SAÚDE

Transtorno de ansiedade pode ser confundido com outras doenças

No Maranhão, os dados sobre os casos ainda são desconhecidos

Reprodução

Brasil é o país com maior número de casos de transtorno de ansiedade em todo o mundo, e o quinto no também preocupante ranking da depressão. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 18,6 milhões de brasileiros viviam com algum tipo de transtorno de ansiedade em 2015, o que representa 9,3% da população. No mundo todo, cerca de 264 milhões de pessoas sofrem com transtornos de ansiedade, uma alta de 15% em 10 anos. Já segundo um estudo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, o transtorno de ansiedade afeta duas vezes mais mulheres que homens. No Maranhão, os dados sobre os casos ainda são desconhecidos, ou pelo menos não divulgados pelo Governo do Estado para esta reportagem, mas a incidência de casos não é estranha aos profissionais que lidam diariamente com saúde mental, e a resistência em busca de tratamento poderia deixar os números do país ainda maiores.

Foto: Karlos Geromy

Para o médico especialista em saúde mental e coordenador do Centro de Atenção Psicossocial Caps AD, no Monte Castelo, Marcelo Costa, o transtorno de ansiedade muitas vezes é negligenciado pelos que sofrem por acharem que estão com problemas de outra natureza. “Muitas pessoas chegam na emergência dos hospitais se queixando de taquicardia, de dores em várias partes do corpo e, quando se faz os exames, não apresentam nada. Essas pessoas têm Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e não sabem”.

Costa indica que 70% das pessoas com transtorno de ansiedade não são diagnosticadas a tempo, e entram em fase crônica, dificultando o tratamento e zerando as chances de cura. Ele explica que o transtorno de ansiedade compreende uma gama variada de manifestações e tipos. “Há o medo de locais fechados, síndrome do pânico, medo de sair à rua, entre outros.

Há, ainda, o transtorno de ansiedade generalizada, quando se começa a sentir sintomas múltiplos, como taquicardia, medo imotivado, dispineia, falta de ar, não consegue dormir”, disse. O especialista contou que em alguns casos a pessoa com Ansiedade Generalizada começa a “ver coisas que não existem, ter sensação de que alguma coisa em seu organismo não está bem”. “São esses casos que acabam nas emergências dos hospitais. Porque chegam com sintomas de infarto, acidente vascular cerebral, e depois de todos os exames não se encontra nada”, contou Marcelo Costa.
Para aqueles que começam um tratamento, mas param no meio, Costa alerta que pode haver um agravo nos sintomas. “O tratamento de ansiedade se dá em dois níveis: a farmacologia, com medicações específicas, que não só os ansiolíticos, que geram um quadro de dependência, mas existem também medicações antidepressivas, estabilizadores de humor; e a psicoterapia. É importante que quem está em tratamento não deixe de ir ao psicólogo, ao psicoterapeuta, até que se entenda quando os sintomas se iniciam, se com taquicardia, sudorese, não dormir direto, irritabilidade. Então, são alguns sintomas que ela vai identificar e já buscar ajuda para não deixar a chegar quadros graves”, explicou Costa.
Um mito comum e que carrega a sombra do preconceito com a saúde mental seria de que ansiedade ou mesmo depressão seriam “doenças de rico”, como se apenas pessoas de condição social elevada sofressem estresse, se traumatizassem com acontecimentos, e pessoas de menor condição financeiras estivessem “acostumadas” com a vida. Para Marcelo Costa, isso se dá exatamente ao contrário. “O transtorno de ansiedade se dá duas vezes mais em mulheres que em homens, mas a partir daí não há distinção de classe, cor, lugar no globo. Aliás, pessoas que vivem em meio à violência constante, em zonas periféricas, têm mais chances de desenvolver algum transtorno. O ambiente lhes afeta, ao contrário de alguém que não teve contato com violência e pode nunca vir a desenvolver um transtorno de saúde mental”, ressaltou.

A rede pública de saúde oferece tratamento e ajuda gratuita para todos os transtornos de saúde mental. Pessoas que precisem de ajuda podem se direcionar aos Caps, havendo inclusive um especializado em saúde mental, sem comorbidade de drogas, na Av. Getúlio Vargas, no Monte Castelo. Há ainda o centro de transtorno de ansiedade no Hospital Nina Rodrigues. A rede pública municipal de São Luís, oferece tratamento através do Programa de Saúde Mental, da Rede de Atenção Psicosocial da Secretaria Municipal de Saúde.

