LUTO

O mundo reggae está desolado

Artista maranhense conhecido nacionalmente na cena do reggae, Gerson da Conceição deixa um legado de composições, arranjos e produções em sua carreira como músico e cantor

Reprodução

Foto: Honório Moreira

Foram inúmeras as reportagens que fizemos com Gerson da Conceição, o Mano Bantu, em  O Imparcial. Sempre que estava em São Luís, ele vinha à redação  com uma novidade, um projeto, algo novo para contar.  Show solo, tributo a Bob Marley, projeto  BR-135, participações em shows, workshops … Gerson sempre dava um jeito de estar em São Luís. Morando em São Paulo desde 2002, o músico faleceu no último dia 22, na capital paulista, aos 52 anos, onde foi enterrado por decisão da família.

Gerson esteve em São Luís no início deste mês para o show Revival, no Créole, na Lagoa da Jansen. O evento teve a participação da Banda Vila Verde, Crioulo d´ fé, Tássia Campos, Pretto Nando, dos Dj´s Neto Muller e Andrezinho Vibration.  No show o músico fez uma viagem no tempo, resgatando os sucessos que marcaram a trajetória da Banda Mano Bantu. “Vamos cantar clássicos como: Dow Dow, Lady, e músicas do primeiro disco Nego Banto. Será uma grande festa para relembrar quando fazíamos show no Creole que sempre foi uma casa que nos recebeu desde o início”, disse o cantor ao jornalista Samartony Martins.

O artista deixou um legado infindável para a música, para o reggae. Foram inúmeras as produções e participações com outros artistas de renome como,  Zeca Baleiro, Rita Benneditto, Banda Black Rio, Tribo de Jah dentre outros.

Na mais recente entrevista que deu a O Imparcial, revelou seus planos internacionais, inclusive, como o projeto da banda New Rockear´s que se preparava  para lançar um single nas plataformas digitais, e estreou em 2015 no Festival Reggae On The Mountain, em Los Angeles. Na entrevista, ele revelou que o lançamento do novo álbum estava previsto para maio. “Este é um projeto internacional, a previsão é que a gente faça o lançamento nos Estados Unidos, neste verão ou no verão do próximo ano. Neste projeto eu faço a direção, os arranjos. Eu gravo tudo aqui em São Paulo mando para o Jhagun, ele bota a voz lá e depois envia para mim novamente. E mixo tudo no estúdio. Estamos em fase de finalização. Mas o que está certo é que vamos lançar um single agora em maio”, disse o cantor na época.

A repercussão da partida repentina do músico,  um dos artistas  mais conhecidos do reggae nacionalmente, vítima de infarto fulminante, foi grande. Amigos, parceiros da música e admiradores do seu trabalho, todos ficaram sem acreditar.

O produtor e DJ Marcus Vinícius teve a honra de produzir (junto com Joaquim Zion)  em fevereiro de 2015, no Projeto Sexta do Vinil, um tributo aos 70 anos de  Bob Marley, no Porto da Gabi, ocasião em que foi lançado o selo Bob Marley 70. Gerson da Conceição e banda foram uma das atrações da festa com um repertório especial baseado nos grandes clássicos de   Bob Marley.

“Foi uma tragédia para nossa música. Um artista cheio de planos, projetos, divulgador do nosso reggae…, o Maranhão está órfão de grandes músicos de qualidade como Gerson da Conceição.  O reggae maranhense perdeu um de seus maiores nomes. Gerson da Conceição de fato era, ou é, o maior baixista desse país. Músico, arranjador, produtor,  baixista, amigo, filho da terra que morre precocemente, e a gente só tem a lamentar pela história que esse homem construiu no roots reggae”, lamentou Marcus Vinícius.

Para Ademar Danilo, gestor do Museu do Reggae, Gerson foi dos maiores nomes do reggae brasileiro, não apenas maranhense e que em suas composições aliava a própria música com o sentimento do reggae roots.

 “Gerson gravava com grandes artistas do cenário nacional,  já estava  iniciando uma carreira internacional, fez excursão ao lado da Tribo de Jah. Todos estamos desolados. O mundo reggae está desolado porque nos perdemos uma grande pessoa, não apenas um grande artista, mas um homem generoso, uma pessoa genial, sempre disposto a colaborar  com os amigos. Conseguia juntar a própria música com o sentimento do reggae roots que o maranhense tanto ama e que ele ajudava a espalhar pelo Brasil. Ele deixa saudade. Era um grande cara”, comentou Ademar.

Lacuna no cenário musical

Muitos artistas de todo o Brasil deixaram suas mensagens na página do artista em suas redes sociais. Artistas como Rosa Reis. “Poxa. O Gerson não esteve esse mês aqui fazendo show no Créole? Perdemos grande músico e grande pessoa. Vamos sentir muito sua falta. Muitas lembranças da época que comecei a fazer show na Ilha. Gerson era nosso baixista. Tocamos muitos anos juntos muitas pedras rolavam no show. Siga na paz meu irmão”.

Tássia Campos escreveu: “Sem acreditar ainda. No começo do mês estávamos juntos e fazendo planos pra esse ano em SP. Obrigada, Gerson”.

