Léo, um bar que cura
Cantor e compositor, Bruno Batista, escreve sobre o tradicional e admirado Bar do Léo, que fica dentro de uma feira e é templo da música e da boemia de São Luís
Não entendia bem porque meu pai demorava tanto na barbearia. É verdade que sempre cultivou uma senhora barba – herança dos tempos de movimento estudantil – mas o cabelo ralo e a mais rala ainda vaidade não justificavam aquelas idas semanais, quase ritualísticas, nas manhãs de sábado. Um dia mandei na lata: quero ir com você.
O salão ficava dentro de um mercado. A fedentina de peixe e o público multiforme não intimidaram, deslizei pelo galpão com toda a altivez dos meus 10 anos. No pequeno compartimento, havia duas cadeiras e, embora o velho Faustino e seu assistente fossem mui buena gente, resolvi dar uma banda e explorar. Não fui longe. Logo ali, a poucos passos, Dalva de Oliveira cantava para uma plateia imaginária. Não pressenti que naquele momento estava tateando o futuro e, de lambuja, desmascarando meu pai.
O bar ficava ao lado. Bastou me ver cantarolando que o homem atrás do balcão se aproximou. Quis entender como eu conhecia aquela música, se sabia quem cantava e, duvidando das afirmativas, me convidou pra uma caça ao tesouro. Pelo menos foi assim que interpretei quando, após cruzarmos uma espécie de cancela, ele apontou pra centenas, milhares, uma galáxia de fitas K7 catalogadas com tudo o que os músicos deste país se meteram a inventar. Vamo ver se tu é bom mesmo. Escolheu uma fita qualquer e quase despencou pra trás quando reconheci a voz de Elizeth Cardoso e o violão de Raphael Rabelo em “ Todo Sentimento”. Qual teu nome, moleque? Bruno, conheço essas coisas porque meus pais ouvem em casa. Qual o nome do senhor? Léo, esta é minha casa.
Conversamos um bocado. Logo em seguida meu pai chegou e, pela intimidade, percebi que já eram bróderes e que era ali que o velho gastava a desculpa do salão. Passaram-se vários anos até que, em 2003, lancei meu primeiro disco. Fomos lá pra uma audição. Ele gostou, lembrou do episódio. Ganhei sua amizade, confiança e acesso a uma das mais preciosas discotecas do Brasil.
“Não sei bem quando, mas Leonildo Peixoto Martins, a long time ago, imaginou ter criado um bar. Na verdade, fundou um templo”, Bruno Batista
Não conheço o Léo rabugento, apesar da fama e das histórias que ele mesmo gosta de contar. Prefiro ir ao bar no meio da tarde, gente pouca, som alto. São horas imensas bebendo cerveja, comendo peixe pedra e descobrindo novos e velhos álbuns. Temos uma paixão comum por fichas técnicas e boxes comemorativos. Vez ou outra, levo um presentinho garimpado em algum sebo do centro de São Paulo. Geralmente ele já tem.
Lembro que há alguns anos rolou um papo que iriam fechar o Bar do Léo. Fake news. Não só resistiu, como a mobilização ajudou a torná-lo mais mítico. O lugar conta com sua própria liga de defensores e também é um museu. Gramofones, vitrolas, rádios, tear, instrumentos antigos, telefones, aparelhos de TV, esculturas, recortes de jornal e, claro, o enciclopédico Parafuso, compõe um cenário digno de filme de Wes Anderson. Imagina deixar isso acabar…
Não sei bem quando, mas Leonildo Peixoto Martins, a long time ago, imaginou ter criado um bar. Na verdade, fundou um templo. Por lá, passam diariamente devotos da música, boemia e camaradagem que sabem que ali, incrustado no agora Horto do Vinhais, pulsa gostosamente o coração de São Luís. Sem pausas e num tempo tão particular que parece até mentira da gente.
Onde fica o Bar do Léo?
Vinhais, na Feira do Vinhais, na Rua Tarquínio Lopes, 46.