A justiça francesa freou na última sexta-feira (26/8) a proibição do uso do burkini nas praias, considerando que esta medida tomada por um prefeito e replicada em várias localidades do país constituía um “atentado grave contra as liberdades”, na ausência de “risco evidente” para a ordem pública. “Na ausência de risco, a emoção e os temores provocados pelos atentados terroristas (…) não bastam para justificar legalmente a proibição” do burkini decidida em Villeneuve-Loubet (sudeste), a primeira localidade onde a medida foi implantada, ressaltou o Conselho de Estado.
“A ordem em litígio constitui um atentado grave e manifestamente ilegal contra as liberdades fundamentais que são a liberdade de movimento, a liberdade de consciência e a liberdade pessoal”, acrescentou o Conselho em sua decisão. A decisão de último recurso da mais alta instância administrativa francesa, celebrada pelos representantes do culto muçulmano e organizações pró-direitos, será vinculante para toda a França, onde trinta localidades imitaram a proibição de Villeneuve-Louvet. A polêmica sobre a proibição desta vestimenta gerou uma grande polêmica dentro e fora do país, e chegou a dividir inclusive o governo.
O Conselho de Estado lembrou a todos os prefeitos que invocaram o princípio de laicismo que para proibir o acesso às praias não podem se fundar em “outras considerações” distintas da ordem pública, “da acessibilidade à zona de banho, segurança do banho, higiene e decência”. Esta decisão “de senso comum permitirá acalmar a situação, que estava marcada por uma tensão muito forte entre nossos compatriotas muçulmanos, especialmente as mulheres”, reagiu, questionado pela AFP, o secretário-geral do Conselho Francês de Culto Muçulmano (CFCM), Abdullah Zekri. A suspensão “criará jurisprudência”, celebrou Patrice Spinosi, advogado da Liga de Direitos Humanos, organização que pediu ao Conselho que se pronunciasse sobre a questão.
Fotografias publicadas na terça-feira pelo New York Times que mostravam quatro policiais repreendendo uma mulher com véu em uma praia de Nice provocaram comoção. A imprensa alemã mencionou uma “guerra de religião” e o prefeito de Londres, Sadiq Khan, considerou que “ninguém deveria ditar às mulheres o que devem vestir”. Em um país que se inflama regularmente sobre o lugar do Islã na sociedade e a dez meses da eleição presidencial, a classe política francesa mergulhou de cabeça na polêmica.
O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, candidato às eleições primárias da direita, classificou na quinta-feira o burkini de “provocação” e propôs proibir também os símbolos religiosos nas empresas, administração, universidades, etc. E o partido de extrema-direita Frente Nacional pediu a extensão a todo o espaço público da proibição de usar o véu.
A questão foi fonte de divergências dentro do governo. Enquanto o primeiro-ministro, Manuel Valls, apoiou as proibições, a ministra da Educação, Najat Vallaud-Belkacem, declarou que “a proliferação” de ordens contra o burkini não era “bem-vinda” e afirmou que se trata de uma “derivação política” que “libera o discurso racista”. Além disso, a ministra da Saúde, Marisol Touraine, disse que temia uma “estigmatização perigosa para a coesão do país”.
Na quinta-feira, o presidente François Hollande convocou a não ceder à “provocação” nem à “estigmatização”, mas não se pronunciou sobre os textos dos decretos locais envolvendo o burkini em um país que conta com a comunidade muçulmana mais importante da Europa. O diretor do programa Europa da Anistia Internacional, John Dalhuisen, considerou que os decretos sobre o burkini eram uma “proibição discriminatória que se funda e que nutre os preconceitos e a intolerância”.