ENTREVISTA

Ex-prostituta vira militante de causas feministas

Ex-prostituta, ativista e militante pelos direitos da mulher, Maria de Jesus Costa, mais conhecia como De Jesus, contou um pouco da sua trajetória

Foto: Honório Moreira

Foi com um sorriso no rosto que a coordenadora-geral da Associação das Profissionais do Sexo do Maranhão (Aprosma), Maria de Jesus Costa, recebeu a nossa reportagem. “Posso falar da minha vida com prazer”, disse ela. Quando chegamos a sua humilde residência em uma rua do Centro Histórico, ela tinha acabado de chegar do hospital, onde estava acompanhando uma pessoa. “É uma luta. E não é nem meu namorado, menina (risos), isso é um ex”, contou.

De Jesus revelou que o inédito Encontro Nacional de Prostitutas, realizado em São Luís, foi como um impulso para que as coisas começassem a acontecer pra valer no estado.

Maria de Jesus Costa diz que tem “60 e uns anos”. Solteira, mãe de três filhos e avó de uma neta, a maranhense, natural de São Bento, mora em São Luís, mais precisamente no Centro Histórico (Desterro), desde os 13 anos. Viu e viveu muita coisa durante os mais de 50 anos na cidade. Se apaixonou e desapaixonou muitas vezes. Foi enganada e também cometeu alguns “deslizes”, como ela mesmo diz, mas se orgulha do que conseguiu ter: uma família.

Foram mais de 20 anos na profissão. Paralelamente a ela, fez outros trabalhos como manicure, costureira, cabeleireira, cuidou de bar… Conseguiu concluir o antigo 2º Grau. Hoje, engajada, trabalha com políticas públicas, faz parte do movimento de luta pelos direitos das prostitutas desde 1985, fundou a Aprosma em 2002 e é a representante no Nordeste da Rede Brasileira de Prostitutas. A história de vida, a luta como ativista em favor da mulher, o abuso sofrido na infância, a vida na antiga Zona do Baixo Meretrício, entre outros assuntos, você confere na entrevista abaixo.

O Imparcial – O que ficou do Encontro que aconteceu em setembro?
Maria de Jesus – O Maranhão, nesse momento para a categoria, estava bem mais centrado. Tivemos um apoio maior, sem contar que o Ministério da Saúde apoiou 80% e tinha que apoiar mesmo. Tem que funcionar principalmente quando ela tem um eixo que fala da saúde integral. Fala-se muito que a mulher prostituta, profissional do sexo, garota de programa, precisa muito cuidar da vagina e não é só isso. Ela precisa cuidar do corpo inteiro, como toda mulher. Você tem que falar da cabeça, do coração, porque essa mulher não tem problema só embaixo, tem familiar, tem a questão da violência. Tem muita coisa, até mesmo a história de vida, que às vezes traz danos.

O que tem sido trabalhado com as profissionais do sexo?
A gente tenta desconstruir alguns conceitos. Por exemplo, autoestima é uma coisa que não se trabalha mais. Porque a autoestima quando tu encontra (sic) a pessoa ela está triste, apagada, não tá nem aí, e isso é contrário da mulher que está trabalhando com o corpo. Ela quer sempre estar cheirosa, bem arrumada, envolve todo um contexto. A autoestima ela já tem por conta do trabalho dela. Cidadania é algo que a gente não trabalha também, porque todas são cidadãs a partir do momento que tem documentação. Isso descobrimos durante o nosso Encontro que é algo que já vinha sendo trabalhado errado ao longo do tempo. Então, esses dois eixos vêm sendo destacados, além da questão da violência, do uso de drogas.

Como a Rede contabiliza essas prostitutas? Como é feito esse cadastro?
O evento foi para nortear, para cada estado mostrar como trabalha. Não tem um cadastro. Fazemos visitas e temos um entrave porque nem todo mundo quer falar da sua vida. E também é um direito da mulher não se identificar. Em 2015, tínhamos 1.400 contabilizadas. Depois disso não fizemos mais esse cadastro. Mas este ano ainda faremos esse levantamento.

A senhora está casada?
Não. Aliás, sou. Tenho um companheiro nato que é meu trabalho, que vale mais do que ter um homem para estar me cobrando as coisas. Eu já ganhei tudo que tinha que ganhar: minha família. Tenho três filhos e uma neta. As coisas não são tão fáceis. Entrar para qualquer movimento não é fácil. Não é fácil dizer eu sou gay, mudar de sexo… Não é fácil olhar para a família e dizer: eu sou prostituta. Tanto que a gente não trabalha com esse positivo: “Eu sou mulher e faço programa para minha sobrevivência”. Eu não sou obrigada a fazer uma reunião e dizer eu sou prostituta.

