Lei de Cotas

Cotas: de quanto é necessário para se declarar indígena?

Por tentar utilizar a cota referente à sua etnia, a indígena Amanda Gabrielle acabou tendo sua matrícula cancelada por uma medida que deveria facilitar sua inclusão na universidade

Amanda. Foto: Arquivo Pessoal

Por tentar utilizar a cota referente à sua etnia, a indígena Amanda Gabrielle acabou tendo seu curso interrompido por uma medida que deveria facilitar sua inclusão na universidade. A resolução que surgira a fim de evitar fraudes trouxe consigo a burocracia, que, no fim, fez o prejuízo sobrepor-se ao ganho.

Amanda, de 20 anos, é descendente direta de Tupinambás e cresceu no povoado de Cocal, em Cururupu, interior do Maranhão. Ao passar no curso de Design da Universidade Federal do Maranhão, no meio do ano passado, escolheu ingressar pelas cotas para indígenas – conforme lhe assegura a legislação.

No Brasil, a Lei de Cotas, regulamentada em 2012, reserva uma porcentagem das vagas de cada curso a pessoas que se autodeclararem pretas, pardas ou indígenas. Para combater possíveis fraudes, a reitora da UFMA, Nair Portela, assinou em 2018 a Resolução Nº 1710-CONSEPE, que invoca uma “Comissão de Validação” para averiguar o pertencimento do indivíduo autodeclarado indígena àquela etnia.

Segundo a UFMA, a Comissão de Validação exige do candidato um documento com assinatura de duas lideranças indígenas comprovando sua origem e, posteriormente, o envia à FUNAI para que ela procure a comunidade e comprove o pertencimento do indivíduo.

“A Funai se baseia na autodeclaração (isso é, na declaração de indígena do próprio indivíduo) e na heterodeclaração (isto é, na declaração da comunidade da qual aquele indivíduo faz parte). Os processos de ingresso em universidade por cotas respeitam a respectiva legislação e tem a ver com processos internos das universidades, as quais devem compor uma comissão para avaliar o contexto de cada candidato. Não é papel da Funai compor essa comissão”, esclarece a Fundação.

Enquanto o processo acontece, é emitido o deferimento provisório da matrícula – o que ocorreu com Amanda, que chegou a começar o curso mas foi surpreendida com o cancelamento de sua matrícula, a perda do auxílio Bolsa Permanência e do acesso ao restaurante universitário.

Caso a comunidade confirme, a matrícula é deferida e o estudante pode continuar em seu curso. Caso não, a vaga é perdida. “No processo de avaliação, quando foi para a FUNAI, não houve reconhecimento dela enquanto indígena”, explica a UFMA, sobre a situação da jovem.

Foto: Arquivo Pessoal

A justificativa exposta pela UFMA foi que a comunidade de Amanda havia se declarado à Fundação Cultural Palmares – portanto, como Quilombola – e não indígena. “A minha cidade foi descoberta e povoada pelos Tupinambás. Em 2012, registraram como Quilombola pra não perderem as terras. A comunidade nunca teve assistência nenhuma da FUNAI”, declara a jovem.

Dessa forma, a referida candidata não se autodeclarou como indígena nem obteve a revalidação de sua autodeclaração por lideranças indígenas, não cumprindo os requisitos acima explicitados, construídos com base na demanda das lideranças e comunidades indígenas, defendidos na audiência pública, e que constam do edital n.o119/2018. Também não poderia ser reconhecida como indígena com base no que tem sido proposto por teóricos da Antropologia que pesquisaram os processos de identificação étnica, nem considerando o acordo internacional 169, da OIT, do qual o país é signatário.


Trecho da carta da Universidade Federal do Maranhão que indefere a matrícula da estudante

A defesa da estudante considerou o processo da universidade como superficial e alega que, “apesar de ser considerada quilombola [em um âmbito Federal], tem descendência direta dos indígenas”, que foi provada pela documentação exigida, “bem como possui o claro fenótipo que a enquadra na cota”. Ainda segundo a advogada, a comunidade de Amanda “foi extinta por questões técnicas e externas a ela”.

O Defensor entrou com um pedido de liminar para a aluna volte a assistir aulas e a receber a Bolsa. Foi encaminhado ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), à FUNAI e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). “Eu enviei tudo. Todos os documentos, documento histórico da minha comunidade, da minha cidade, foto, endereço dos meus pais… Então, agora, eu preciso esperar”, conta.

A situação da indígena tentando conquistar a vaga na universidade – e a um lugar na sociedade como pertencente à própria etnia – comoveu amigos e universitários, que contaram sua história nas redes sociais tentando mobilizar pessoas a agirem em prol de Amanda. A recomendação da universidade foi que a jovem faça novamente o seletivo para entrar na universidade, mas, desta vez, utilizando a cota para quilombolas – o que ela se recusa a fazer.

“Eu não sou quilombola, eu sou indígena. Quando eu passei pela cota de indígena, é porque eu me identifico assim. É isso que a universidade não quer entender: é muito mais uma questão de identidade do que de querer uma vaga”, afirma. “Eu quero estudar a cultura, a arte do meu povo. Eu quero justiça, só isso”.

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