Leia o artigo “Negócio agrícola: verdades e fundamentalismos”, do professor José Lemos
Dois Ministérios, ou duas Secretarias de Estado, significam dois cargos de primeiro escalão (cada um com adjuntos), com todo o séquito decorrente, que envolverá equipes que não terão definição da delimitação das suas responsabilidades.
A expressão “Agronegócio” é uma tradução incorreta de “Agribusiness”. Transformou-se numa expressão “maldita” para alguns. Gente que, na maioria das vezes, não sabe como se dá a produção agrícola. Nunca viu a lide de um agricultor.
Não precisa ter conhecimento profundo da gramática inglesa para saber que naquela língua o adjetivo precede o substantivo. Assim, escreve-se na língua de Shakespeare: “beautiful boy” (música que John Lennon escreveu para o seu único filho, Sean, com Yoko Ono). A tradução da letra da música para o nosso vernáculo seria: “garoto bonito”. “Boy” é o substantivo, enquanto que “Beautiful” é o adjetivo. Em português: “Adjetivo é toda palavra que caracteriza o substantivo, indicando-lhe qualidade, defeito, estado, condição”. Na palavra “Agribusiness”, “Agri” é o adjetivo, e “Business” é o substantivo. Assim, não é correto ser traduzido como “Agronegócio”. Assim como não é correto traduzir “Hotel Business” como “Hotelaria negócio” ou Hotnegocio (que já teria outro significado). Desta forma, a tradução correta para o português da expressão “Agribusiness” é “Negócio Agrícola”. O termo “Agribusinsess” surgiu pela primeira vez em 1957 pelo trabalho dos economistas John Davis e Ray Goldberg que o definiram como: “o conjunto de todas as operações e transações envolvidas desde a fabricação dos insumos agropecuários, das operações de produção nas unidades agropecuárias, até o processamento, distribuição e consumo dos produtos agropecuários ‘in natura’ ou industrializados”.
As “Unidades Agropecuárias” podem ser enquadradas em dois tipos: “Unidades Agrícolas Familiares (UAF)”, e as “Unidades Agrícolas Patronais (UAP)”. As UAF foram motivo de exaustivas análises de um Agrônomo Russo que se especializou em Economia Agrícola: Alexander Chayanov (1888-1937). De formação marxista, Chayanov descreveu na sua obra o que seriam essas unidades agrícolas familiares que ele chamava de “agricultura camponesa” ou “agricultura de subsistência”. Chayanov era cético em relação à capacidade dos agricultores serem capazes de produzir excedentes para vender e ganhar dinheiro. Talvez aí esteja a raiz da ojeriza que muitos têm da possibilidade da agricultura ser um negócio rentável, como qualquer outro.
As UAF são caracterizadas pela reunião de pessoas que tem relações afetivas para produzirem bens agrícolas. Por definição, nas UAF não há relação Patrão-Empregado. A não ser em períodos de piques de trabalhos, é admitido que essas unidades possam contratar mão de obra temporária e continuarem sendo tratadas assim.
As UAF são, a um só tempo, unidades de produção e de consumo. Enquanto unidades de produção se enquadram no que eu chamo de “negócio agrícola”. Produzem bens agrícolas para o mercado. Vendendo-os e fomentando renda monetária.
Como unidades de consumo produzem bens agrícolas para o abastecimento da família. Geram o que chamamos de “renda não monetária”. Uma renda que não entra. Mas não sai. Caso não produzissem, as famílias teriam que comprá-los e pagariam os preços de mercado, em geral superiores àqueles que vendem o que produzem. Assim, a renda bruta total das UAF é a soma das rendas monetária e não monetária.
Nas UAP prevalecem apenas relações patrões-empregados. Como em qualquer atividade empresarial, quando um empregado agregar menos ao produto do que o montante que receber como salário será demitido. Em geral essas unidades de produção se especializam. Mas podem praticar diversificação, como o cultivo em sucessão.
As UAP têm dinâmica própria. Transacionam com “tradings” para aquisição de fertilizantes, defensivos agrícolas, sementes, mudas. Negociam diretamente com o sistema financeiro as tomadas de empréstimos. Mantém quadros técnicos qualificados. Para essas unidades as ações do Estado que lhes influenciam decorrem das politicas macroeconômicas que afetem as taxas de juros e a de câmbio. Decisões que são tomadas nos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e no Banco Central.
As UAF, ao contrário, precisam de assistência técnica, extensão e fomento rurais, no geral, providos pelo Estado. Também são afetadas pelas politicas macroeconômicas, mas o Estado desenha (ou deveria desenhar) politicas públicas para lhes servir de anteparo a eventuais transtornos decorrentes dessas políticas.
Dada à dinâmica própria em que se praticam as atividades agrícolas nas UAP a ação do estado nelas é mínima. Acaba se reduzindo a campanhas de vacinações, fiscalização sanitária vegetal e animal, que dispõem de agencias para isso, por imposição legal. Portanto, não se justifica o desmembramento do Ministério da Agricultura em dois, sendo um deles voltado para as UAP. Raciocínio que cabe como luvas para os estados brasileiros que não precisam de duas Secretarias para tratar das problemáticas agrícolas e agrárias. Ou do Rural, de um modo geral.
Dois Ministérios, ou duas Secretarias de Estado, significam dois cargos de primeiro escalão (cada um com adjuntos), com todo o séquito decorrente, que envolverá equipes que não terão definição da delimitação das suas responsabilidades.
A não ser por fundamentalismo ideológico ou, meramente para acomodar interesses políticos, não há justificativa técnica ou racionalidade administrativa para existirem dois Ministérios para cuidar da Agricultura no Brasil. Assim como não faz qualquer sentido existirem duas Secretarias para cuidarem deste tema nos estados.