“Precisamos enfrentar o suicídio com políticas públicas”, diz Ruy Palhano
Em entrevista para o jornal O Imparcial, o psiquiatra Ruy Palhano fala sobre sua preocupação com as políticas públicas para atender casos de suicídio no estado do Maranhão
Assim como acontece com outros períodos do ano, em que a sociedade brasileira se mobiliza em campanha para o enfrentamento de doenças graves, como o câncer de mama, por exemplo, agora o mês de setembro ganhou a “cor” amarela para chamar a atenção sobre a importância de debater, sem subterfúgios, as motivações e ações que levam uma pessoa a se matar.
Portanto, “Setembro Amarelo” se transformou num período para a sociedade médica com a população em geral discutir o elevado índice de suicídio, quen no Maranhãon chega a ser alarmante. Sobre o tema, o psiquiatra Ruy Palhano concedeu entrevista exclusiva a O Imparcial. Apesar de ser considerado um assunto tabu, hoje, a psiquiatria o debate de forma mais ampla, visando conscientizar as pessoas sobre causas e enfrentamento do suicídio. “O objetivo é aprofundar as reflexões no tocante a uma prática que tem se tornado muito comum: pessoas cada vez mais jovens chegam ao limite de tirar a própria vida”, diz Palhano.
Ele se diz espantado com a quantidade de casos de suicídio no Maranhão defende a urgente necessidade de que políticas públicas voltadas ao assunto sejam criadas. O Instituto Ruy Palhano realiza, neste sábado (23), o III Encontro de Prevenção ao Suicídio, no Hotel Luzeiros, a partir das 7h, com a participação de médicos psiquiatras, do secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula, e do presidente do Conselho Regional de Medicina, Abdom Murad, entre outros convidados.
O Imparcial – Qual a principal causa do suicídio?
Ruy Palhano – O suicídio, na realidade, não se trata de uma morbidade, não é uma doença. O suicídio é uma consequência de uma psicopatologia. Entre as psicopatologias mais frequentes relacionadas ao suicídio se destacam, no mundo todo, a depressão (que é o carro-chefe), Transtorno Afetivo Bipolar, o uso de drogas – especialmente de álcool, dependência química de álcool, que é o que carrega este grande número de contingentes jovens. Nós temos ainda a esquizofrenia. Essas cinco grandes doenças mentais são responsáveis pela absoluta maioria, diria sem medo de errar, em torno de 100% dos suicídios.
Qual o grau de ocorrência de suicídio no Brasil?
Para cada uma dessas enfermidades, há uma correspondência. Por exemplo, a esquizofrenia: nós temos até 10% responsáveis por todos os suicídios praticados no mundo, ou seja, para cada 100 suicídios cometidos, 10 são entre esquizofrênicos. Depressão, 88% de suicídios; Transtorno Afetivo Bipolar já carrega pelo menos 40%. Então, para cada uma dessas entidades médicas e clínicas, você tem uma taxa de suicídio prevalente.
Antigamente se atribuía parte dos suicídios a pessoas de faixa etária depois de 50 anos, mas, atualmente, temos visto que essa faixa de idade está descendo em direção aos jovens. Isso é verdade?
De 15 anos para cá, vem decrescendo a faixa de idade de cometimento de suicídio. Ainda há, no mundo, a prevalência da prática de suicídio em populações idosas acima de 60 anos. Isso continua em todo e qualquer país. Só que, de 15 anos para cá, está havendo uma decrescência. Está diminuindo a faixa etária de pessoas que cometem suicídio. Hoje em dia, por exemplo, nós temos pessoas com 30 anos, 20 anos cometendo suicídio, coisa que não era comum há 15 anos. A que se atribui isso? Primeiro, à devastação provocada pelo uso de drogas e de álcool. Eu acho que nunca se bebeu tanto, nunca se usou tanta droga como na sociedade contemporânea! Todo uso de substância psicoativa, seja ele de forma abusiva ou por dependência química, é uma condição psicopatológica para cometer suicídio.
