Desvendando o mundo das histórias em quadrinhos
Em curso, pesquisador mineiro, radicado em São Luís, revela fatos e curiosidades que permeiam a história das “histórias em quadrinhos” no Brasil e no mundo
O universo das histórias em quadrinhos, ou simplesmente HQs, fez parte da infância da maioria das pessoas. As HQs ganharam o mundo e uma legião de autores que fizeram da paixão por essas publicações uma filosofia de vida. E não foi diferente com o mineiro Márcio Rodrigues, mestre em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutorando em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Professor do Cursos de Artes da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Marcio Rodrigues que também é pesquisador de histórias de quadrinhos vai ministrar a partir do dia 5 de agosto, a 2ª edição do curso História e linguagem dos quadrinhos, que será realizado semanalmente, aos sábados, das 14h30 às 17h30, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, na Praia Grande, Centro Histórico de São Luís. As inscrições e informações sobre esse curso podem ser obtidas através do e-mail historiadosquadrinhos@gmail.com.
No curso, o pesquisador aborda a relação das histórias em quadrinhos com temas sociais e questões políticas da contemporaneidade. Mas o foco mesmo é na linguagem e nas diferentes tradições dos quadrinhos. Entre os assuntos, estão: as distinções e semelhanças entre charge, caricatura, cartum, histórias em quadrinhos e outros objetos da cultura visual. Os interessados pela temática terão a oportunidade ainda de ficarem por dentro dos pressupostos teórico-metodológicos para o uso dos quadrinhos como fonte de pesquisa e no contexto escolar; trajetórias históricas dos quadrinhos entre outros. “Falo desde os super-heróis aos quadrinhos africanos. O curso oferece instrumentais para análise dos quadrinhos em campos como, por exemplo, a história, sociologia, filosofia, comunicação social, design e letras. O tema é objeto do teu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Dissertação ou tese podem surgir das discussões do curso, como foi o caso de alunos do semestre passado; alguns eu mesmo comecei a orientar”, disse Márcio Rodrigues.
Em entrevista a O Imparcial, o pesquisador revelou que descobriu o mundo dos quadrinhos aos quatro anos de idade. No início, Márcio Rodrigues teve contato com super-heróis. O pesquisador lembrou que foi uma edição do Super-Homem. Atualmente, aos 35 anos, Márcio Rodrigues não tem uma relação tão apaixonada por esses seres com superpoderes. Márcio Rodrigues revelou que lê ainda o gênero, o qual, ocasionalmente, é objeto de estudos, e que durante a infância tomou gosto por desenhar e até mesmo produzir quadrinhos. Atualmente não desenha mais. “Meu interesse é pela pesquisa e por ensinar sobre quadrinhos. Quando criança, eu também tinha o terrível hábito de cortar com tesoura os quadrinhos que passavam pela minha mão e colar quadros ou páginas inteiras em um caderno. Em seguida, pesquisava com os poucos recursos que tinha sobre tal e qual personagem. Não havia a internet, da forma como ela é hoje. Também não tive contato com revistas especializadas. Havia poucas ou nenhuma em nosso país. Escrevia um textinho curto ao lado de cada recorte. Tenho esse caderno até hoje. Hoje interpreto essa curiosidade juvenil como importante para a minha base como leitor e pesquisador”, explicou Márcio Rodrigues. Ela contou que foi a partir dessa situação que criou mecanismos de relacionar produções, de ter critérios minimamente razoáveis para avaliar se determinado título valia a pena ou não ler e de procurar maiores informações sobre autores. Hoje, como leitor e não apenas colecionador, Márcio Rodrigues tenta ler de tudo, sem restrições.
Os quadrinhos na Guerra Fria
Márcio Rodrigues ressaltou ainda que, inicialmente, teve interesse pelas imagens do cientista e da ciência nas HQs. Naquela época, não contou com muita orientação durante a graduação, mas foi unindo metodologias e teorias da história com o que lia sobre quadrinhos em outros campos de pesquisa. “Como HQs é um objeto transnacional, tive a preocupação de aprender outras línguas durante a graduação. Como não contava com muitos recursos financeiros, me matriculava em disciplinas eletivas e com o dinheiro das bolsas de pesquisa que tinha pagava aulas particulares de idiomas. Posso falar com tranquilidade que investi muito na minha formação na época da graduação”, explicou o pesquisador.
