Índios Gamela

Viana tem histórico de conflitos entre índios e agricultores

Último ataque sofrido pelo povo Gamela faz parte de uma série que se arrasta há dois anos com ameaças de fazendeiros e resistência indígena

Reprodução

O Maranhão, assim como o Brasil, possui um pequeno número de pessoas que detém a posse de um grande número de terras. Os conflitos envolvendo indígenas da etnia Gamela na região das cidades de Viana, Matinha e Penalva, na Baixada Maranhense, refletem essa realidade, além de ecoarem cinco séculos desde a invasão europeia.

Segundo estudo orientado pela professora Laurinete Delgado, do curso de Serviço Social/Uniceuma, no século XVII, a população indígena no estado do Maranhão era formada por aproximadamente 250.000 pessoas, divididas em 30 etnias diferentes. A maioria dessas etnias não existe mais. “Povos indígenas como os Tupinambás, que habitavam a cidade de São Luís, os Barbado, os Amanajós, os Tremembé, os Araioses, os Kapiekrã, entre outros, foram simplesmente exterminados ou dissolvidos social e culturalmente”.

“São notórias as causas do desaparecimento de cerca de 20 povos indígenas no Maranhão: as guerras de expedição para escravizar, as doenças importadas, a miscigenação forçada, a imposição de novos modelos culturais, entre outras causas”, diz o estudo intitulado “A Realidade dos Povos Indígenas no Maranhão”.

No trabalho, especifica-se que “O estado, hoje, não consegue, ou não quer, garantir os direitos mínimos consagrados na Constituição de 1988”.

Reivindicação histórica

Os Gamelas reivindicam, desde 2013, 14 mil hectares de terra na Baixada Maranhense, cobrando da Fundação Nacional do Índio (Funai) o processo de demarcação das terras, hoje ocupada por fazendas e sítios.

Mas entre a primeira invasão e o séc. XXI, os Gamelas já haviam recebido os 14 mil hectares, segundo entidades sociais, da Coroa, em 1759. Entretanto, a colonização, invasões e grilagem de terra expulsaram os povos nativos que foram se espalhando por outras áreas.

Em 2010, com o Censo, o IBGE constatou que existiam 38.831 índios no Maranhão, pertencendo a diversas etnias, e 76,3% delas estavam em terras indígenas, mas 9.210 estavam fora dos territórios demarcados, vivendo em cidades ou áreas não demarcadas.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário, nos anos 1950 o povo Gamela chegou a ser considerado extinto pelo Estado brasileiro, fazendo parte de uma das dezenas de etnias exterminadas no estado.

Ameaças

Segundo levantamento da CPT, o povo Gamela tem sido alvo constante de agressões, com concentração desde 2015, quando se deu a sua retomada de terras. Em maio de 2015, lideranças indígenas dos povos Gamela e Krenyê, além de agentes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram ao Ministério Público Federal do Maranhão, a fim de requerer adoção, em caráter de urgência, de medidas que garantam os direitos destes povos.

Setembro de 2015

Uma comissão de indígenas do povo Gamela esteve em São Luís entregando uma carta-denúncia na Defensoria Pública da União (DPU), no Ministério Público Federal (MPF), na Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP) e na Funai. Pediram que a destruição ambiental de seu território seja imediatamente cessada; os responsáveis por ela sejam punidos; e também que seja garantida a integridade física do povo que vive no território reivindicado.

Novembro de 2015

Cerca de 100 representantes do povo Gamela, acompanhados por lideranças quilombolas e do povo Krenyê, retomaram uma fazenda que incide sobre o território tradicional, a fim de pressionar a Funai a abrir o processo de demarcação da terra. Indígenas denunciaram as ameaças do dono da fazenda, temendo ação de pistoleiros à noite.

Dezembro de 2015

Em dezembro do mesmo ano, o aviso se torna real e os indígenas sofrem atentado a tiros por homens em uma caminhonete. O acampamento passou então a ser rondado por carros estranhos, mas nenhum indígena havia sido atingido. Boletins de ocorrência foram registrados na delegacia e reunião com as secretarias de Estado de Direitos Humanos, Meio Ambiente, Segurança Pública, Funai e Iterma.

