Devoção

Cores, danças e fé no festejo de São João

O Dia de São João no Maranhão é uma data marcada pela cadência das toadas de bumba meu boi, mas também pela devoção daqueles que acreditam na intercessão do santo

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“A fogueira está queimando em homenagem a São João. O forró já começou, vamos gente, rapapé nesse salão.” A letra da canção de Luiz Gonzaga lembra uma das tradições mais importantes da cultura nordestina. É o Dia de São João, comemorado no dia 24 de junho. A primeira vez que uma fogueira acendeu nessa data foi há mais de dois milênios, quando nascia João Batista, que recebeu esse nome por abençoar gentios na águas do Rio Jordão.

Antes da evangelização da Europa, na Idade Média, as fogueiras eram utilizadas em rituais pagãos, que celebravam a chegada do solstício de verão no Hemisfério Norte. Como uma maneira de dar novo significado às práticas pré-cristãs, a exemplo dos cultos solares e lunares relacionados à vida agrícola, o dia 24 de junho foi incorporado ao calendário cristão, como comemoração ao nascimento de São João Batista.

“Diz a tradição bíblica e também a cultura popular da época, que Zacarias, pai de João Batista, numa cidade chamada Aencarém onde eles moravam, a forma de se comunicar era de acender fogueiras. Até enquanto não houve o avanço o progresso dos meios de comunicação, uma das formas era essa, então quando João nasceu, Zacarias acendeu uma fogueira para comunicar o nascimento do seu filho”, conta o padre Heitor, pároco da Igreja de São João Batista localizada no Centro de São Luís.

Biblicamente, São João Batista foi o precursor de Jesus. Ele teve a honra de batizar o filho de Deus nas águas o Rio Jordão. Além disso ele foi o responsável pela conversão de milhares de pessoas através do batismo. Dentro da tradição religiosa, São João tem uma reverência especial. “Com exceção de Jesus Cristo e Maria que celebramos o nascimento e a assunção, São João Batista é único santo que nos celebramos o seu nascimento e o seu martírio”, completa o padre.

O mês junino

São João divide com outros três santos as festividades do mês junino. Santo Antônio, São Pedro e São Marçal estão inseridos nesse folclore do Maranhão. Cada um deles tem uma forma muito particular de se celebrar. No dia de Santo Antônio (13 de junho) distribuem-se pãezinhos para se garantir a fartura de alimento durante o ano. No Dia de São Pedro (29 de junho), comemora-se com os grupos de bumba meu boi o “roubo” do mastro de São João, no largo da igreja que leva o seu nome no bairro da Madre Deus, no dia de São Marçal ocorre o tradicional encontro de bumba-boi no bairro do João Paulo. No Dia de São João, a festança fica por conta dos fogos de artifício que servem para “acordar” o santo que, reza o imaginário popular, dorme o dia inteiro na expectativa de ver as fogueiras acesas durante a noite.

Palavra de especialista

A construção da Igreja de São João Batista teria sido uma forma de penitência do então governador do Maranhão, Ruy Vaz de Siqueira. Segundo a lenda, ele teria tido um caso amoroso com uma mulher aristocrata casada e, para evitar um escândalo, teria prometido a São João Batista erguer uma igreja em sua homenagem se seu relacionamento não fosse descoberto. Então, o governador da época teria ordenado a construção da igreja, que foi realizada em 1665.

De lá para cá, milhares de devotos frequentam a igreja não só no período da sua celebração, mas o ano inteiro para reverenciar o santo. Dona Miriam Oliveira, de 62 anos, é devota fiel a São João Batista desde bem pequena. “Meus pais eram devotos de São João Batista, tanto que meu irmão nasceu no dia 24 de junho, e em homenagem ao nosso padroeiro eles o chamaram de João Batista”.

Ela é cristã ativa da igreja católica, participa das novenas, da adoração ao santíssimo e das missas. Miriam pede ao santo que interceda pelo seu temperamento colérico e pela conversão do seu coração. “Seguir o cristianismo não é fácil, tem umas coisas que Jesus pede que nos é muito difícil cumprir, principalmente para quem tem um temperamento colérico como o meu, então eu peço sempre a São João batista que interceda por mim, pela minha salvação, e eu sinto que São João Batista me ajuda a ser uma pessoa mais inclinada ao perdão”, revela.

De onde surgiram os costumes?

Reza a tradição popular que, para cada santo junino, a fogueira tem de ser armada de uma determinada maneira: a de São João deve ter uma base arredondada, já a de Santo Antônio deve ser quadrada e a de São Pedro, triangular.
As roupas caipiras ou saloias são uma referência ao povo campestre que povoou, principalmente, o Nordeste do Brasil, e pode-se encontrar muitas semelhanças no modo de vestir caipira no Brasil e em Portugal.

Do mesmo modo, as decorações com que se enfeitam os arraiais iniciaram-se em Portugal, junto com as novidades que, na época do Brasil colônia, os portugueses trouxeram da Ásia, tais como enfeites de papel, balões de ar quente e pólvora. Embora os balões tenham sido proibidos em muitos lugares do Brasil, são usados na cidade do Porto em Portugal com muita abundância e o céu se enche com milhares deles durante toda a noite.

A tradição de São João no Maranhão

“A tradição do Dia de São João Batista no Maranhão começou quando, dentro do contexto do mês de junho, une-se a festa litúrgica da natividade de São João batista à devoção popular, daqueles que brincam nas tradições juninas. Daí une-se o folclore, nesse período junino, à tradição religiosa”, explica o padre Heitor.

Todos os anos, a Paróquia de São João Batista festeja o seu padroeiro, inicialmente, com missas, e depois diversas apresentações de bumba meu boi, danças portuguesas, quadrilhas, além das comidas típicas, preparadas com muito carinho, pelas devotas de São João.

Durante o novenário que começou no dia 15 de junho, o padre Heitor conta que “todos os dias, às 17h, tem a adoração ao Santíssimo, 18h, missa e depois as atrações do largo que dentro da dimensão devocional os brincantes vêm pedir a bênção pra São João. No dia do santo, no dia 24, haverá missa de hora em hora durante toda a manhã e, à tarde e às 17h, a missa campal e depois a procissão. Retornando a procissão pra igreja, haverá no largo as atrações que vêm pedir a bênção pra São João Batista”.

As celebrações não ocorrem apenas dentro das igrejas, a festança se estende também aos arraiais. Ainda que sem reverenciar o santo como prega a religião católica, comemoram de forma semelhante, com comidas típicas, brincadeiras, danças e ainda há aqueles que se arriscam a “pular a fogueira”.

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