A vida moderna pode ser uma explicação para esses números elevados?
O suicídio é considerado um fenômeno de multicausalidade e multifatorialidade. Você não tem um fator único, determinante. Em geral, as práticas de suicídio, em qualquer época que aconteçam, estão sempre vinculadas a vários fatores, entre esses, a sociedade contemporânea: completamente confusa; anarquizada; sem referência ética; sem moralidade; decepção por cima de decepção; sem fé; sem credo e sem harmonia entre as pessoas.
A família também tem um peso nisso?
O índice de suicídio, predominantemente, é entre famílias desagregadas. As famílias ajustadas funcionam como uma espécie de proteção. Você tem um conjunto de elementos que protegem e um conjunto de elementos de risco; entre os elementos protetores você tem a família. Uma família equilibrada, bem ajustada, que dialoga, que tem proteção e amor evita o suicídio.
Há uma relação entre o momento de crise social e econômica que vivemos atualmente e a quantidade de casos de suicídio?
Sim. Por exemplo, entre empregados e desempregados (nós temos entre 14 e 15 milhões de desempregados Brasil), o índice de suicídio cresce assustadoramente entre desempregados, porque o desemprego é uma situação de risco no cometimento de suicídio.
No Maranhão, há um elevado índice de casos de suicídio ultimamente. Isso tem alguma relação com a situação de pobreza do Maranhão?
Lamentavelmente, não temos nenhum trabalho, nenhuma pesquisa sobre o cometimento de suicídios no Maranhão, mas os números são surpreendentes. Eu soube recentemente que até agora, antes do mês de setembro terminar, já foram 58 suicídios no estado do Maranhão. Esse é um número alto. São jovens abaixo de 40 anos. Precisamos enfrentar isso com políticas públicas!
Qual o papel da Psiquiatria ante este cenário?
No mundo todo, o que capitania as ações de prevenção ao suicídio é a Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos países membros, nós temos os conselhos federais de Medicina, Associação Brasileira de psiquiatria e a Associação Médica Brasileira. Esses são os três órgãos que estão à frente desse movimento de prevenção. Todos os estados brasileiros, sem exceção, estão fazendo amplas campanhas de prevenção nas escolas, universidades e nas ruas. Chamando atenção para esse problema e dando os instrumentos para se manejar isso.
O suicídio já deixou de ser tabu?
Está deixando progressivamente de ser um tabu, um estigma que ninguém tratava porque se tinha medo de falar de suicídio e todo mundo se matar. Pelo contrário, hoje o que se advoga é algo parecido com o que aconteceu com as drogas há 40 anos: você não podia falar de drogas porque se pensava que todo mundo ia se drogar. A mesma coisa aconteceu com o suicídio, e hoje, o que se pretende dentro dessa política internacional de prevenção é trazer o assunto para o debate. Se quer possibilitar que haja treinamento e acolhimento destes pacientes.
O senhor tem projetos que são exercidos nos interiores do Maranhão. Como o tema ‘Suicídio’ é recebido?
Este mês, eu participei em seis municípios. Estamos discutindo isso em todo o Maranhão. É preciso esclarecer o assunto e chamar a atenção das autoridades para criar mecanismos na Saúde Pública para tratar essa população, pois o maior risco de cometimento do suicídio, depois dos preconceitos, é a tentativa. Uma pessoa que tentou suicídio e não morreu não pode ser mandada para casa.
O que será discutido em São Luís sobre o suicídio neste Setembro Amarelo?
Nós temos um grande evento que o Instituto Ruy Palhano e o CRM praticam anualmente nesta ocasião. Trataremos de todos esses assuntos, temos dois psiquiatras entendedores do assunto que estarão conosco, no Hotel Luzeiros, no dia 23 agora. Sábado a manhã toda até uma hora da tarde. Nós teremos conferências e mesas-redondas.