Com inclusão, municípios terão acesso a políticas públicas e financiamentos diferenciados
Com o acréscimo das novas localidades, o mapa do semiárido atualmente passou a ter 1.262 municípios e uma população total de 27.870.241 habitantes, com densidade demográfica de 25 hab/km²
Os municípios de Timon e Araioses entraram para o mapa do semiárido brasileiro. Com essa nova configuração, o semiárido conta com mais 73 municípios distribuídos em sete estados: Bahia (9), Ceará (10), Maranhão (2), Minas Gerais (6), Paraíba (24), Pernambuco (1) e Piauí (21). A medida foi aprovada recentemente pelo Conselho Deliberativo (Condel) da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), presidido pelo ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho.
Com esta inclusão, os municípios terão, como os demais já detém, o acesso às políticas públicas e financiamentos governamentais diferenciados, necessários às carências que rondam todos eles. Além de financiamentos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), outros benefícios como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com linhas de financiamento com taxas a 1% ao ano, fazem parte dos subsídios das cidades que estão no semiárido, ou seja, participarão de uma série de benefícios sociais diferenciados que ajudam a amenizar as condições de vida das populações que ali sobrevivem.
As áreas definidas no ecossistema do semiárido apresentam características climáticas, de solos, de cobertura vegetal e, por consequência, de fauna nativa bastantes peculiares. Para entender um pouco mais sobre o que essa inclusão significa para o estado, conversamos com José de Jesus Sousa Lemos, maranhense de Bequimão, engenheiro agrônomo, doutor e pós-doutor, professor titular na Universidade Federal do Ceará, coordenador do Laboratório do Semiárido – LabSar.
Lemos estuda o semiárido há bastante tempo. Os resultados do estudo apresentados pela Fiema, um dos órgãos responsáveis por trazer à tona o debate, levou em conta dados do Censo Demográfico do IBGE de 2010 e os PIB dos municípios publicados pelo IBGE em 2009, como indicadores de exclusão de educação, renda, água, saneamento e coleta de lixo.
O tema Nordeste é recorrente no trabalho do pesquisador. “O semiárido faz parte do acervo das minhas preocupações de estudo e de trabalho, porque uma boa parte do Nordeste Brasileiro (incluindo o Maranhão) tem territórios e populações sobrevivendo sob esse regime climático. As áreas inseridas no clima semiárido fazem parte de um grupo de áreas chamadas de ‘terras secas’, que incluem climas hiperáridos, áridos, semiáridos e subsumidos secos”, explica o professor.
Segundo ele, no semiárido brasileiro, além do Nordeste, uma parte do território de Minas Gerais, ao norte do estado, também há municípios com características de semiárido, inclusive já reconhecidos politicamente pelo governo federal.
Seis perguntas para o professor José de Jesus Sousa Lemos
O Imparcial – O que o motivou a estudar o tema?
José de Jesus Sousa Lemos – A motivação está ancorada nessa sinergia de situações, o que me levou a ter preocupação especial com o Semiárido Brasileiro. Na coluna que eu assino aos sábados em O Imparcial desde abril de 2004, o tema Semiárido é recorrente. Em 1995, eu morava nos Estados Unidos e era professor visitante na Universidade da Califórnia. Naquele ano, eu escrevi e publiquei um trabalho em inglês, cujo titulo em português é: Desertificação nas Terras Secas do Nordeste Brasileiro. Tenho orientado trabalhos acadêmicos envolvendo o tema Semiárido, Desertificação e pobreza nessas áreas. Então, este é um tema muito caro na minha vida acadêmica.
O Imparcial – O que muda com a entrada do Maranhão no Semiárido Brasileiro?
José de Jesus Sousa Lemos – Há políticas públicas específicas para o Semiárido Brasileiro, com isso, as populações desses municípios terão acesso a elas. A Constituição de 1988 criou o Fundo Constitucional do Nordeste (FNE). A Lei nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, estabelece no seu § 2º o seguinte: No caso da região Nordeste, o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste inclui a finalidade específica de financiar, em condições compatíveis com as peculiaridades da área, atividades econômicas do Semiárido, às quais destinará metade dos recursos ingressados nos termos do art. 159, inciso I, alínea c, da Constituição Federal. As áreas semiáridas, juntamente com as áridas e subúmidas secas, estão incluídas naquelas que estão sujeitas ao Processo de Desertificação. Este processo é tanto mais difícil de reverter, quanto mais demoradas foram tomadas as atitudes. Sem o reconhecimento político por parte do governo federal através do Ministério da Integração Nacional, de que o estado do Maranhão tem Semiárido, ficaria impossível o estado ser beneficiado por políticas de combate à desertificação e àquelas que trazem benefícios para populações carentes.
