Violência doméstica

Grupo Reflexivo para Homens: Eles não querem mais agredir as mulheres

O grupo reflexivo é uma proposta de intervenção com homens autores de violência contra as mulheres.

Grupo Reflexivo para Homens realizado na Sede das Promotorias de Justiça da Capital. (Foto: Reprodução)

“Antes das nossas filhas nós tínhamos um convívio muito bom, viajávamos muito, era uma vida muito boa. Quando ela engravidou da primeira ela teve depressão pós-parto. Depois ela engravidou de novo, quis abortar, começou a mudar o comportamento, dizia que eu tinha acabado com a vida dela. Então, a gente começou a entrar em atrito e eu acabei tendo que cumprir medida protetiva de urgência”.

O depoimento é do até então desempregado, Manoel Oliveira, 50 anos. Recentemente ele participou de reuniões do Grupo Reflexivo para Homens, como determina a Lei Maria da Penha. Manoel agrediu com palavras e ofensas a ex-esposa da qual está separado há 6 anos e com quem tem duas filhas.

Do casamento de 23 anos, restaram brigas, ofensas, mágoas e dor, de ambos os lados. A consequência foi o cumprimento de duas medidas protetivas, uma em 2017 e outra em setembro de 2021.

“Ela me provocava e eu perdia a cabeça ficava louco, por isso ela me denunciou de novo. Fui reincidente. Quando fui participar do grupo achei uma injustiça. Eu não agredi ela fisicamente, mas com palavras. Ela era muito querida da minha família, eu nunca tive problema com justiça e de repente eu tive que cumprir medida. Todo mundo tem seu momento de raiva, mas nunca fui de agredir, ela disse que eu era psicopata, sociopata, mas isso não ficou comprovado nos exames”, disse Manoel.

O que Manoel não sabia, até participar das reuniões do Grupo Reflexivo para Homens, é que agressão verbal e psicológica também é crime. É violência contra a mulher.

“No curso aprendemos muito sobre violência contra a mulher, preconceito, racismo, foi muito bom, depois sai todo mundo com pensamento positivo. O curso foi muito proveitoso, quero até fazer uma visita para eles lá de novo. A gente interage e entende todo o processo. Eu tenho três filhas mulheres, vou ter a quarta, então entendo que a gente é bruto mesmo, criado de uma maneira machista, as tarefas de casa eram separadas, a gente em casa era sultão não fazia nada. Depois desse curso eu mudei muito mesmo, minha esposa está grávida, faço as coisas em casa, vejo como uma parceria. Achava que agressão era só física. Depois que eu passei no grupo eu entendi que não vale a pena ficar se digladiando, isso é coisa do passado. Consegui tirar aquela mágoa, revolta. Agradeço à Denyse (Denyse Campos, psicóloga), à Dra Selma, outras promotoras…, sorriso no rosto agora. Agredir alguém nunca mais. Tem palavras que machucam mais do que a violência física. Eu não sentia, mas mudei, e tenho me corrigido ao máximo”, comemora.

Manoel é um dos 80 homens que já participou dos grupos na capital, São Luís. A iniciativa do Grupo Reflexivo foi idealizada em 2019 e desenvolvida pelo Ministério Público do Maranhão desde 2020, reunindo homens que cometeram violência doméstica e descumpriram medidas protetivas.

A finalidade é discutir e desconstruir atitudes machistas, prevenindo principalmente a violência doméstica. No Maranhão, a iniciativa já foi implementada também nas cidades de Açailândia, Balsas, Buriticupu e Imperatriz.

A Dra Selma, a quem Manoel se referiu, é a promotora  de  justiça Selma Regina de Souza Martins, que conduz os trabalhos. Participam da iniciativa, realizada pela 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Mulher em parceria com a Universidade Ceuma, 24 homens.

Outro grupo, com 20 participantes, está acontecendo paralelamente em São Luís. As reuniões acontecem duas vezes por semana, aos sábados (coordenada pelo MPMA) e às terças-feiras (coordenada pelo Ceuma), durante 4 meses.

Curso é previsto na Lei Maria da Penha

O grupo reflexivo é uma proposta de intervenção com homens autores de violência contra as mulheres com base na Lei 11.340/06, batizada de Lei Maria da Penha (LMP). Segundo a promotora, as reuniões já voltaram a acontecer de forma presencial e, conforme as estatísticas, tem índice de reincidência zero.

De acordo com dados do Grupo, dos 70 homens participantes, 87,5% declararam que mudaram após a inserção no grupo; e 91,7% deles reconheceram que precisavam passar pelo grupo.

A instituição do Grupo Reflexivo é uma das estratégias do Programa de Atuação em Defesa de Direitos Humanos do Ministério Público do Maranhão (Padhum), desenvolvido pela Secretaria para Assuntos Institucionais do MPMA (Secinst), voltada à defesa das mulheres e combate à violência de gênero. A execução da iniciativa é coordenada pelo Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento da Violência de Gênero (CAO-Mulher).

“A lei fez 15 anos e nem o estado, nem o município criaram o centro de reeducação do agressor que está previsto na lei, então quem está desempenhando esse papel é o Ministério Público. Lá é trabalhado violência de gênero, como a mulher é vista na mídia, cuidados com a saúde do homem, alienação parental, divórcio, partilha de bens, separação, entre outros assuntos e quando terminam as reuniões, eles ficam repercutindo no grupo que eles têm, junto com psicólogas. Nosso objetivo é que a gente possa levar grupos para faculdades que tem curso de Psicologia, porque os estudantes precisam de campo de estágio”, comenta a promotora.