Então, esse termo vocês também querem abolir?
Não. A Rede é Rede Brasileira de Prostitutas, só que a gente também tem um respeito por quem opta em não dizer que é prostituta. Eu não tenho que falar para agradar gregos e troianos. Agora a palavra é muito antiga e não é fácil a gente tirar isso do vocabulário. Até na questão do preconceito você não vai falar “que garota de programa safada”. Você vai dizer “que p… safada!”, então tá na história. E a gente precisa muito trabalhar isso, a questão do projeto de lei…

E como está o projeto de lei?
A gente precisar ir com o Jean Wyllys (deputado federal PSOL-RJ) e bater na tecla até que ele nos diga realmente… porque isso é uma coisa que é um entrave, é briga para anos e anos. E nós queremos a legalização da prostituição como profissão.

A senhora começou a ser prostituta quando e porquê?
Eu sofri abuso quando tinha 12 anos. Não tive infância. E te digo uma coisa, tudo tem que ter uma base familiar e eu não tive. Os meus pais me deram e a pessoa que era para tomar conta de mim, me abusou. Mas isso não me afeta hoje e eu também não culpo meus pais. Isso me levou a sofrer discriminação da minha própria família. Era uma época muito machista de que o homem podia tudo. E a errada sempre era a vítima.

Não mudou muito, não é? E depois dessa violência, o que aconteceu?
Eu achava que a minha família era culpada. Mas não tem culpados. Teve situação. Então eu vim para São Luís com 13 anos com uma pessoa que m3 dizia que eu ia morar com ele. Eu era uma criança, mas ele me deixou no meio do caminho, antes de chegar a São Luís. Eu consegui chegar e fui morar com uma tia, mas não me adaptei porque tinha que trabalhar na casa, cuidar dos filhos. Daí encontrei uma colega e resolvemos ficar juntas para procurar emprego. Encontramos um policial que disse que tinha um lugar para a gente ficar. E esse lugar era a Zona do Meretrício.

Foi aí que tudo começou?
A gente foi para um barzinho. Éramos muito crianças. Mas era uma questão de sobrevivência. E aí nesse campo eu peguei uma doença sexualmente transmissível. E foi uma coisa boa. Para mim esse ponto de partida não foi cruel. Mas não quero que sirva de exemplo. Por que não achei cruel? Porque hoje eu posso chegar para uma pessoa e falar de DST, de violência, da vida, das políticas públicas, da experiência que eu tive sem um pingo de mágoa. O líder tem que passar a informação para a frente,

O que na sua época não tinha…
Não. Eu achei pessoas acolhedoras, mesmo menor de idade. Eu ainda fui presa, porque era menor. Nessa época tinha os chefes de captura e nos levou presas, eu e minha colega. A dona do bar ficou penalizada porque eu era bem trabalhadora, então ela foi me buscar. Naquele tempo era tudo muito errado, mas era normal,,. Era normal vir menor do interior para trabalhar e engravidar do filho do patrão…. Eu peguei DST com 14 anos, fiquei doente, e doente você não podia ficar na casa pois estava impossibilitada de trabalhar, de ganhar dinheiro, de pagar seu quarto.

E o que você fez?
O dono mandava ir embora. Eu dormi muito na sarjeta.

E você sabe com quantos homens ficou?
(Risos). Ah, isso não! O que eu vou te dizer é que eu só soube o que era orgasmo depois de muito tempo de vida. E foi com alguém que eu gostava.

A senhora se apaixonou muitas vezes?
Vixe. Muitas. Porque você fica muito vulnerável. Você encontra todo tipo de homem. Eu gostava de ter parceiro fixo, mas tinha também gigolô (risos). Se eu gostasse, era meu.

Fazer programa foi uma opção? A senhora quis um dia não fazer mais?
Eu fui uma pessoa que não fui só uma mulher de programa. Eu estudava a noite, fazia cursos, cuidava de uma boate, cuidava de uma pessoa. Quando eu saía do colégio ainda fazia algum programa, um ou dois. Mas sair da vida foi uma coisa que aconteceu gradativamente.

E a senhora ganhou muito dinheiro?
Com prostituição só não. Eu trabalhava em outras coisas que desse para sustentar.

O que você conta de negativo?
A violência que sofri, exploração, a falta de base familiar.

E de positivo?
É o hoje. Hoje eu posso dizer para você que eu sou equilibrada. Nunca fui doida, mas hoje ninguém consegue me botar debaixo do chinelo, me pisar. Hoje eu sei os direitos que toda prostituta tem. E outra, você não pode ser um líder que não conhece os direitos, que se aproveita da política partidária.

E a sua família, como lida com a sua história?
O meu contexto familiar tem que ter respeito. As minhas filhas nunca discutiram a minha vida. Eu sempre disse: “É isso aqui”. Conto uma história real. E os meus filhos respeitam e não precisaram seguir o mesmo caminho que o meu.

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