Cachorro-quente

O “Companheiro” do Beco da Pacotilha

Personagem da nossa São Luís, o “Companheiro” é um dos vendedores de cachorro-quente mais antigos e queridos do Centro Histórico da Ilha do Amor .

Foto: Marcos Calda/O Imparcial

Se você costuma passar pela praça João Lisboa, nas proximidades do Largo do Carmo, na descida para a Avenida Magalhães de Almeida e nunca prestou atenção em um senhor simpático que fica na cabeceira do Beco da Pacotilha, entre um casarão e outro, vendendo cachorro-quente, saiba que você está deixando de conhecer um senhorzinho com uma bela história de vida, e um dos cachorros-quentes mais tradicionais e mais pedidos do Centro Histórico de São Luís, e também um dos mais saborosos.

Nesta reportagem falamos com José Carlos Nunes, 80 anos, chamado há várias décadas pelo apelido de Companheiro, e tornando-se, ele próprio, uma figura histórica do local, tendo, por isso recebido uma comenda concedida pela então governadora Roseana Sarney, em 2012.

Foto: Marcos Caldas/O Imparcial

Cheguei na barraquinha do Companheiro, e logo na abordagem ele esbanjou simpatia. Só disse que não teria tempo para parar e conversar comigo porque precisava atender a clientela. E eu dei toda a razão a ele. Àquela altura, 9h da manhã, ele estava preparando um “cachorro” e haviam outras 5 pessoas esperando para serem atendidas. E não adianta ter um neto, filho, sobrinho ou outro parente ajudando, porque todos querem o cachorro-quente preparado pelo Companheiro, e ele faz questão de atender.

O jeito foi ficar ali, e entre um lanche e outro que estava sendo preparado, a gente foi conversando. Aliás, conversar é o que ele mais gosta de fazer. Trabalha, conversa, atende um ali, puxa uma conversa aqui, responde outro acolá. Explica-se: Companheiro faz questão de ser amigos dos seus clientes. Conhece todos pelo nome. Tem sido assim desde os 16 anos quando começou a trabalhar. Hoje, aposentado e vacinado (ele faz questão de frisar), nem pensa em deixar de continuar o ofício que exerce desde 1958, há exatos 64 anos.

44 anos no Centro Histórico de São Luís

Somente ali, naquele pedaço do Centro Histórico, ele está há 44 anos, mas antes trabalhou perto do antigo colégio Maristas, do antigo Ateneu, e do Liceu Maranhense (todos na região do complexo da Praça do Pantheon) pela manhã, e à tarde ia vender na Praça João Lisboa, mas em outro ponto.

O apelido foi herdado da antiga barraca que levava o nome de Companheiro e cujo dono era o cunhado, Melval. Tudo começou quando aos 16 anos ele foi convidado pelo cunhado para trabalhar com ele. A barraca ficava no antigo mercado do produtor (próximo ao predio da Embratel) no Complexo do Panteon. Doze anos depois Melval faleceu. José Carlos Nunes já estava com 28 anos, assumiu a barraca e passou a ser conhecido como Companheiro também. 

Já virou parte da história de São Luís

Foi vendendo cachorro-quente a vida toda que Companheiro conseguiu sustentar a sua família e formar seus filhos. Viúvo há 3 anos, ele faz do trabalho a sua terapia. De segunda a sexta-feira acorda às 4h da manhã para preparar tudo; “a merenda”, como ele fala.  Chega às 6h e fica até as 11h30. À tarde, se distrai fazendo palavras cruzadas.

Nem mesmo durante o período mais forte da pandemia, o Companheiro deixou de ir trabalhar. 

“Antes da pandemia eu perdi a minha esposa. No ano seguinte veio a pandemia, mas eu nunca esmoreci. Foi muito duro, mas deu tudo certo. Não peguei Covid, ninguém da minha família pegou e estamos aí, lutando e esperando a terceira dose. Nunca vi um período tão difícil. Morreu muita gente. E os que se salvaram tem que agradecer muito  a Deus. Perdemos o Galinho, locutor que era da Educadora (o radialista Carlos Henrique, o Galinho da Rádio Educadora faleceu no dia 28 de abril, por complicações da Covid-19). Dias antes ele tinha vindo aqui. Vinha todo dia. Essa doença é terrível não escolhe rico, pobre, preto, branco”, lamentou.

Há 44 anos naquele cantinho, não tem como não dizer que o Companheiro não integra a história da cidade. 

Quanto São Luís completou 400 anos, em 2012,  ele foi uma das 400 pessoas homenageadas na gestão da então governadora Roseana Sarney, com uma comenda graças ao seu cachorro-quente, considerado o  mais antigo de São Luís. “Quando eu for desta vida a placa vai comigo. Já disse lá em casa. Acho que essa placa eu ganhei porque eu vendia para ela quando ela estudava no Liceu. Aí acho que ela se lembrou, lembrou que eu ainda existia e me convidaram. Eu sou muito simples, mas aqui atendo do rico ao pobre”, disse.

Foto: Marcos Caldas/O Imparcial

“Eu cheguei a escrever um livro”

Agora, nos 409 anos de São Luís, ele elogia a beleza que está o Centro Histórico e fica feliz de poder ainda, aos 80 anos, trabalhar naquele local, que para ele é um dos locais mais bonitos ao lado da Madre Deus, Lira, Belira, que foi onde ele se criou.  “São Luís é muito bonita, esses prédios aqui desse jeito, com essa beleza, você não encontra em qualquer lugar não.  Eu cheguei a escrever um livro, leigo como sou, sobre São Luís, a São Luís antiga como eu conheci. Na época o saudoso jornalista José Ribamar Reis, que era meu amigo, se prontificou a me ajudar com esse livro, mas ele morreu, e eu abandonei”, lembrou.

São Luís é muito bonita, esses prédios aqui desse jeito, com essa beleza, você não encontra em qualquer lugar não

O vizinho, amigo e cliente  Emílio Rego, que presenciou a nossa entrevista, completou:  “Ele é um dos azulejos históricos da nossa cidade. Uma figura que merece ser homenageada, já vendeu mais de 400 bilhões de cachorros-quentes”, disse. E merece mesmo, por isso, José Carlos Nunes, é um dos nossos personagens especiais nos 409 anos de São Luís.

Tradicional

O cachorro-quente do Companheiro custa R$ 6 e é tradicional, ou como se costuma dizer: “raiz”. Leva pão francês, carne moída frita, alface, tomate, cebola, pepino e ervilha. Nada de ketchup ou maionese. Os clientes novos estranham a ausência desses complementos, mas os clientes antigos sabem que somente o molho que só vende lá é o suficiente.

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