Em busca da aprovação

Sputnik V: saiba tudo sobre a vacina russa

Mais de 31 mil voluntários estão participando do ensaio clínico pós-registro da Sputnik V na Rússia

Reprodução

A vacina contra a COVID-19 Sputnik V, desenvolvida pelo instituto russo de pesquisa Gamaleya, teve eficácia de 91,6% contra a doença, segundo resultados preliminares publicados nesta terça-feira (2/2) na revista científica The Lancet. A eficácia contra casos moderados e graves foi de 100%.

Mais de 31 mil voluntários estão participando do ensaio clínico pós-registro da Sputnik V na Rússia. Já o estudo de fase 3, que avalia a eficácia e a segurança do imunizante, envolve 20 mil voluntários nos Emirados Árabes Unidos, na Índia, na Venezuela e em Belarus. Ele continua em andamento para avaliar a proteção e possíveis efeitos colaterais em longo prazo.

A Sputnik V é a primeira vacina registrada do mundo baseada em vetor adenoviral humano. É aplicada em duas doses com um intervalo de 21 dias entre elas e já foi registrada em 16 países.

O custo de uma dose do imunizante para o mercado internacional é inferior a 10 dólares. Sua forma liofilizada (seca) pode ser armazenada entre 2 °C e 8 °C, o que facilita o envio para várias partes do mundo, incluindo regiões de difícil acesso.

Mais de 50 países já fizeram solicitações para que cerca de 1,2 bilhão de pessoas sejam vacinadas com a Sputnik V. Ela foi batizada em homenagem ao primeiro satélite espacial soviético, o Sputnik-1, lançado em 1957.

Como a Sputnik V funciona

A vacina usa uma tecnologia conhecida como vetor viral não replicante, que já é pesquisada há décadas pela indústria farmacêutica. É a mesma utilizada na vacina da AstraZeneca/Oxford.

Esse tipo de imunizante usa outros vírus inofensivos para simular a presença de uma ameaça mais perigosa no organismo. O objetivo é que esses vírus sejam combatidos, gerando uma resposta imune.

No caso da Sputnik V, ela é feita com adenovírus, responsáveis por causar resfriados em humanos. Eles foram modificados para não serem capazes de se replicar depois que entram nas células humanas.

Os cientistas inseriram neles as instruções genéticas para a produção de uma proteína característica do novo coronavírus, a espícula. Uma vez injetados no organismo, eles entram nas células e fazem com que elas passem a produzir e exibir essa proteína em sua superfície.

Isso alerta o sistema imunológico, que aciona células de defesa. Assim, ele aprende a combater o Sars-CoV-2 e protege uma pessoa se ela for infectada pelo vírus.

Segurança e eficácia

As duas primeiras fases dos estudos clínicos começaram na Rússia no final de junho do ano passado. Nelas foi investigado se a vacina, que é aplicada em duas doses, é segura e leva à produção de anticorpos. Cada fase teve 38 participantes.

Os resultados apontaram que só foram registrados eventos adversos leves e nenhum caso grave. Além disso, todos os participantes desenvolveram uma resposta imunológica capaz de combater o coronavírus e impedir a infecção por ele.

Com a aprovação nesses testes, partiu-se para a terceira e última etapa do estudo. Nela, é verificado se a vacina realmente consegue proteger contra a COVID-19. Os resultados preliminares, divulgados nesta terça (2/2), mostram eficácia de 91,6%.

O cálculo desse indicador foi feito com base em dados de 19.866 voluntários que receberam a primeira e a segunda doses da vacina ou do placebo. Desses, 14.964 tomaram a vacina e 4.902, o placebo (substância inativa).

No estágio final de controle, 78 casos confirmados de COVID-19 foram registrados, 16 entre os vacinados (0,1%) e 62 entre os não vacinados (1,3%), segundo o Instituto Gamaleya.

Outro resultado importante foi que o imunizante tem funcionado bem em indivíduos acima dos 60 anos. Na análise de um subgrupo com 2 mil idosos, a eficácia também ficou na casa dos 91%.

Com 21 dias após a primeira dose, não houve casos moderados ou graves no grupo que tomou a vacina e 20 casos foram registrados no grupo do placebo. Para os cientistas, isso equivale a uma eficácia de 100% contra casos de COVID moderada ou grave.

Além disso, nenhum efeito colateral sério foi associado à vacinação. A maioria dos eventos adversos relatados foram leves: sintomas semelhantes aos da gripe, dor no local da injeção e fraqueza ou baixa energia.

Autorização para uso no Brasil

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está analisando um pedido feito pela farmacêutica União Química, que pretende fazer estudos de fase 3 no país. A empresa tem, também, um acordo com o Instituto Gamaleya para transferência de tecnologia.

