A origem e evolução das histórias do Bumba-meu-boi
Do ciclo do gado com os vaqueiros misturado com uma história europeia, uma das festas mais populares do Maranhão se moldou com o tempo e chegou a ser do jeito atual
O boi é uma das figuras mais recorrentes na história da humanidade. Presente em inúmeras civilizações, desde a pré-história, perpassando povos africanos, europeus e americanos, o animal sempre serviu de alimento, e, por isso, foi – e continua sendo – elemento central de rituais e manifestações culturais. No Brasil não foi diferente. O ciclo do gado fez vaqueiros levarem histórias, folguedos e comédias de canto a canto do país. Entre elas, uma das manifestações mais marcantes da cultura popular, sobretudo de estados nordestinos e nortistas: o Bumba-meu-boi.
A história – e não “lenda”, segundo o dramaturgo e pesquisador Tácito Borralho – contada nas paradas feitas no ciclo do gado é de Catirina, negra escravizada que, grávida, desejou a língua do boi mais vistoso da fazenda em que trabalhava e deixou o marido compadecido, a ponto de matar o bicho e despertar a revolta do fazendeiro. No final da brincadeira, o boi renasce. Acompanhado de toques de tambores e cantoria, o folguedo foi ganhando características específicas em cada estada feita pelos vaqueiros pelas cidades brasileiras.
De acordo com Tácito Borralho, a narrativa faz parte de uma história popular européia que chegou há séculos no Brasil pelas caravelas portuguesas: trata-se de um conto vindo da Península Ibérica, intitulado “O vaqueiro que não mentia”, que narra uma história semelhante à trajetória de Pai Francisco e Catirina, hoje popularmente conhecida. “O popular foi se apropriando dessas coisas por meios orais, que foram sendo transmitidas de tempo em tempo”, aponta Tácito.
VIDA E MORTE
Segundo a Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Maranhão, atualmente existem cerca de 450 conjuntos de Bumba-meu-boi ao redor do estado, que se configuram em cinco sotaques. No geral, há um rito – uma mistura de religiosidade e teatralidade – seguido pelos grupos durante o ciclo junino, diferente de outras regiões, aponta Tácito Borralho, em que o boi é brincado no período natalino, chegando ao carnaval.
Batizado, brincada e morte caracterizam o ciclo do Bumba-meu-boi. À luz da tradição, o primeiro ensaio é realizado no Sábado de Aleluia. Os preparativos seguem até o Dia de Santo Antônio, 13 de junho, com o primeiro ensaio redondo. O boi é então batizado no dia de São João, 24 de junho. “São João é o santo do solstício de verão, e cada povo celebra de uma forma. Aqui a gente celebra com o boi”, explica Tácito Borralho.
A última etapa do ciclo é a morte do boi, realizada até dia 26 de julho, Dia de Santana. “O ritual da morte é muito mais religioso e ao mesmo tempo mais primitivo porque você tem toda uma encenação, uma representação que eu chamo de teatralização, mas é muito mais ritualística até, de uma vitima sacrifical, de uma oferenda ao santo”, pontua Tácito.
O dramaturgo, no entanto, faz um alerta, fazendo menção à comercialização do boi e sua interferência no ciclo da brincadeira: “essa coisa comercial ofende demais o Bumba-meu-boi. Batiza antes, pra adequar e ganhar dinheiro, e brinca com roupa velha antes do São João. Mas o ciclo é batizado, brincada e morte, e muito boi ainda mantém a tradição”, finaliza.