Especial - SEMANA da Consciência Negra

Visibilidade política X resistência e ocupação

Candidatos a cargos políticos na Assembleia e Câmara avaliaram que há muito espaço, na política maranhense, porém, poucos deles são ocupados por pretos e pretas.

Poucos são os que conseguem alçar cargos políticos comentam políticas de enfrentamento ao racismo e suas dificuldades enquanto atores políticos. (Foto: Reprodução)

A dificuldade em encontrar pessoas ocupando cargos públicos na política maranhense já deu um tom crucial logo de cara na produção desta matéria: há muito espaço – tendo em vista as 42 cadeiras da Assembleia Legislativa do Maranhão e as 31 vagas da Câmara dos Vereadores de São Luís, por exemplo -, porém, poucos deles são ocupados por pessoas negras.

Nesta edição especial, entrevistamos estes que ainda disputam seu lugar na política, resistindo ao racismo e aos contratempos, sejam eles de natureza financeira, sejam advindos do racismo estrutural, que permite somente aos brancos e abastados, em sua maioria esmagadora, sentarem às cadeiras de decisão do executivo e legislativo.

“Nós, negros e negras, sempre fomos ensinados a não gostar de política, a enxergar a política como um espaço para homens brancos e parentes de político. Precisamos nos organizar para fortalecer cada vez mais a ocupação da política com a nossa gente e as nossas pautas”, destaca Cricielle Muniz, filiada ao PT Maranhão.

Ela, que também foi candidata nos anos de 2020 e 2022, como vereadora e como deputada estadual, respectivamente, observa essas ocupações privilegiadas, sobretudo, no quadro de eleitos da Assembleia Legislativa do Maranhão.

O que dificulta que pessoas negras sejam de fato representadas, além de dificultar a construção de uma sociedade antirracista.

“A construção de uma sociedade antirracista e que nos caiba não acontecerá sem que nós sejamos os protagonistas destes processos de construção e essa construção passa pela política. Precisamos fortalecer e garantir que cresça ao ponto de transformar a política de fato em um instrumento de poder para a conquista do bem viver de todas e todos, principalmente da população negra em condições de justiça e de igualdade na diversidade e na liberdade”, disse.  A questão é ainda mais profunda, segundo ela, quando falamos da mulher negra na política. Enfrentar o mundo da política sendo da periferia, não sendo filha de políticos e sem condições financeiras é um desafio que enfrentei não só por mim, mas por todas as pessoas que escutam diariamente que a política não é para nós”, finaliza.

Para além do colorismo, essa escassez de pessoas negras na política gera contrassenso em um estado como o Maranhão, onde negros representam 74% da população total (IBGE 2012).

O fato fica ainda mais escancarado quando pessoas brancas se autodeclaram negros para conseguir fundo partidário, este que seria/deveria ser destinado a quem realmente precisa para disputar os cargos de forma minimamente igualitária. A fatia desse bolo fica nas mãos de quem já possui todos os ingredientes nas mãos há muitos anos. 

Hertz Dias, filiado ao PSTU, conta que atua politicamente desde a década de 1980, sendo um dos fundadores, em 1989, do Movimento Hip Hop Quilombo Urbano, e corrobora com a ideia desta contradição.

“Essa baixa inserção reflete uma contradição: somos maioria da população, mas minoria política. Contudo, é importante entender que essa exclusão do negro dos espaços políticos é também expressão da sua expropriação enquanto classe trabalhadora no mundo do trabalho. O Brasil é um país inconcluso que fez independência sem abolição e abolição sem qualquer política de reparações. Inserir uma camada social que representa a maior fora do continente africano, significaria mudar toda a estrutura social do capitalismo brasileiro. Por isso mesmo, uma parte da burguesia brasileira desde a abolição preferiu adotar uma política de genocidio negro do que a de reparações históricas”.

Dias foi candidato a vice-governador do Maranhão em 2010, a vice-presidente da República em 2018,  à prefeitura de São Luís em 2020, e a governador em 2022. Ele opina também sobre o porquê de as pessoas negras não serem eleitas em grande número ou não serem as mais votadas.