O Imparcial – Por que o estado não havia sido inserido antes?
José de Jesus Sousa Lemos – Até aonde eu entendo, parece que há certo tabu, ou talvez desconhecimento, entre os tomadores de decisão política no Maranhão acerca do que significa o reconhecimento político do estado fazer parte do Semiárido. Em alguns casos, há desconhecimento da realidade do estado. Muitos imaginam que o Maranhão é homogêneo na distribuição de chuvas. Como temos uma parte com características amazônicas e no litoral chove bastante, muitos, equivocadamente, intuem que essa é a regra em todo o estado. Não é. O leste do Maranhão, a parte que faz fronteira com o Piauí, tem regime pluviométrico bastante irregular, intermitente e com as características que eu falei acima.
Como os recursos do FNE são limitados e, na minha avaliação, a redação da lei que o regulamenta está equivocada, os políticos dos demais oito estados e os de Minas Gerais imaginam que nós, maranhenses, vivemos sob regimes pluviométricos abundantes e falar em Semiárido no Maranhão passava como coisa de quem estava vendo fantasmas. Coisas assim.
O Imparcial – O que motivou essa mudança?
José de Jesus Sousa Lemos – Esta é uma longa história. Do meu conhecimento, de uma forma mais incisiva, ela começou em 2005. Eu era secretário de Estado no Governo José Reinaldo, e todos que conhecem os meus trabalhos sempre souberam que o tema Semiárido sempre fez parte das minhas preocupações. Então, os colegas da Associação do Semiárido (ASA) me procuraram no Gabinete de Secretário propondo que a Secretaria ajudasse em ações no Semiárido Maranhense que, por aquela época, imaginava-se a sua existência, mas não se sabia dos contornos. Os colegas do Núcleo de Georeferenciamento Ambiental da Uema (Nugeo) tentavam fazer esse trabalho. Contatamos e eles nos mostraram um trabalho que sugeria que quinze (15) municípios maranhenses tinham indicadores técnicos compatíveis com o que é reconhecido internacionalmente como Semiárido.
Elaboramos um documento conjunto e entregamos ao governador. A então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, visitava o Maranhão, e o governador aproveitou para entregar em mãos aquele documento. Ato contínuo, o governador Zé Reinaldo também enviou uma cópia para o então ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Até aonde eu sei, esses ministros jamais mandaram respostas àquele pleito.
O Imparcial – Mas o trabalho continuou?
José de Jesus Sousa Lemos – Continuei levando o trabalho para congressos científicos nacionais e internacionais. Em 2016, a Revista Geografares, que é ligada aos programas de Mestrado e Doutorado em Geografia na Universidade Federal do Espírito Santo, publicou um artigo meu em que eu mostrava que o Maranhão tinha Semiárido.
Paralelamente, claro, eu escrevi, somente neste ano, ao menos dez textos na coluna que assino aos sábados em O Imparcial, tentando mostrar para os maranhenses e para os fazedores de política no estado a importância de todos trabalharmos para colocar o Maranhão na Geografia Política do Semiárido Brasileiro. Nada disso convenceu os técnicos que subsidiam o Conselho Deliberativo da Sudene (Condel/Sudene), que é a instituição que define quem faz e quem não faz parte do Semiárido. Naquela reunião, o Maranhão sequer foi cogitado para fazer parte do Semiárido.
Finalmente no dia 23 de novembro deste ano, o Condel se reuniu na sede do BNB (Fortaleza) e reconheceu apenas dois municípios (Araioses e Timon) que estavam em todas as relações que apresentamos anteriormente.
O Imparcial – Sim. Porque eram 15 municípios…
José de Jesus Sousa Lemos – Os documentos que apresentamos, inclusive explicitando a metodologia mundialmente reconhecida, mostra que o Semiárido Maranhense vai muito além de Araiose e Timon. Vale ressaltar que a injustiça, neste caso, não se deu pela inclusão desses municípios, mas pela exclusão dos demais. Pareceu a mim que os técnicos que subsidiaram os conselheiros do Condel sugeriram aqueles dois municípios porque ficaria feio para eles incluírem municípios cearenses, paraibanos e baianos (que fizeram por merecer porque são de fato Semiárido) e não incluir o Maranhão.
Continuaremos na luta para que em 2021, quando for realizada a próxima revisão do Semiárido, possamos incluir mais municípios maranhenses. Mas precisamos do apoio dos políticos maranhenses. Da forma que o fazem os daqui do Ceará, da Paraíba, Bahia, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais. Inclusive com o engajamento firme do governo do estado.