Convivendo com a ansiedade

O preconceito e os mitos com a saúde mental são bastante prejudiciais para a vida de quem sofre com ansiedade, depressão e outras manifestações. Em alguns casos podem levar à exclusão social ou mesmo impedir o começo ou continuação de um tratamento em curso. É o caso da jornalista Ana Silva, de 26 anos, que preferiu usar um nome fictício para esta reportagem, uma vez que sua família e amigos nunca souberam que ela tem transtorno de ansiedade e que já procurou ajuda médica.
Ana conta que foi diagnosticada há cinco anos, mas que parou o tratamento logo no início porque não queria ficar “dependente dos remédios”. “Eu não percebi sozinha que precisava de ajuda, foi um amigo psicólogo que pediu para eu procurar auxílio médico. Na época, eu estava com depressão e ansiedade. Cheguei a tomar remédio por, acho, que uns oito meses”, contou. “Na época, parei por questões financeiras mesmo, as medicações eram muito caras e eu não trabalhava na época, por isso não conseguia comprar os remédios. Fiz o tratamento sem conhecimento dos meus familiares e amigos. A maioria hoje não sabe, eles não entenderiam e teriam preconceito. É uma situação delicada”, relatou Ana.
A nutricionista Amanda de Sousa, de 24 anos, foi diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) há mais de dois anos, e tem feito tratamento desde então. “Suspeita-se que eu tenha desenvolvido TAG por conta de uma síndrome crônica que tenho diagnosticada há mais de 5 anos”. O convívio com a TAG, ela enfatizou, “não é fácil”. “Ser ansiosa é ter a vida imensa em uma bagunça mental que às vezes foge ao controle. Daí vêm as crises, e esse é um momento de escolha muito importante: ir a uma unidade de emergência ou se automedicar? Bom, para ir à unidade de emergência, tem que sair de casa, o que já é um esforço tremendo”, disse ela. Ir ao hospital, Amanda classifica como um “terror”, a hora em que começa uma “tortura”. O tratamento não é simples e, segundo ela, bastante desgastante e desumano, já que quando há uma crise, os médicos relutam em receitar logo o medicamento adequado.

O solidão e o ciclo

Como Amanda conta, a ansiedade “é algo que não é visto”, o que torna “prático” para quem não tem o problema dizer apenas “aguente firme”. Para esses conselhos vagos, a nutricionista faz um apelo por mais compreensão. “Eu queria que todas as pessoas do mundo tivessem uma certeza: quando um ansioso pede ajuda é porque ele não consegue mais aguentar. A dor no peito já é muito grande, o sofrimento, a inquietação já são além das nossas forças. Dizer coisas como ‘Vá ler um livro ou assistir TV’, ‘Vá passear na praia’, não adianta!!! A gente não se concentra em nada, não observa nada, a cabeça tá cheia de coisas querendo se sobrepor ao mesmo tempo”.

médica Camila Miranda, de 27 anos, também contou sua experiência com a ansiedade. Para Camila, o final da faculdade de Medicina, junto com o estágio e a produção do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), formaram a receita que desencadeou o transtorno de ansiedade. “Não conseguia me concentrar, meu TCC não andava, eu ficava pensando muito em como seria o futuro, com medo de fracassar, e isso tudo só me deixava mais ansiosa ainda. Eu comecei a ter insônia, acordava às três da manhã e não dormia mais”, relatou. “Como passava o dia no estágio, desde as seis da manhã, não tinha tempo pra descansar e, quando chegava à noite em casa, tinha que fazer o tcc. Com o cansaço, não conseguia fazê-lo direito e isso me deixava com uma sensação de culpa muito grande e desânimo por achar que não ia conseguir”, disse. Camila apontou como tudo é um “grande ciclo: a ansiedade não te deixa produzir e não produzir te deixa ainda mais ansioso”, completou.

VER COMENTÁRIOS
Polícia
Concursos e Emprego
Esportes
Entretenimento e Cultura
Saúde
Negócios
Mais Notícias