Salomão Di Pádua lamentou, “Um desses amigos que a gente perde de vista e, no entanto, nunca deixa de admirá-lo. Nos conhecemos no MPM de Cara Nova (1992), época frutífera da música maranhense, no Teatro João do Vale, ao lado de outros talentosos artistas como Regina Oliveira, Anna Torres, Ivandro Coelho, Jorge Macau, Soraya Alhadef, Célia Sampaio, Zé Carlos Daffé. Essa admiração e respeito, pela pessoa e artista que Gerson da Conceição representa, será eterna. Fique em paz, siga em paz!”.

Artistas da nova geração também se manifestaram, como Domingo Thiago e Rommel Ribeiro. “Gerson era um ser humano incrível! A genialidade musical dele era tipo aquele sorriso estampado que não sumia nunca… A primeira vez que falei com Gerson, foi num show da Página57. Eu tava começando a caminhar no mundo da música, e Gerson chegou naquele jeitão dele ‘Tu fez um negócio doido ali na guitarra’ e eu comecei a rir porque certamente tinha sido um negócio doido mesmo. A real é que ele tava se referindo à forma de como a gente tava se doando pra aquilo, que a missão era aquela. Emocionar. Espero que na linha do tempo que tu estiver agora, tu possa ta emocionando geral, exatamente como tu fez por aqui”, disse Domingos Thiago.

Rommel Ribeiro postou: “Grande Mestre e ídolo, de sorriso fácil e cheio de luz; coração imenso; sereno e afetuoso; de um amor profundo e incondicional pela música; de groove poderoso e inconfundível! Tá difícil acreditar que você teve que nos deixar! Agradeço à Deus pela benção que foi ter você nas nossas vidas! Obrigado por tudo, meu irmão, Gersão! Te amo pra sempre!!! Descanse em paz!”

A paixão pelo reggae

Em uma longa entrevista que Gerson deu a O Imparcial em 2012, eu perguntei a ele se tinha  vontade de retornar com a primeira formação da banda em um CD, que era um sonho dele. Ele estava em São Luís, junto com a banda,  a convite do coletivo Criolina, de Alê Muniz e Luciana Simões para uma apresentação no projeto BR-135. Depois da apresentação com a formação original da Mano Bantu, teve repeteco no  Bar do Nelson (Calhau), com as participações de Vagner Roots e do DJ Waldiney Reggae Point.

“O que era pra ser descanso acabou virando trabalho, mas tudo isso faço com muito prazer, afinal, escolhi a música pra minha vida. Gosto muito de tocar no Nelson porque tem uma energia muito boa. Tem ali a praia e a questão de tocar perto das pessoas, de receber esse calor humano. Ter esse contato é muito gratificante e aceitei com prazer o convite. Outro lugar que tenho vontade de tocar é no Creóle, mas quem sabe de uma outra vez”, contou Gerson, mal sabendo ele que sua última apresentação na Ilha seria no local em que ele gostava tanto de tocar.

Ao longo da carreira em São Paulo Gerson produziu os  três CDs da Mano Bantu (a banda se firmou no cenário do reggae bazuca com um repertório que vai desde composições próprias a covers de Bob Marley e Steel Pulse, suas principais influências), fez a trilha sonora do filme Jardim Beleléu, protagonizado por José Wilker, Talma de Freitas e Flávio Bauraqui, produziu faixas de CDs de Zeca Baleiro, como Pet Shop Mundo Cão, nas faixas Guru da Galera, Eu Despedi o Meu Patrão, Flores do Asfalto; parceria com a Black Rio nas composições, arranjos e produção, entre outros projetos.

De formação bastante eclética, ele começou a carreira acompanhando músicos maranhenses. Estudou  violão clássico na Escola de Música, mas não chegou a se formar. Comecou a estudar Engenharia na UEMA (Universidade Estadual do Maranhão), mas também largou.  “A música era meu caminho. A música falou mais alto, é pra mim muito gratificante. E agora, depois de velho to fazendo faculdade de música (risos), trabalhando com arranjos que é o que gosto”, disse ele na época. Nessa faculdade Gerson conseguiu se graduar. Formou  em música pela Faculdade Paulista de Artes (FPA).

A Mano Bantu

Liderada por Gerson da Conceição (baixo e voz), a banda surgiu em  1997 mostrando suas influências africanas através dos ritmos folclóricos do Maranhão, fundindo-os com os vários gêneros do reggae ( ska, rock steady, lovers rock e dub) daí a adoção do nome “Bantu”, grupo etnico-linguistico africano com grande influência na cultura popular brasileira. A banda utilizava elementos rítmicos do folclore maranhense, como o boi de zabumba, fundindo-os com o reggae jamaicano. A banda  gravou seu primeiro álbum independente intitulado “Nego Banto” em 1999.

Integraram a banda ainda os músicos  Moisés Mota (bateria e backing vocal), Celsinho Black (percussão), Dudu Zappa (teclados), Rodrigo (guitarra), Eduardo “Du Trumpete” (trumpete) e Beavis (teclados).


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