sobre a doença e seus métodos de prevenção e tratamento. 

“Infelizmente, o preconceito ainda está presente, embora tenha diminuído nas últimas décadas. Pessoas infectadas pelo HIV podem demorar a procurar o serviço de saúde por medo de discriminação e isso pode levar a diagnósticos tardios que, sem tratamento adequado, podem se manifestar em estágios avançados da AIDS, com risco de morte e sequelas graves”, afirma o médico infectologista Íris Ricardo Rossin.

O médico frisa que ser portador do HIV não significa que pessoa tenha AIDS. A síndrome representa o estágio extremo da imunodeficiência provocada pelo vírus e só aparece em pessoas infectadas pelo HIV que não foram tratadas adequadamente.

“O HIV é o causador da AIDS e se conseguirmos evitar a transmissão do vírus, não ocorrerá a doença. As medidas de prevenção para evitar a transmissão do vírus envolvem um conjunto de abordagens, desde questões relativas ao comportamento e educação sexual como o uso de métodos preservativos de barreira (ex. Camisinha ou condom), até testes no Pré Natal e em campanhas de testagem. Além do tratamento precoce dos indivíduos contaminados pelo vírus”, avalia Íris.

Casa Acolher atende 700 pessoas por mês

(Foto: Divulgação)

Criada pelo GASH (Grupo de Ação pela Solidariedade Humana), a Casa Acolher, que funciona na Jordoa, oferece suporte e acolhimento às pessoas vivendo com HIV/Aids e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), de todo Maranhão.

Desde 2018 já foram atendidas mais de 8.811 vidas. Além de oferecer refeições diárias, a Casa destina apoio psicológico, jurídico e social de forma gratuita. Cestas básicas, roupas, preservativos e kits de higiene também são distribuídos.

“A existência da Casa Acolher deixa claro a ausência do poder público para nós, e essa ausência nos transfere uma parcela muito grande responsabilidade, por fazermos o que eles não fazem. Temos que vender quantas bonecas por mês pra poder sanar todas as dificuldades com luz, água alimentação, limpeza, aluguel, são insumos que dormem conosco e que temos mensalmente para poder manter as portas abertas. A nossa luta também é para comprar uma sede, para sair do aluguel”, contou Paulo Ribeiro, coordenador da Casa.

A existência da Casa Acolher deixa claro a ausência do poder público para nós, e essa ausência nos transfere uma parcela muito grande responsabilidade, por fazermos o que eles não fazem. Para ele, o maior desafio da pessoa que convive com Aids é sobreviver diante da sociedade.

“Muitas vezes não há trabalho para essas pessoas que são arrimo de família. Imagine uma pessoa com HIV, que muitas vezes não tem os auxílios concedidos. “Isso nós provocamos com setor jurídico para poder destinar a questão dos benefícios, que são direitos adquiridos numa esfera federal para uma pessoa vivendo com HIV ou Aids ter esse amparo, para se manter de forma digna”, disse Paulo.

Com a pandemia de Covid-19 esse quadro se agravou ainda mais porque muita gente ficou sem renda. Paulo alerta também para as pessoas que ignoram o tratamento da sorologia.

“Imagina a dificuldade de uma pessoa por conviver com o vírus e ainda sem um trabalho, um sustento, uma família que o apoie. É muito difícil essa realidade. Já ultrapassamos 23 mil pessoas com HIV no estado. É um quadro alarmante. Em São Luís, só este ano, mais de 500 casos foram registrados. É coisa séria.  E essas pessoas, subtende-se que elas estejam se cuidando, fazendo exames periódicos, uso do retroviral. Hoje uma pessoa consciente, fazendo uso do retroviral, em 6 meses não transmite mais, mas tem pessoas que sabem da sua sorologia e infelizmente fazem vista grossa e passam a ser um ramificador desse vírus”, lamenta Paulo.

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