No mestrado, Márcio Rodrigues desenvolveu uma pesquisa sobre as representações políticas do período da Guerra Fria nos quadrinhos. Suas fontes de pesquisa acabaram sendo bem numerosas, embora ele tenha focado parte considerável do seu trabalho nos quadrinhos do roteirista britânico Alan Moore. Foi a partir dessa pesquisa que ele começou a sistematizar estudos no campo da História Política, tendo os quadrinhos como fonte principal. Atualmente fazendo doutorado em História pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal de Pará (UFPA), Marcio Rodrigues desenvolve uma tese sobre as representações da Amazônia nas histórias em quadrinhos da década de 1970 aos dias atuais em uma perspectiva transnacional. Também durante dois anos, o pesquisador foi professor da Faculdade de Educação da UFMG, responsável pela área de ensino de História e ministrou disciplinas sobre quadrinhos para alunos de diferentes cursos de graduação. Marcio Rodrigues ministra regularmente e em diferentes estados (embora resida no Maranhão) cursos teóricos sobre os usos e possibilidades das histórias em quadrinhos, em particular, nos campos do Ensino de História, da História Política e da História Ambiental.
O Nordestes em quadrinhos
Márcio Rodrigues é responsável por avaliar e editar trabalhos de pesquisadores em formato de livro. Pela coleção Prismas, atualmente, ele tem trabalhado com pesquisadores nacionais e estrangeiros em uma coletânea sobre os usos políticos dos quadrinhos, nas mais diferentes abordagens e nos mais variados contextos. Essa coletânea, prevista para o segundo semestre deste ano, apresentará análises que problematizam como os quadrinhos, em maior ou menor grau, levantaram polêmicas, hastearam bandeiras e engendraram opiniões, nos contextos em que foram produzidos e veiculados. Outro estudo que Márcio Rodrigues está tornando possível é um livro sobre Nordestes em quadrinhos. “Particularmente, serei apenas o responsável por tornar possível esse estudo e pela análise dos textos. Será uma coletânea com pesquisadores de diferentes estados da região discutindo como os quadrinhos constroem e desconstroem estereótipos atribuídos ao Nordeste brasileiro e aos nordestinos. Por isso, nordestes – ao invés de simplesmente nordeste. Existem nordestes inventados nos e pelos quadrinhos e estes precisam ser devidamente verificados e explicitados em seus aspectos históricos e culturais”, explicou o pesquisador.
Segundo Márcio Rodrigues, haverá espaço para temas tradicionais como o cangaço, representações da seca, figurações do sertanejo e do meio geográfico, a relação das HQs com linguagens como a do cordel, mas também para um Nordeste mais diversificado em termos econômicos e culturais. O pesquisador ressaltou que trata-se de um trabalho para discutir sobre estereótipos, mas fugindo de estereótipos. Outro trabalho que sairá pela coleção é sobre mulheres nos Quadrinhos. De acordo com Marcio Rodrigues, será uma coletânea coordenada por pesquisadoras renomadas no campo dos estudos sobre quadrinhos. O objetivo da coletânea é apresentar reflexões sobre temas mais abrangentes e expressivos sobre o universo dos quadrinhos e temáticas sobre mulheres e as múltiplas dimensões do feminino. Ainda pela coleção sairá o livro Os novos homens do amanhã: o mundo dos quadrinhos na América Latina (Brasil e Chile, anos 1960-1970), de Ivan Lima Gomes. O trabalho é oriundo da pesquisa vencedora do Prêmio de melhor tese de doutorado defendida em 2015 – 28º HQ Mix. O pesquisador explica que será o primeiro lançamento da coleção Estudos das Histórias em Quadrinhos.
Para o próximo ano, 2018, adianto que estão previstas a publicação de uma coletânea de estudos sobre o processo de tradução de quadrinhos, de um trabalho sobre uma das personagens femininas mais icônicas dos quadrinhos e de um estudo sobre as identidades regionais do Brasil nos e pelos quadrinhos. Márcio Rodrigues ainda está avaliando a possibilidade de incluir outros estudos que sejam relevantes para pensarmos sobre os quadrinhos.