VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A cada 38 mortes no Maranhão, quatro são de mulheres negras

O Maranhão é um dos estados com o maior índice de feminicídio, com uma taxa que cresceu 130% em 10 anos, segundo o IPEA; Entre as negras, um fator agrava ainda mais as estatísticas: o racismo

Reprodução

A cada 38 mortes no estado do Maranhão 4 são de mulheres negras, afirma o estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Apesar do avanço em indicadores socioeconômicos e da melhoria das condições de vida da população entre 2005 e 2015, continuamos uma nação extremamente desigual, que não consegue garantir a vida para parcelas significativas da população, em especial à população negra. No Maranhão, os números estão entre os piores do país. A taxa de crescimento da violência contra a mulher cresceu 130% entre os anos da pesquisa.

Além do Feminicídio, este quadro é agravado por uma variável fundamental para compreendermos os altos índices de violência contra a mulher hoje: o racismo. Racismo este que se manifesta de forma dramática nos números de violência letal. Foi verificado que as mulheres negras compõem 62% das vítimas de mortes por agressão, mas que esta, por sua vez, se manifesta de diversas, visíveis a partir dos dados divulgados na pesquisa intitulada “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, publicada em março deste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgada em junho deste ano.

Os dados revelam que 43% das mulheres negras entrevistadas relataram assédio nas ruas, transporte público ou ambiente de trabalho, enquanto 35% das mulheres brancas afirmam terem vivido este tipo de situação. Mulheres negras também foram mais abordadas agressivamente em festas e beijadas à força do que as mulheres brancas.

Segundo o estudo, há diferenças significativas nos índices de vitimização por agressão e por assédio entre as variáveis idade, profissão, renda familiar mensal, classe econômica, raça/cor. Quando falamos das violências como ofensas verbais e assédios, que geralmente são mais “sutis”, o índice é mais alto entre as mais jovens (70%) que entre as mais velhas (10%), entre as mais ricas (52%) que entre as mais pobres (37%) e entre as negras – pardas e pretas – (45%) que entre as brancas (35%).

Unidas por um objetivo em comum 

O enfrentamento parte mesmo das mulheres. Unidas, algumas delas formaram o Afro Culture: um coletivo que abraça vítimas de racismo, machismo e sexismo. Hoje, com 2 anos de atividade, abrange um grande número de mulheres negras. “Começamos com apenas 6 colaboradoras internas, todas sendo mediadoras e desenvolvendo atividades. Hoje, possuímos um número bem maior, pelo fato do coletivo ter uma visibilidade a nível nacional. Nosso Projeto Pretas em Foco ganhou reconhecimento em São Paulo e Rio Janeiro, onde temos colaboradoras também”, conta a realizadora do grupo Karla Rocha (24), estudante de Serviço Social.

As organizadoras do Afro Culture já estiveram no Programa Encontro divulgando os projetos do coletivo. Foto: Reprodução/ Afro Culture

O coletivo é voltado para a valorização da estética de mulheres negras, onde através desse trabalho de conscientização, elas repassam força umas às outras para que desenvolvam a sua construção indetitária. “O acolhimento é de fato a parte mais importante, porque quando temos empatia por elas, nós nos doamos, deixando-as cientes de que não estão sozinhas, de que estamos aqui para ajuda-las.”, conta Karla sobre a forma como as jovens são acolhidas. Ela afirma que essa etapa é um requisito muito importante para que haja a aceitação da mulher como ela é, e assim seja possível construir nela o sentimento de empoderamento.

 

O coletivo Afro Culture promove a valorização da mulher negra. Foto: Reprodução

E as motivações não partem apenas das organizadoras, “sempre aprendemos umas com as outras”, pontua a organizadora. “Já tivemos algumas moças que passaram por depressão e ajudamos elas a se desconstruir. Hoje, elas colaboram conosco e isso é o que nos motiva. É uma imensa gratidão ver o resultado de um trabalho que você deposita todo o amor”, ressalta Karla.

