Opinião

Leia ‘A tragédia brasileira’, artigo do advogado João Batista Ericeira

Passados os efeitos midiáticos, tudo volta a rotina. A situação permanece inalterada até a reprodução de novo episódio macabro.

O massacre de Manaus é a repetição do ocorrido no Carandiru, São Paulo,1992; em Pedrinhas, São Luís, 2010. A superlotação carcerária, o domínio do tráfico nacional e internacional de drogas, disputando a hegemonia nos espaços internos dos complexos penitenciários, e nas fronteiras, escancara ao Brasil e ao mundo, o gravíssimo problema de segurança pública. As chacinas chamam a atenção dos órgãos de comunicação que destacam equipes para as coberturas jornalísticas. Os jornais, revistas, emissoras de televisão e as redes sociais não têm outro assunto.

Passados os efeitos midiáticos, tudo volta a rotina. A situação permanece inalterada até a reprodução de novo episódio macabro. As autoridades concedem entrevistas, divulgam providências, anunciam mais um Plano Nacional de Segurança, capaz, de a curto, médio e longos prazos, enfrentar o problema, de graves consequências para as pessoas e a sociedade. Colocando-nos aos olhos da opinião pública interna e externa como um povo bárbaro.
Quem são os responsáveis por tamanha e perigosa omissão? Antropólogos, sociólogos, criminalistas, juristas, teorizam sobre as causas históricas e culturais da violência. O que acontece nos presídios, reflete o macrocosmo de uma organização social profundamente desigual, nela, os endinheirados têm direito a tudo, os pobres, a nada.

Alguns dados sobre a população encarcerada são esclarecedores.56% são jovens na faixa etária entre 18 e 29 anos de idade. Desse total, 67% são negros. Triste herança do escravagismo, a mais brutal e violenta forma de organização social. Outras informações do Sistema de Segurança Pública: entre 2010 e 2014, a taxa de aprisionamento cresceu 119%, ultrapassa 622 mil pessoas, 41% delas são de prisões provisórias. O último dado é, em parte determinado pela decretação de medidas coercitivas de liberdade de forma indiscriminada, desconsiderando a natureza e a gravidade dos delitos. Essa forma de aplicação da Lei Penal contribui para o agravamento da superlotação carcerária.

Em 2015, 58.492 pessoas foram vítimas de homicídio. 54% eram jovens. 73% negros e pardos. O estupro, crime de violência sexual, acometeu 45.460 mulheres durante esse ano, evidenciando a escalada de brutalidade a que estão expostos sobretudo os mais vulneráveis, os jovens e as mulheres. Há, indiscutivelmente, falta de política criminal adequada. E ausência de acesso ao Direito de Defesa, garantido pela Constituição Federal, possibilitando que presos provisórios, e até os que já cumpriram as penas, permaneçam nos presídios, impedidos de sair por entraves burocráticos. Neste caso, a inexistência de gestão concorre para o agravamento do quadro da superpopulação carcerária. Pela leitura dos indicadores, fica também claro que a desigualdade social, atingindo os mais jovens e os mais pobres, concorre para a eclosão dessas matanças, conjuntamente com a inexistência de Política Criminal que cumpra objetivos e metas definidas.

Outros fatores são determinantes. A exemplo da corrupção das elites dirigentes do Estado em consórcio com as empreiteiras e os conglomerados financeiros. O consórcio comprova que o crime compensa, ao tempo em que enfraquece a autoridade moral dos agentes estatais. O ´péssimo exemplo das elites gera a descrença nas instituições e nas normas. De nada adiantarão discursos que não correspondam a efetivos padrões de conduta. A privatização dos presídios precisa ser urgentemente revista.

No Brasil há um agravante, a carência de instituições sólidas, depositárias de valores como o cumprimento das leis. Alexis de Tocqueville na sua viagem aos Estados Unidos para estudar o sistema penitenciário, constatou a ser essa uma das pilastras da eficácia da democracia norte-americana. Aqui, a começar pelas autoridades, faz-se o discurso das leis para na prática descumpri-las.

Tocqueville percebeu, o sistema penitenciário retrata o funcionamento do regime político de um povo, tanto que o seu livro “A Democracia na América” é um clássico da ciência política. Entre nós, sempre agindo em decorrência de emergências, agora, há representação no Conselho Nacional de Justiça, de diversas organizações de Direitos Humanos, visando a tomada de providencias sobre o problema carcerário. De acordo.

Mas a população espera também que os Direitos Humanos sejam exigíveis em relação a quem cumpre as suas obrigações de cidadania, e que se vê exposto a políticas públicas nefastas conducentes ao desemprego. Por fim, a responsabilidade política é dos dirigentes dos três poderes da República e dos três entes federativos. Chega de discursos. É hora de intervenção federal nos presídios, de convocação das Forças Armadas para o enfrentamento da questão, que não é acidental ou episódica. Trata-se de uma verdadeira tragédia.

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