Limpando preconceitos

Encontro homenageará garis de São Luís

Trabalho do agente de limpeza será lembrado com evento e homenagens que estimulam a valorização e o reconhecimento desse profissional, responsável pela limpeza urbana

Honório Moreira

Na tarde de segunda-feira, 22, muitos agentes de limpeza, ou garis, deixarão seus equipamentos de lado e desfrutarão de momentos de lazer e entretenimento. A data em que se comemora o Dia do Gari já passou, mas não custa lembrar e homenagear o responsável pela limpeza urbana de nossa cidade. Aquele que, embora as pessoas teimem em não perceber, está ali para recolher o lixo que diariamente despejamos nas vias públicas. Aquele cuja presença não é percebida, mas a ausência, sentida.

O espaço para esse momento de valorização e reconhecimento do gari será no I Encontro de Agentes de Limpeza de São Luís: Limpando preconceitos, no auditório do Sindicato dos Rodoviários (Centro), a partir das 17h. O evento é uma iniciativa independente da ex-agente de limpeza, Goreth Pereira, por meio da Sociedade de Cultura Latina do Brasil, com apoio da Academia Ludovicense de Letras e da Academia Norteamericana de Literatura Moderna.

Goreth, aliás, é uma figura conhecida, premiada até internacionalmente e que de gari passou a artista; do trabalho nas ruas buscou inspiração para fazer arte. Mas, embora já esteja fora de atuação nas vias públicas há algum tempo, nunca esqueceu o trabalho que desempenhou nas ruas durante 6 meses. Afinal, esse é tema/objeto do seu trabalho nas artes plásticas e na literatura. E é por isso que ela, sem sombra de dúvidas, buscou essa oportunidade de realizar um evento para estar com os agentes de limpeza e reconhecer o trabalho que eles desenvolvem nas ruas.

“Na realidade, eles não são valorizados. Não há reconhecimento. Para algumas pessoas, eles são invisíveis. Então, buscamos esse evento para reunir com eles em um momento que vai ter sarau poético, música, palestra, e no final eu vou dar um boneco/miniatura para os que se destacaram na varrição”, conta Goreth. A miniatura foi feita por ela mesma.

Em outro momento do evento, ela vai anunciar a nova forma carinhosa com que as agentes de limpeza poderão ser chamadas. “Em São Paulo, elas são chamadas de ‘Margaridas’. Aqui queremos que se chamem ‘senhoritas da limpeza’. Assim acredito que as colegas mulheres se sentirão mais valorizadas”, espera Goreth.

Goreth tem 42 anos, trabalhou 6 meses como gari, depois foi trabalhar com reciclagem e hoje é servidora pública, escritora, artista plástica, artesã, estilista e dramaturga. Graças à profissão de gari, ela começou a ter seu talento conhecido e reconhecido, dentro e fora do estado. Já escreveu quatro livros de poesia, recebeu inúmeras homenagens e menções honrosas e ganhou algumas honrarias nacionais e de nível internacional. A última delas foi a comenda Amiga da Educação e Comendadora da Cultura, no Espírito Santo.

Gorethe trabalhou como gari por seis meses e hoje tem seu trabalho de poeta e artesã reconhecido nacionalmente. Foto: Honório Moreira

“Desde que publiquei meu primeiro livro (Confissões, Diálogos em Poesias, 2004), ainda na varrição, eu fiz questão de lutar pela classe, pela valorização. Tem pessoas que nem nos olham, sequer dão um bom dia. Tudo isso eu coloquei no livro como um desabafo poético. Quando fui para a Bienal de São Paulo, muitos me criticaram e me disseram que estar lá era para quem tinha nome. Eu estive lá. Eu acreditei no meu sonho e realizei. Sempre me pauto pela frase do escritor francês Victor Hugo, que diz: ‘Eu caminho vivo no meu sonho estrelado’. Eu acredito nos meus sonhos”, conclui.

VARRENDO A DISCRIMINAÇÃO

Durante o seu tempo como gari, Goreth conta que viveu algumas experiências ruins e lembra que esse é um trabalho como outro qualquer. Todos os seus livros são autobiográficos e neles ela relembra aqueles fatos mais marcantes. “Teve uma poesia que eu escrevi contando de um dia que a gente foi tomar água em determinado lugar e disseram que a gente tinha que começar a levar nosso próprio copo e nossa própria água. Poxa, aquilo tocou em mim. Nós limpamos o lixo, mas não somos lixo”, lamenta.

PRAZER PELO QUE FAZ

Embora a profissão carregue um estigma ruim (para alguns), ser gari não é algo que envergonhe. Pelo contrário, encontramos entrevistadas que exibem um sorriso no rosto e falam com orgulho da profissão que exercem. Como Marinete Maramaldo Sena, 51 anos, gari há quatro. Casada e mãe de seis filhos, ela conta que chega em casa com a satisfação do dever cumprido e revela amor pelo que faz.

“Se eu gosto de ser gari? Eu amo!!! Eu boto é pra limpar mesmo. Gosto de limpeza. Trabalho é com amor. É a primeira vez que trabalho como gari e gosto muito do que faço, só isso que tenho pra dizer (risos)”.

E gosta mesmo. Os colegas contam que quando ela termina a rota dela vai ajudar os das outras áreas. “É porque sou prestativa mesmo. Gosto de ajudar”, confirma. E é por esse espírito que Marinete será um dos destaques do evento de amanhã, por ser parceira dos seus colegas.

A parte ruim disso, o preconceito ou falta de valorização, ela tira de letra. “Algumas pessoas não nos olham, mas outras olham, dão bom dia, conversam… isso pode ser pouco, mas é o que vale. Também tem aqueles que a gente termina de limpar, eles vêm e sujam, mas, fazer o quê? É limpar de novo”, ameniza.

Para outra agente de limpeza, Iranilde Lopes (conhecida por Preta), a única desvantagem do trabalho de gari é ter que suportar o calor forte de São Luís, fora isso, não se importa com o que os outros pensam. “É meu trabalho, ganho pra isso. Com ele me sustento e sustento a minha família, tenho carteira assinada e faço o que tem que ser feito. Para mim é um bom trabalho, um trabalho como outro qualquer e que eu gosto muito de realizar”, diz.

SOBRE A DATA

Encarregada de recolher os lixos, limpar e varrer todas as ruas das cidades, parques e praças, a profissão de gari surgiu no Rio de Janeiro, quando um empresário chamado Aleixo Gary assinou contrato com o governo para organizar o serviço de limpeza das ruas e praias da cidade. O profissional acabou levando o nome dele e desde então os garis trabalham duro todos os dias, de dia ou à noite.

SERVIÇO

O quê? I Encontro de Agentes de Limpeza de São Luís: Limpando preconceitos

Quando? 22, às 17h

Onde? Auditório do Sindicato dos Rodoviários (Rua Afonso Pena, Centro)

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