“No Brasil, instituíram o mito da democracia racial combinado a ideologia de superioridade branca. Isso provoca um complexo de inferioridade no negro, que se reflete também no velho ditado de que ‘negro não vota em negro’. Talvez o maior problema não seja nem a aceitação por parte dos racistas ou dessa estrutura a qual me referi acima, mas dos próprios negros se aceitarem enquanto tais e resgatar a sua tradição histórica, sobretudo, a quilombola”, ressalta.

Tomada de decisões faz parte do processo político

Por outro lado, os poucos que conseguem alçar cargos políticos comentam políticas de enfrentamento ao racismo e suas dificuldades enquanto atores políticos. A secretária de Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão, Amanda Costa, foi convidada ainda neste ano de 2022 para ocupar a vaga e comenta o processo dentro dos espaços de poder.

“Compreendo que existe, de maneira ainda bem forte, uma determinada demarcação de espaços onde a pessoa negra pode ou não estar. Entretanto, avançamos no debate racial dos últimos anos quando falamos, por exemplo, sobre a instituição de ações afirmativas que ampliam as possibilidades de acesso de jovens negros e/ou periféricos à universidade, cargos públicos e às nominatas dos partidos políticos. Ao passo que muitos jovens conquistam uma ascensão social por meio do estudo, uma parcela da população negra reforça suas formas de se comunicar, conviver e de exercer sua força política entre os seus, fortalecendo a sua cultura e exercendo liderança comunitária. Nos diferentes espaços de participação política, o enfrentamento ao racismo é caminho essencial para que a população negra avance em presença e direitos”, destaca.

Para ela, “é impensável pautar políticas públicas para o povo negro sem construir agendas que garantam a participação dessa parcela da população na tomada de decisão” e cita o exemplo da equipe de transição do candidato à presidência eleito, Luís Inácio Lula da Silva.

“Mesmo que seja a pequenos passos, é importante, por exemplo, negros, quilombolas, indígenas, jovens periféricos, estarem compondo a equipe de transição do presidente eleito. E isso é muito mais que representatividade, é garantia de participação popular.”

Ela acredita também que ainda há muita resistência a pessoas negras em cargos políticos importantes, contudo temos avançado significativamente por conta das ações afirmativas, que levou uma boa parte da população negra ao ensino superior.

“Além disso, aqui, no Maranhão, programas como o Escola Digna e o Programa de Licenciatura Intercultural para a Educação Básica Indígena e Licenciatura em Educação Quilombola (PROETNOS) da UEMA tem pavimentado caminhos para o fortalecimento da diversidade étnica nos espaços de poder da nossa sociedade por meio do fortalecimento de capacidades educacionais e profissionais da população”.

Já a covereadora do Coletivo Nós, eleito em 2020, Flávia Almeida, reforça que a não participação de pessoas negras na política se dá muito pelo racismo.

“Precisamos antes de pensar somente em se candidatar, combater o racismo. A ocupação se dá por meio de um processo e não é toda pessoa preta que tem condições de se candidatar, porque infelizmente a pobreza tem cor. São em sua maioria pessoas periféricas que não têm condições de disputar cargos públicos. Entre se candidatar e alimentar sua família, a pessoa, obviamente, prefere a segunda opção, porque tudo tem um custo”, exemplifica.

Ela sustenta ainda que, muitas vezes, os partidos não dão chance ou suporte, porque tem essa ideia de uma parcela com votos garantidos.

“Nossa sociedade como um todo vota em sua maioria em homens brancos. Porém, eu entendo, sim, que estarmos nesses espaços políticos é de grande necessidade porque sou eu, Flávia, que vou conseguir sentar numa mesa e mostrar para aquelas pessoas que políticas públicas não consistem apenas em levar uma cesta básica três vezes por ano, durante a semana, natal, ano novo. Não. Políticas públicas não se garantem dessa forma, a discussão é muito maior. A gente não pode ter essa visão com as pessoas negras da periferia. Infelizmente, as pessoas são muito desinformadas ainda. Precisamos votar em pessoas negras, pessoas que vão garantir mais políticas públicas nesses espaços”, complementa.

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