ANÁLISE DA NOTÍCIA

6 pontos que tornam o lockdown em São Luís controverso e potencialmente tardio

Seu objetivo no combate à pandemia é coerente e eficaz. E quem o usou até aqui colheu bons resultados. Mas em São Luís o confinamento pode se mostrar dose exagerada para conter pandemia

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Lockdown, o fechamento total das atividades em São Luís e o confinamento histórico da população, tem a intenção de proteger o sistema de saúde. Ele reduz o contato entre pessoas e, consequentemente, a transmissão do vírus. Com menos infectados, há menos doentes em hospitais e assim o risco de lotação e colapso no atendimento aos enfermos é mitigado.

Seu objetivo no combate à pandemia é coerente e eficaz. E quem o usou até aqui colheu bons resultados. Mas em São Luís o confinamento exigido em decisão monocrática do juiz de interesses coletivos Douglas Martins e prontamente atendido pelo Governo do Estado pode se revelar uma medida tardia, controversa e de consequências imprevisíveis.

6 pontos mostram que confinar os ludovicense em casa por 10 dias pode não se mostrar a solução adequada para o momento.

1. Casos começam a reduzir

Assim como no Brasil, os números revelam que São Luís pode estar vivendo o pico da pandemia. Na tarde da última quinta, quando o juiz resolveu exigir o confinamento a partir do dia 5 de maio, 386 novos casos apareceram no boletim liberado na quarta a noite. Foi o maior aumento de casos em um único dia já registrado. Mas isso tem uma explicação: essa semana os testes saltaram de 5535, no dia 23, para 8769, no dia 2. Um aumento de 58,5%. Portanto, quanto mais testes, mais casos. É um resultado natural.

Desde o pico de 386 casos em um dia, porém, novos casos registram redução. Na quinta foram 316, na sexta 299, e no sábado 235. Queda gradual de 40%. E o número de infecções descartadas também subiu drasticamente em uma semana, de 3685 para 4473. Se na semana que se inicia houver um arrefecimento dos casos e óbitos, vagando mais leitos, o lockdown estará em xeque?

Gráfico da SES.: aumento de testes elevaram casos novos, mas últimos três dias foram de queda.

2. Curados aumentam rápido

Desde o início da pandemia, a velocidade de cura tem aumentado. E na última semana atingiu seu ápice. Do total de 927 pessoas recuperadas do vírus desde o primeiro caso, em 20 de março, 670 ocorreram nós últimos sete dias. O número de altas hospitalares também aumenta e reduz a pressão sobre o sistema de saúde. Se o ritmo de alta dos recuperados continuar, poderemos ver mais leitos vagos para coronavírus no estado.

3. Sobram leitos no interior

O último boletim, divulgado no sábado a noite, revelou uma ocupação de 93,79% nos leitos de UTI na capital. Uma posição perigosa. Porém, já vivida em dias anteriores, quando 100% dos leitos em São Luís estiveram ocupados por um dia. Já quanto aos leitos clínicos, a situação é melhor: 30% estão vagos.

No interior, porém, a realidade é diferente e bem mais confortável. Por lá sobram leitos de UTIs. Apenas 19% do total estão ocupados. 65 UTIs estão vagas. Leitos clínicos? 12% estão ocupados. Há 106 deles aguardando pacientes infectados.

Desde o início da pandemia São Luís é o epicentro do vírus, com praticamente 90% dos casos. Ainda assim, a transferência de pacientes e/ou mesmo de leitos poderia mas não foi sistematizada antes da decisão do lockdown.

Dados do boletim de sábado a noite da Secretaria de Saúde: leitos vagos no interior. Imagem da SES.

4. Mortes por data diminuem

Há um gráfico pouco divulgado pelas autoridades mas que se revela muito importante para analisar a evolução da pandemia. São as mortes por dia. No boletim do governo, ela está em baixa. Desde março, o pico ocorreu dia 22 de abril, com 21 mortes em um dia. De lá pra cá, o número estabilizou entre 7 a 10 mortes a cada dia.