Os homens são obrigados a comparecerem às reuniões sob pena de descumprimento de prisão preventiva que pode ensejar a colocação de tornozeleira eletrônica e também prisão. De acordo com Selma Regina, até agora nenhum homem foi preso e nem teve colocação de tornozeleira.

Todos os envolvidos precisam se reconstruir

“Como começou tudo isso? Em audiência eu percebia que tudo era culpa da mulher: ‘Ah eu bebo por conta dela, eu bati por conta dela’. E eles? E aí eu pedi uma audiência sobre isso e o resultado, é que eles também queriam falar. A gente trabalha gênero com eles durante 4 meses. Só se muda com educação. Ao final dos 4 meses, eles saem modificados. Eles sabem hoje que a agressão verbal também é agressão. A violência psicologia também é crime. Não é só denunciar, é reconstruir essa mulher, essa família. Ela precisa de terapia, resgatar a autoestima, as crianças também, o homem também… porque senão ele vai repetir. E a mulher também vai entrar em relacionamentos abusivos. Então ela tem que se descontruir, e ele também tem que se descontruir. Por isso, trabalhar os dois, a prevenção, esse assunto nunca se esgota. Nunca é demais”, alerta a promotora.

Durante suas palestras, ela faz esses alertas usando exemplos, reportagens, músicas. “Quando a mulher é traída o que que ela faz? Vai para a igreja, vai ouvir ‘sofrência’, vai ficar com as amigas, se reconstrói, ela bebe, ela se recupera. E o homem? Não aceita separação, ciúmes, ele mata. ‘Se não for minha não vai ser de mais ninguém’! ‘Ele pode trair porque isso é coisa de homem’. ‘Ciúme é o tempero do amor’. Nada disso. Ciúme é um sinal de alerta muito grande e grave. Aí o homem diz: ‘Ah doutora ela diz que eu ameacei de morte e já vem medida protetiva? ’ Sim. Ameaça é um crime grave, porque eu não sei quem vai fazer ou quem não vai. Então, separa.

Vai cada um para um canto para a gente ver. Quem são as mulheres que são assassinadas? São as que não denunciam. Mais de 10 mil processos já passaram por aqui, e as vítimas não foram assassinadas. Medida protetiva salva vidas e o que precisamos fazer é continuar divulgando”.

“Tive conhecimento sobre várias formas de machismo”

As ofensas proferidas por Rubens Eduardo, contra a ex-esposa resultaram em duas medidas protetivas e dois dias na cadeia. Os 6 anos de casados acabaram da pior forma: O relacionamento conturbado, após a separação, levou a ofensas e boletins de ocorrência de ambos os lados. No fim, Rubens cumpriu medidas protetiva desde junho do ano passado até dezembro;

“Não me sinto culpado pelo que me levou a cumprir medida protetiva. Ela alegou que eu persegui ela e por isso fiquei preso por dois dias, mas consegui provar que nem estava em São Luís. Mas reconheço que mudei depois que entrei para o grupo. Consegui abrir mais a cabeça e tive bastante conhecimento sobre várias formas de machismo que nem sabia que existia. Aprendi que existe companheirismo, e que as pessoas nunca estão só”, disse a O Imparcial.

As reuniões serviram de aprendizado, Rubens está em  outro relacionamento, e diz que passou a ser mais compreensivo e ter uma união de reciprocidade.

4 perguntas//Denyse Campos – coordenadora do Grupo Reflexivo para Homens

Denyse Campos – Coordenadora do Grupo Reflexivo para Homens

Você percebe resistência desses homens em participar do grupo?

Todos os participantes do grupo reflexivo possuem Medida Protetiva de Urgência vigorando em seu desfavor e uma das medidas de proteção é a obrigatoriedade em participar do Grupo Reflexivo para Homens autores de violência doméstica. Acredito que a resistência inicial se trata principalmente pelo fato de serem obrigados a participarem das reuniões, o que é natural, tendo em vista que o ser humano resiste ou se sente desconfortável diante de situações em que não gostaria de estar.

Como esses homens chegam no grupo?

A maioria chega com sentimento de injustiça, rancor, mágoa, às vezes até sentimento de raiva e tristeza. Com o passar das reuniões, os participantes criam um vínculo “afetivo”, onde se desenvolve respeito e consideração mútua, o que facilita bastante as intervenções do grupo e, principalmente o alcance do objetivo principal do grupo reflexivo.

À medida em que as reuniões, palestras e abordagens acontecem, o grupo se desenvolve, evolui de modo muito perceptível. Nesse momento os homens estão mais participativos, interagem entre si, sugerem novos temas e até chamam atenção um do outro, quando necessário. É aquele momento em que estar ali não é mais sacrifício!

No final do grupo, coletamos lindos depoimentos, com significado e lágrimas. Eles saem do grupo com uma percepção diferente, um olhar mais sensível e crítico sobre abuso, violência, diálogo e auto-responsabilidade.

Como você avalia o resultado dessas reuniões?

Avalio os resultados como mais uma medida eficaz de enfrentamento e combate à violência contra a mulher.  Os resultados são exitosos! Os resultados obtidos tornam-se perceptíveis e até palpáveis, vejo mudanças significativas na conduta, no pensamento, inclusive na própria forma de se comunicar. É inquestionável que o objetivo do grupo de auto-responsabilizar, conscientizar e gerar mudança de comportamento, é de fato atingido!

E como esses homens saem dessas reuniões?

Saem com uma compreensão ampla do que é violência, como funciona, os seus mais varridos tipos e, principalmente, a importância de seu papel social na erradicação da violência de gênero. Com o grupo reflexivo temos a possibilidade de trazer o homem para o nosso lado, ele não mais como autor de violência, mas como protagonista no enfrentamento e fim da violência contra a mulher.

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