Com a valorização da mulher negra, elas têm uma ambição. “Queremos construir uma sociedade com pessoas que entendam a nossa luta e não a considere como vitimização, pois só nós sabemos as problemáticas que vivenciamos diariamente. E é uma resistência sim, todos os dias. Acreditamos em poder desconstruir o desrespeito, e preparar uma geração futura para dar continuidade a este gesto de amor e empoderamento”, finaliza a organizadora. Para conhecer mais sobre o trabalho do Afro Culture, acesse a página do coletivo na internet.

Quatro perguntas // Delegada Kazumi Tanaka

Imparcial: Como as Delegacias Especiais da Mulher(DEM) recebem as mulheres fragilizadas pela violência?

Kazumi Tanaka: Dentro da delegacia não temos uma equipe multidisciplinar, mas contamos com o apoio da rede de atendimento a mulher em situação de violência. Identificando que a mulher está em uma situação de muita fragilidade emocional, ela chora muito, ela esta nitidamente em um quadro de depressão , por exemplo, nos entramos em contato com o centro de referência de atendimento à mulher em situação de violência pra que haja o atendimento dela com a equipe multidisciplinar, com psicólogos, assistente social e ate mesmo orientação jurídica para que ela todo apoio que precisar naquele momento.

A partir disso ela registra ocorrência na delegacia e é feita imediatamente a medida protetiva de urgência, caso ela precise,. Além disso, a orientação jurídica ajuda ela na instauração do inquérito policial, se for o caso de um crime que dependa da representação dela para que se inicie o inquérito.

I: E quando uma mulher negra passa por uma situação de violência por conta do racismo?

K: Quando uma mulher negra passa por uma situação de racismo, tendo em vista essa violação se insere também no contexto de violência de gênero, ela pode registrar ocorrência. A partir disso, ela vai comunicar a situação que será identificada por nós se trata-se de um crime realmente de racismo ou de injuria racial, porque também há essa modalidade prevista no código penal.

O procedimento deve ser feito da seguinte forma: se for um caso de flagrante em delito o agressor pode ser efetivamente preso, então, o procedimento de investigação será feito tal qual se identifique que seja um crime de racismo ou de injuria racial, ou qualquer outro tipo de crime que seja cometido contra ela.

I: O que uma mulher deve fazer se for vítima de violência doméstica?

K: Se a mulher for vitima de agressões ela deve procurar a policia. Se for o caso de flagrante em delito, ela deve ligar imediatamente pelo 190 e a sua solicitação será prontamente atendida. Sendo conduzido para a delegacia, o autor da agressão pode ser preso em flagrante se trata-se de um crime de violência domestica e familiar. Caso contrário se o autor da agressão não tem nenhum vínculo afetivo ou de relacionamento com a vitima pode ser feito um procedimento cabível, que vai desde um termo circunstanciado de ocorrência, que é um procedimento mais simples, ou pode ser feito mesmo a prisão em flagrante caso se trate de um crime de maior gravidade.

Mas ela deve e tem que ir na delegacia, se não for uma situação de flagrante em delito, ela vai registrar a ocorrência, em seguida é expedido uma guia de exame de corpo de delito que ela tem que fazer, pois essa será a prova do crime. Ela precisa materializar o crime dessa maneira no IML, para que se junto o laudo posterior à investigação que for feita.

I: Quais ações as delegacias promovem para auxiliar no enfrentamento da violência contra a mulher?

K: As delegacias realizam o ano inteiro esse tipo de intervenção preventiva, divulgando a lei Maria da Penha, e a violência de gênero e vários outros temas como estrupo, relacionamento abusivo, e tudo que se diz respeito às formas de enfrentamento à violência contra a mulher e garantia de seus direitos.

Os espaços públicos são ocupados, também recebemos demandas de empresas privadas, participamos de mesas de diálogos, então é o ano inteiro esse trabalho que vai além dos gabinetes. É um trabalho preventivo que temos a nítida compreensão da relevância em função do quadro de violência que se tem. Tudo isso se dá em função de uma cultura machista, de uma sociedade patriarcal, que ensinou e ensina até hoje homens e mulheres a adotarem essas posturas machistas, posturas que retiram da mulher todas as suas capacidades e liberdades de exercer plenamente o seu direito enquanto cidadã.

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