Números mudam diariamente, mas revelam estabilidade nos óbitos

Importante entender: os números confirmados por dia não são de mortes diárias. Uma morte confirmada hoje pode ter ocorrido na semana passada, por exemplo. É que só se pode dizer que uma pessoa morreu de coronavírus após confirmação do exame, o que leva dias. Não há como saber se a tendência é de baixa. Porque as colunas do gráfico mudam diariamente. Porém, pelo boletim divulgado neste sábado as duas últimas semanas mostram que o pior pode estar passando.

5. Mais leitos e respiradores à caminho

Na mesma semana em que o juiz Douglas decidiu que vai confinar a população, Flávio Dino anunciava mais leitos de UTI. 27 foram entregues na quarta. Nesta semana, outras dezenas estarão prontos. Em maio São Luís ganha um total de 130 leitos para coronavírus, segundo o governador. Muitos de terapia intensiva. E mais respiradores chegarão. Isso irá, sem dúvida, estruturar e estabilizar o sistema de saúde.

6. Não houve fiscalização forte ou fechamento de pontos de aglomerações

Movimento cresceu na Rua Grande e quando atingiu seu auge, ela foi interditada

O discurso do governo é claro: “fique em casa”. Tanto o governador Flávio Dino quanto seu secretário de saúde, Carlos Lula, repetem o sermão diariamente. Porém, a estrutura do governo estadual não trabalhou forte para evitar aglomerações nem em bancos e nem em outros pontos, como supermercados ou feiras livres. Muitos poderiam ter sido interditados cirurgicamente, mas nada foi feito.

Lojas do Mateus, por exemplo, viraram símbolo de aglomeração e filas, bem como bancos. Na Rua Grande, por exemplo, que se transformou no argumento maior para impor o lockdown, lojas operavam de porta baixa e até ambulantes continuavam a vender.

Pode-se imaginar que uma atuação cirúrgica, forte e antecipada em pontos de aglomerações já conhecidos pudesse ter evitado o incômodo lockdown que a população vai enfrentar.

Mais emoção do que técnica?

Juiz Douglas de Melo Martins, titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos de São Luís

A medida extrema de confinamento imposta pelo juiz Douglas Martins e avalizada pelo governo sem dúvida se revelará eficaz e poderá inclusive achatar mais ainda a curva de infectados pelo Covid-19. Mas soa uma medida mais emocional e política do que técnica, já que não considera as consequências econômicas, sociais e mentais à população e parece não ter analisado com propriedade o contexto da pandemia em São Luís. Afinal, qual o conhecimento técnico em infectologia ou saúde pública tem a Vara de Interesses Difusos e Coletivos para decidir sobre tema tão sensível à população e marcante para história social da cidade?

Vale refletir: se estivermos no pico e nesta semana os casos e mortes começarem a reduzir (no boletim deste sábado foram 13 óbitos confirmados, menor marca dos últimos cinco dias) o lockdown terá se tornado um remédio forte demais para um paciente que da sinais de estabilidade.

Uma injustiça contra a maioria?

Sem dúvida as imagens da Rua Grande lotada pressionaram para que Justiça e Governo se unissem em favor do lockdown. Mas nem de longe a maioria da população vem quebrando as recomendações. Há uma maior parte que leva a sério e segue rigorosamente as recomendações do afastamento social. Pessoas que saem só em casos de força maior e estão sempre de máscaras, evitando proximidade, filas, aglomerações e o contágio. Essas pessoas, agora, sofrerão as dificuldades do confinamento.

O futuro da pandemia na capital é incerto. E o tempo revelará as consequências e dirá se o o confinamento total por 10 dias foi mesmo uma decisão inteligente do juiz Douglas Martins. A evolução (ou involução) do vírus em São Luís é o principal dado. E a próxima semana será crucial.

*Este texto não faz previsões. Reflete uma opinião jornalística e traz números baseados em relatórios da própria Secretaria de Saúde do Maranhão.

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