Cobertura vacinal no Maranhão cai para 26,57% em 2017
Especialistas alertam sobre os perigos da proliferação de um movimento antivacinação, que pode aumentar os casos de doenças como o sarampo ou adiar a erradicação da pólio
Embora o Brasil tenha um dos mais reconhecidos programas públicos de vacinação do mundo, com os principais imunizantes disponíveis a todos gratuitamente, vêm ganhando força no país grupos que se recusam a vacinar os filhos ou a si próprios. Esses movimentos estão sendo apontados como um dos principais fatores responsáveis por um recente surto de sarampo na Europa, onde mais de 7 mil pessoas já foram contaminadas. No Brasil, os grupos são impulsionados por meio de páginas temáticas em redes sociais que divulgam, alheios a uma base científica, supostos efeitos colaterais das vacinas.
O avanço desses movimentos já preocupa o Ministério da Saúde, que observa queda no índice de cobertura de alguns imunizantes oferecidos no Sistema Único de Saúde (SUS). No ano passado, por exemplo, a cobertura da segunda dose da vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, teve adesão de apenas 76,7% do público-alvo.
No Maranhão, dados do DataSus apontam que houve decréscimo na cobertura. Em 2015, a cobertura foi de 94,40%; em 2016, 43,38%; e em 2017, 26,57%. Embora os motivos dessa baixa sejam os mais diversos, e não se possa estabelecer uma relação direta de causa e efeito, nos últimos dois anos houve uma leve queda na cobertura vacinal de algumas das 14 imunizações destinadas a crianças no Calendário Nacional de Vacinação.
A coordenadora do Departamento de Doenças Imunopreveníveis da Secretaria de Estado da Saúde, Maria Helena Almeida, destaca a importância da vacinação em todas as faixas etárias. “Você só consegue imunidade contra uma doença imunotransmissível, contraindo a doença ou com a vacina. Agora a doença traz sequelas graves que podem chegar a óbito. Então, é preferível vacinar do que esperar o pior”, avisa.
A disseminação de informações contra as vacinas ocorre principalmente em grupos de redes sociais. Nesses espaços, os pais compartilham notícias publicadas em blogs, a maioria de outros países e em inglês, sobre as supostas reações às vacinas. Os pais também trocam informações para não serem denunciados, como não informar aos pediatras sobre a decisão de não vacinar os filhos, e estratégias que eles acreditam que garantiram imunização das crianças de forma alternativa, com óleos, homeopatia e alimentos.
Sem querer divulgar seu nome, segundo ela, para não ser julgada, a microempresária Ana Luísa (nome fictício) diz que sempre foi contrária a vacinas. Ela, que tem dois filhos de 2 e 5 anos de idade, conta que o filho mais velho recebeu as primeiras vacinas a contragosto dela, mas as outras, não. E a filha mais nova só recebeu a BCG. “Há uma reação negativa quando você diz que não vacina uma criança, mas eu tive minha filha por parto normal, em casa, parei de trabalhar para ficar o máximo com ela, dou alimentação saudável e cultivo bons hábitos. É isso o que garante a imunidade da criança, não é a vacina”, diz ela, adepta de ioga.
A família, assim como a escola dos filhos de Ana, não sabe que as crianças não são imunizadas. “Acho que é uma decisão que só cabe a mim. Todos fazemos tratamento com homeopatia. As vacinas atrapalham essa imunização natural que desenvolveram”, argumenta.
Antivacinas
Embora pequeno no Brasil, o movimento pode acabar influenciando outras pessoas. O risco, segundo especialistas, não traz consequências apenas individuais: a queda na cobertura vacinal pode causar problemas de saúde pública.
Vacinar é uma das formas mais efetivas e de menor custo para reduzir a mortalidade infantil, conforme a Organização Mundial da Saúde. No entanto, Europa, Estados Unidos e, aos poucos, Brasil, precisam lidar com uma pedra no sapato: pais que se recusam a vacinar as crianças. A escolha, aparentemente individual, afeta todo mundo: a lógica da vacina é que imunizar uma população impede que o vírus se propague. Portanto, quanto mais pessoas vulneráveis, mais chances o agente invasor tem de causar doenças.
“A gente sabe que no exterior tem os grupos antivacinas muito fortes, e justamente por isso, que as doenças que não ocorriam mais estão voltando. Por exemplo, no Brasil nós não temos casos de poliomielite, mas na Ásia, África, continua tendo. No Brasil foi a vacina que impactou o avanço da doença, foi capaz de erradicar. Mas se a população não valorizar a vacinação, doenças como essa podem voltar. Temos casos de doença que tinha havido redução e o número de casos tem aumentado, como a coqueluche, que é uma doença grave e tinha reduzido o número de casos. Essas vacinas tem que ter os reforços. O que tem acontecido é que de 2014 pra cá tem aumentado consideravelmente algo que pode ser prevenível com vacina”, afirma Helena Almeida.
Em geral, as motivações envolvem medo, religião ou desconhecimento. Atualmente, o mais comum é vermos famílias que têm medo da imunização por creditarem a ela sinais de baixa na imunidade e efeitos colaterais, além do aparecimento de novas doenças. Há também pais que não sabem que existe vacina para determinada doença, então não leva o filho para tomar a medicação. E, menos comum hoje em dia, mas ainda existente, é a motivação religiosa daqueles que acreditam que se Deus mandou uma doença é porque ela tem razão de ser e não deve ser combatida.
“Há uma reação negativa quando você diz que não vacina uma criança, mas eu tive minha filha por parto normal, em casa, parei de trabalhar para ficar o máximo com ela, dou alimentação saudável e cultivo bons hábitos. É isso o que garante a imunidade da criança, não é a vacina”, comenta Ana Luísa
Menor cobertura
Em 2016, o Brasil registrou a menor cobertura vacinal dos últimos 10 anos, segundo o Programa Nacional de Imunizações. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2017, foram registradas mortes por sarampo em países como Alemanha, Portugal, Itália, França, Bulgária e Romênia. Na Venezuela também houve casos de sarampo e mortes por difteria. Ainda de acordo com o MS, a vacinação é um direito individual da criança e será ofertada pelo Estado, mas se a família não desejar que seu filho seja vacinado, deve se manifestar por escrito.
O que acontece se não vacinar?
A vacinação infantil não é obrigatória no Brasil — a ponto de os pais perderem a guarda de filhos não vacinados, por exemplo, mas pode fazer com que os pais respondam judicialmente por negligência.
Por outro lado, a cobertura vacinal é necessária porque evita o retorno das doenças, asseguram os especialistas. Pois inclui, além da proteção individual, a de outras pessoas, inclusive as que não respondem à vacina e as que não podem recebê-la porque são transplantadas ou têm doença imunossupressora.
“Se eu não vacino meu filho, eu estou correndo o risco de ter a doença. Os pais ou responsáveis podem ser denunciados e levados ao Conselho Tutelar, caso seja comprovada a não vacinação. No Maranhão não se registra histórico de rejeição, mas a cobertura baixa pode ser por vários motivos, como falta de informação. E vale ressaltar que a vacina protege contra pelo menos 18 doenças e que trazem um impacto. Na Venezuela está tendo muito caso de sarampo (oito mil até junho deste ano), e pessoas estão entrando no nosso país por conta da guerrilha, então a gente precisa dar mais atenção à vacinação em todas as faixas etárias”, aponta Helena Almeida.