A União Química calcula que tem capacidade para fabricar e distribuir 150 milhões de doses do imunizante até dezembro deste ano. Ainda de acordo com a farmacêutica, o governo russo poderia enviar outras 10 milhões de doses ao Brasil ainda no primeiro trimestre.

Esse processo, porém, não pode ser iniciado sem o aval da Anvisa, tanto a respeito do imunizante quanto das fábricas onde ele será produzido. A União Química pediu a autorização emergencial no dia 15 de janeiro, mas a Anvisa não analisou o pedido, alegando que a empresa não apresentou os requisitos mínimos para esse tipo de solicitação.

No dia 22 de janeiro, a Anvisa enviou esclarecimentos pedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Sputnik V. O ministro Ricardo Lewandowski quer saber se a agência recebeu um pedido de uso emergencial da vacina, como está a análise e se há pendências.

Lewandowski é relator de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pelo governo da Bahia, que pretende aplicar a vacina na população, mas não pode fazer isso sem a permissão legal. Uma medida provisória (MP) editada pelo governo federal no início de janeiro regula a compra e uso de insumos e serviços relacionados à imunização contra a COVID-19. A MP prevê que só podem ser aplicadas vacinas registradas pela Anvisa ou que tenham sido autorizadas para uso emergencial.

Já a agência só pode dar permissão emergencial para imunizantes registrados pelas agências dos Estados Unidos, da União Europeia, do Japão, da China ou do Reino Unido. E esse não é o caso da Sputnik V.

O governo da Bahia, por sua vez, questiona a constitucionalidade dessas regras e alega que elas violam a dignidade humana e o direito à saúde dos cidadãos, além de impedir o Estado de cumprir seu dever de tomar medidas para reduzir o risco representado por uma doença.

Outro ponto levantado pelo governo baiano é que o objetivo da MP, de garantir a eficácia e segurança das vacinas, pode ser alcançado com o uso de uma vacina registrada por outras autoridades sanitárias de referência que não estão previstas na lei.

Além disso, ele quer uma liminar para poder importar e usar imunizantes registrados por uma agência certificada pela Organização Panamericana de Saúde (Opas), o braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) nas Américas.

O uso emergencial da Sputnik V já foi aprovado em alguns países-membros da Opas, como Argentina, Bolívia, Venezuela e Paraguai. Já o registro definitivo não foi aprovado até agora em nenhum deles.

Até o momento, a Anvisa autorizou o uso emergencial de apenas duas vacinas, a CoronaVac, do Instituto Butantan e a de Oxford/AtraZeneca, da Fiocruz.

Onde a vacina já foi aprovada

Rússia: a vacina foi registrada em 11 de agosto, antes mesmo da conclusão dos testes de eficácia. Foi a primeira no mundo a ser aprovada por uma autoridade sanitária. Mais de 800 mil pessoas já foram imunizadas no país.

Belarus: foi a segunda nação do mundo a conceder o registro para a vacina, em 21 de dezembro. O imunizante é aplicado na população desde o final de dezembro. Há também um acordo para viabilizar sua produção local.

Argentina: foi o primeiro país da América Latina a adotar a vacina. Em 23 de dezembro, ela recebeu uma permissão de uso emergencial. Tem um acordo para o fornecimento de 10 milhões de doses.

Emirados Árabes: o uso emergencial foi aprovado em 21 de janeiro, em meio à realização de testes de fase 3 no país. Os resultados ainda não foram divulgados, segundo a agência Reuters.

Hungria: o país deu uma autorização de uso emergencial ao imunizante em 21 de janeiro, sendo o primeiro membro da União Europeia a fazer isso.

Turcomenistão: o uso emergencial foi autorizado em 18 de janeiro, segundo autoridades russas.

Paraguai: o país autorizou o uso emergencial para a Sputnik V, no último dia 15.

Argélia: o país foi o primeiro do continente africano a permitir o uso emergencial do imunizante, em 10 de janeiro.

Bolívia: outro país da América Latina a aprovar o uso emergencial, em 6 de janeiro. Tem um acordo para o fornecimento de 5,6 milhões de doses.

Argélia: iniciou a vacinação com o imunizante no dia 31 de janeiro.

Venezuela: o uso emergencial da vacina foi autorizado no último dia 13. A expectativa é imunizar 10 milhões de pessoas, segundo as autoridades locais.

Palestina: o governo local conferiu o uso emergencial em 11 de janeiro e espera receber o primeiro lote de doses em fevereiro.

Sérvia: o país autorizou o uso emergencial da vacina, que já está sendo aplicada desde o início de janeiro.

Irã: autorizou o uso da Sputnik V em seu território no dia 26 de janeiro.República da Guiné: se tornou o primeiro país da África Subsaariana a aprovar a vacina, no dia 29 de janeiro.

Tunísia: liberou o uso do imunizante no dia 30 de janeiro.

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