Além da pele

Um olhar na produção para pessoas negras

Apesar de muitas conquistas, ainda há preconceito contra os negros em vários segmentos e a área cultural não está fora deste contexto.

A atriz Júlia Martins que trabalha na cena cultural há oito anos na Ilha, avaliou que a maior dificuldade que os produtores negros ludovicenses enfrentam para colocarem seus projetos culturais em prática é a falta de oportunidade que o próprio segmento impõe. (Foto: Reprodução)

No Maranhão, segundo o Instituto IBGE, os negros são maioria, cerca de 74% da população. Apesar de muitas conquistas, ainda há preconceito contra os negros em vários segmentos e a área cultural não está fora deste contexto.

Produtores ouvidos por O Imparcial sobre as dificuldades com relação a produzir eventos e ver a pessoa negra como protagonista do processo. Também apontaram que uma das principais barreiras está relacionada, o “embraquecimento”, a falta de oportunidades e a burocracia.

Para atriz, publicitária e produtora cultural, Júlia Martins que trabalha na cena cultural há oito anos na Ilha, avaliou que a maior dificuldade que os produtores negros ludovicenses enfrentam para colocarem seus projetos culturais em prática é a falta de oportunidade que o próprio segmento impõe.

“A maior dificuldade que enfrentamos é a falta de oportunidade. Ainda é muito difícil as pessoas verem profissionais negros na produção cultural, seja na função de idealizador, seja trabalhando como produtor do evento. Não há oportunidades, e são poucos os projetos aprovados de idealizadores e produtores negros e que são incentivados. Eu busco sempre trilhar outros caminhos que não seja a dependência de projetos incentivados por empresas e ou apoiadores do Maranhão, mas isso não quer dizer que eu não busque incentivo local, pelo contrário, temos que continuar insistindo para que a mudança aconteça”, revelou Júlia Martins

Para Júlia Martins, que deu vida à escritora maranhense, Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista negra do Brasil, autora do livro Úrsula, primeiro romance abolicionista da literatura publicado em 1859, ainda uma resistência a projetos, espetáculos e produções com temáticas voltadas para a população negra e que o “Padrão Europeu” prevalece.

“As pessoas ainda estão muito resistentes quando o assunto são projetos com temáticas relacionadas à negritude. Ainda estão muito presos em um formato de se fazer evento no modelo eurocentrado. Não podemos dizer que não houve avanço, visto que dos últimos anos, houve uma crescente em eventos que valorizem e discutem a cultura preta, só não houve ainda incentivo das instituições como deveria de fato ter”, ressaltou a produtora cultural.

Já o poeta e produtor cultural, Gabriel Câmpelo, avalia que a cultura negra é uma das mais ricas que existem dentre as culturas humanas. Ele afirma este silogismo para confrontar a realidade ainda vigente da desvalorização das culturas provenientes dos povos em diáspora, e que esta realidade contraditória é sustentada por um modelo hegemônico de poder.

“O povo preto é qualificado para ocupar espaços de decisão, mas geralmente precisam se aliar a políticas de embranquecimento para colocar seus projetos em prática, penso que essa é a maior dificuldade encontrada por produtores pretos. Daí concluo, que a exclusão de pessoas pretas em espaços de decisão é ainda um forte demérito ao desenvolvimento do livre pensar deste povo, seja ele em qualquer instância da vida humana, inclusive na cultural.  Não faltam exemplos em que sujeitos brancos com habilidades inferiores ou similares recebam atenção e incentivo que os negros nunca receberam. Cito o exemplo do samba e da bossa nova, o primeiro criado por negros com referência aos toques do candomblé foi criminalizado e os seus praticantes hostilizados pela força policial, enquanto o segundo, fruto da apropriação do primeiro por pessoas brancas, teve seu lugar garantido ocupando espaços de destaque nacional e internacional”, afirma o produtor cultural.

