Conheça o poeta dos muros
Prestes a completar 80 anos, Emílio Ayoub se orgulha de há várias décadas enfeitar muros com frases e poesias que versam sobre a alma, o amor e a natureza
Conversar com o advogado e poeta Emílio Ayoub é como folhear as páginas de um livro de poesia. Entre uma frase e outra, versos, poemas e poesias são ditos. Embora o poeta fale pouco, muito ele observa e o que é observado transborda nas páginas dos livros, ou nos muros da cidade. Sim, conversamos com Emílio Ayoub, o poeta que há décadas enfeita vários muros da cidade com suas poesias, e aproveitamos para mostrar quem é escritor por trás dos muros.
Quem é esse homem que oferece mensagens de amor, de calma, de reflexão, de humanidade em pílulas tendo os muros como painéis a céu aberto? Como ele está hoje e como se sente ao saber que, por causa das suas frases nos muros, tornou-se um cidadão conhecido por grande parte da população da cidade?
Talvez, sem nem saber, Emílio se tornaria um dos primeiros poetas visuais de São Luís. Poesia dita, visível e acessível a todos, há várias décadas, os moradores são presenteados com pequenos versos que, além de encantar, fazem refletir e marcaram para sempre o cotidiano do ludovicense. “Os muros são enfeites da cidade”, comenta.
Ele não sabe precisar ao certo quando e onde foi o primeiro muro que recebeu uma poesia dele, mas diz que são centenas, e que começou a escrever muito jovem. “E continuo escrevendo e aprendendo. Somos eternos aprendizes”, diz.
Pelo jeito introspectivo, de pouca fala, pergunto se a natureza dele é essa mesmo ou se está mais recluso por conta da idade. Ele diz que sempre foi assim e dispara: “Sou assim mesmo. Levar poesia para os muros foi uma forma de extravasar a poesia de dentro de mim”.
Prestes a completar 80 anos – ele nasceu em 1º de março de 1937 –, Emílio mostra uma vitalidade surpreendente. Saudável e de bem com a vida, todos os dias faz o que mais gosta: ir à praia, ter contato com o mar e com o sol, que, aliás, está em muitos dos seus versos. Acompanhado sempre de sua fiel escudeira, Mariana Matos, ele curte os prazeres da vida de frente para o mar pensando nas coisas que viveu.
Mariana diz que é uma espécie de faz tudo. É acompanhante, auxiliar, secretária, amiga. Uma pessoa em que Emílio confia de olhos fechados. “É uma pessoa que eu quero muito bem, e que quero sempre por perto”, confidencia.
São belos os reflexos do sol,muito mais belos os reflexos do amor.
Em um dos muitos silêncios feitos durante a nossa conversa, ele diz: “Tudo que é iniciado é dado sequência para sempre, sempre fica, nunca é apagado”, pensa alto. Pergunto se está lembrando de alguém ou algum amor do passado e ele se cala. Por opção, não se casou, não teve filhos, mas diz que namorou milhares de mulheres, aliás, diz que continua namorando, porque, como já havia falado, “nada é apagado”.
“Não casei porque preferi namorar com todas, namorar com o universo. Sou casado com o universo. Amores? tive alguns, como a Amy, uma americana. Mas continuo namorando com todas. Todas são eternas namoradas”. E a resposta faz lembrar de mais uma frase que vi no muro: “Todo instante é eterno quando vivido com emoção”.
Painéis de poesia
Quem tem mais de 30 anos e é atento ao seu redor, à paisagem urbana, já deve ter se acostumado com as várias frases e poesias estampadas nos muros de várias residências e de vários bairros e até no interior. E também deve já ter se perguntado como ele faz para ilustrar todos aqueles muros. Ele aluga? As frases são dele? Todos os muros pintados são de imóveis dele. Se hoje há menos pela cidade, segundo Mariana, é porque quem aluga o imóvel renova a pintura. Sobre as frases e poemas, ele diz que são todos dele.
Embora não esteja mais escrevendo para os muros, todas as pinturas são renovadas sempre que precisam. A ideia é nunca deixar que a poesia morra. E elas estão por aí nos bairros Olho d’Água, Maiobão, Retiro Natal, Camboa, Calhau, entre outros.
E de onde vem a inspiração para todas as suas frases e versos e os mais de 150 livros publicados espalhados pelo Brasil? “A inspiração é Deus, é o universo. A escrita é de Deus e eu sou um eterno aprendiz”, responde.
Sobre o retorno que recebe das pessoas a respeito das mensagens que deixa nos muros, Emílio mais uma vez recorre à prosa para definir. “Minha alegria é ver o reflexo do corpo e da alma da pessoa por trás da poesia que ela consome. Sempre que recebo um elogio, eu me harmonizo com a alma da pessoa”.
A poesia do instante
Uma vez poeta, sempre poeta, e a poesia é também o instante, o momento, a contemplação. Enquanto eu fazia anotações, ele me olhava e falava, mas só depois percebi que a poesia era direcionada para mim: “Teu sorriso, teus gestos, forma atenciosa de contemplar as coisas, é reflexo do universo, reflexo da alma”, disse para mim, para logo em seguida completar: “A poesia tem que ser o momento. Não se pode deixar pra depois. É fruto de um sopro divino. O poema é o momento”, define.
Ainda advogando em causa própria, saudável, lúcido, escritor, poeta e independente (ele vai à praia às vezes dirigindo e sozinho), Emílio mostra que a poesia o move e que ela é capaz de fazer com que a pessoa seja o que ou quem ela deseja. “A vitalidade é o reflexo da alma. Se a alma está bem, então o corpo está bem”, finaliza.