Janeiro de 2016

Em janeiro de 2016, indígenas denunciaram que policiais militares estariam realizando serviços de pistolagem para proprietários de terras. Conforme os indígenas, “as únicas viaturas dos municípios de Matinha e Viana, em vez de proteger a população no período carnavalesco, estavam a serviço dos latifundiários”.

Fevereiro de 2016

Fevereiro do mesmo ano, indígenas Gamelas gravaram duas ameaças de morte feitas por um fazendeiro local, sendo uma delas, segundo a CPT, feita na presença do secretário de Direitos Humanos, um membro da OAB/MA e servidores da Funai. Outro fazendeiro também fez ameaças em uma comunidade indígena, e consta que no dia 15 as gravações “ao secretário Estadual de Segurança Pública, ao superintendente de Polícia Civil do Interior e na Superintendência da Policia Federal, no Maranhão”.

Na última ameaça de morte feita, o referido fazendeiro “relatou a ocorrência de uma reunião entre fazendeiros na cidade de Viana para tratar do que chamam de invasões”. Segundo o mesmo, a solução seria matar “uns quatro cabeças”.
No dia 17 do mesmo mês, Gamelas foram vítimas de tiros, e começaram a cogitar a existência de uma lista com os nomes das lideranças do povo a serem assassinados. Tramitam duas ações na Justiça, ajuizadas por fazendeiros que pedem a retirada dos Gamelas da área, mas o pedido foi negado.
Dois meses depois, Fernando Gamela, de 22 anos, foi assassinado com três tiros na Comunicadetaquarititua, em Viana. O crime foi relacionado à “pressão dos madeireiros interessados na exploração dos territórios tradicionais indígenas”.
Julho/Agosto de 2016
Em julho de 2016, os indígenas Gamelas da Aldeia Cajueiro denunciaram que a Casa de Reunião deles foi incendiada criminosamente.
Um mês depois, o povo Gamela retoma uma fazenda que incide sobre seu território tradicional, no município de Viana. A área retomada fica às margens do Rio Piraí, sagrado para o povo; nele vive João Piraí, Encantado protetor dos Gamelas e das águas onde se reproduzem os peixes, fonte de alimentação aos indígenas. Dias depois, homens armados em duas motos passam pela área indígena retomada e atiram contra o povo Gamela. No dia 26, três homens armados, vestidos com coletes à prova de balas, invadem a área retomada (Sítio Chulanga), usando uma caminhonete. Eles identificam-se como policiais e perguntam pelas lideranças indígenas. Um deles atira para o alto. Indígenas centraram que os pistoleiros declararam que “haveria derramamento de sangue”.
Setembro de 2016
Em setembro de 2016, o juiz da Comarca Estadual de Matinha determinou a reintegração de posse da área retomada pelo povo Gamela, na aldeia Piraí. A decisão liminar concedeu prazo de 30 dias para o cumprimento do despejo das famílias indígenas do local conhecido, como Sítio Chulanga, entre os municípios de Matinha e Viana. O povo Gamela e advogados recorreram da decisão e questionaram a competência do juiz para decidir sob o litígio e a fundamentação utilizada para justificar o despejo. Consta que “todo o texto da decisão era racista e preconceituoso”.
Ainda em setembro, a Polícia Militar vai à Aldeia Piraí (Território do Povo Gamela) a fim de levantar informações em preparação à operação de reintegração de posse determinada pelo juiz da Comarca de Matinha.
Outubro de 2016
Em outubro, as ameaças de morte voltam a se intensificar, com proprietários de terras avisando sobre a execução de lideranças Gamela. Os indígenas mais uma vez emitem nota pública denunciado as ameaças de morte que sofreram.
Ainda no mesmo mês consta que o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão suspendeu a reintegração de posse contra a aldeia Piraí do povo Gamela. “A terra em disputa, retomada pelos indígenas no último mês de agosto, ‘consta não apenas nos relatos dos anciãos, mas também em documentos de ‘doação’ aos Gamelas – caso das Sesmarias de 1759’. A terra indígena está em processo de demarcação pela Fundação Nacional do Índio (Funai)”.
No mesmo mês, é entregue para lideranças ofício sobre reintegração de posse que ocorreria na Sesmaria Índios/Povoado Chulanga/Povoado Gamela, situada entre os municípios de Matinha e Viana.

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