“Racismo institucional” e burocracia

Questionada sobre o atual cenário cultural, a produtora mineira Nafis Bezerra que já foi conselheira estadual, reconhece que houve avanços nas ações de políticas culturais afirmativas para pessoas negras, mas avaliou também, que ainda há muita dificuldade na aprovação dos projetos em editais e patrocínios e capacitar recursos para o segmento

Produtora mineira Nafis Bezerra. (Foto: Reprodução)

“Estamos cientes sim que muitos produtores negros estão ocupando vários espaços nas área de áudiovisual com filmes lindíssimos, artes cênicas, espetáculos e shows com temática elaborados por produtores e pessoas negras. Mesmo com o preconceito e o racismo nosso avanço é grande! Tiro por mim que resido aqui em São Luís há sete anos e faço parte deste avanço com muito orgulho. Para melhorar falta mais acesso à cultura  Muitos ainda não tem esse acesso. Meu intuito é mudar essa história com projetos autorais voltado a população negra onde eu habitar”, disse Nafis Bezerra.

Para o fotografo e produtor cultural Wallace Sousa, o cenário cultural maranhense sempre trouxe para os produtores negros uma vasta gama de oportunidades, porém ele avalia que muitas dessas são direcionadas apenas para pequenos grupos.

“Uma das questões que nos falta enquanto produtores é um apoio ainda maior para o setor, lógico que muito disso se perdeu devido à falta de investimento do atual governo federal, porém nota-se um incentivo por parte do governo estadual para que possamos nos manter produtivos durante um período pandêmico. Contornar esse cenário não foi tão fácil. Para se ter uma ideia, no segundo semestre de 2019 fundei junto à outros uma casa cultural no centro da capital e a mesma infelizmente não se manteve devido a dificuldade da pandemia. A ideia agora é esperar o setor aquecer ainda mais pra retornar as atividades que foram paradas”, disse o fotografo.

Para Werlys de Jesus Cunha Santos, professor de história da rede estadual, a nível geral a produção cultural na Ilha de São Luís normalmente é feito por estilo de ação que mais agrada. Ele cita como exemplo, as entidades mais conhecidas angariam mais recursos outras nem se quer obtém estes valores porque não são conhecidas.

“Uma coisa é uma manifestação cultural que passa em um projeto cultural ser feito por negros e outra é essa manifestação ser feita por negros e trazer uma mensagem específica de brincadas de resistência para o provo negro” afirmando que outra coisa é a participação do negro presente nessas agremiações mais antigas e que não tem em sua maioria um enredo voltado para o negro, a não ser as escolas de samba.

Quem também avaliou as dificuldades dos produtores negros na Ilha foi o ativista e produtor cultural Cláudio Adão, do Grupo de Dança Afromalungos (GDAM).

Ativista e produtor cultural Cláudio Adão, do Grupo de Dança Afromalungos. (Foto: Reprodução)

“A nossa maior dificuldade é que a gente consegue aprovar os projetos pela Lei de Incentivo da Cultura, mas não consegue capitar os recursos. Falta das empresas a sensibilidade em ver a cultura como um bom negócio. O estado do Maranhão respira turismo, cultura e economia solidária”, afirmando

Já para o ator, músico e cantor Vicente Melo que deu vida ao cantor e compositor João do Vale em um musical que contava a sua trajetória na Música Popular Brasileira, a maior dificuldade o produtor negro tem que ter o máximo conhecimento à política de projetos culturais porque hoje em dia não tem como tirar um show, uma exposição do papel ou qualquer outra produção se não for por este meio.

Ator, músico e cantor Vicente Melo. (Foto: Reprodução)

“Além da pessoa ter conhecimento de projeto cultural ela tem que ter conhecimento dos trâmites burocráticos que envolve o processo, sem falar na capitação de recursos que é uma outra problemática imensa. São pouquíssimas as empresas do estado que incentivam esses projetos culturais. Muita das vez não é a questão do projeto de  passar, mas o problema está relacionado a falta de recursos que hoje é amenizada pelas “vaquinhas virtuais” que muitos produtores negros estão recorrendo.

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