Tati Bernardi tentou de tudo para lidar com a ansiedade. Consultou o Dr. Guido, psiquiatra que cobrava R$ 900 por consulta e a enviou para um teste insano na tentativa de descobrir se tinha uma doença que a fazia desmaiar. Mas Dr. Guido não ouviu quando Tati insistiu que “‘nunca” desmaiava. Fez meditação com um monge escroque, tentou constelação familiar que consistia em abraçar almofadas, se juntou a um grupo de deprimidos em uma fazenda no interior, fez acupuntura com um galã cuja ousadia beirava o crime e até procurou um “psiquiatra espírita” da USP. Não deu certo. Passou a técnicas mais ortodoxas: boxe, grupo de corrida, tarólogas, cartomantes e astrólogas. Também não funcionou.
Tati Bernardi sofre de crise de pânico, e a escrita, de todos os tratamentos, talvez seja o mais importante. Por isso, Depois a louca sou eu é um ato de sobrevivência e, também, de coragem. “Talvez escrever me salve diariamente de não enlouquecer de verdade”, escreve a roteirista na introdução dessa reunião de crônicas inéditas nas quais a ansiedade e como conviver com ela são os temas dominantes. É um livro sobre o medo, como lembra a escritora em entrevista ao Diversão & Arte, e para escrever um livro sobre o medo, é preciso coragem.
Escrito em primeira pessoa, uma marca de tudo que Tati escreve, Depois a louca sou eu tem todo o humor negro e a ironia característicos da autora e pode ser bem engraçado em muitos momentos, mas é mais que isso. É de dor, sofrimento, insegurança, confusão e hesitação que ela fala, mesmo que às vezes o faça sem nenhuma piedade de si mesma e até com certo escárnio. A ansiedade pode colocar a pessoa em situações surreais, eventualmente hilárias, mas na maioria das vezes, é sofrimento mesmo que se colhe. “Sempre fui muito ansiosa, desde criança, e mais velha fiquei pior”, conta.
Um contrato como roteirista da Rede Globo piorou a situação. Profissionalmente, foi muito bom. Tati viu alguns de seus trabalhos fazerem sucesso. A série Meu passado me condena, com Fábio Porchat, foi exibida durante três anos no Multishow, entre 2012 e 2015, e virou filme. Escreveu também para as novelas Sangue bom (2013) e Vida da gente (2011), além do programa Amor & Sexo, entre 2009 e 2011. Mas Tati mora em São Paulo e precisou virar freguesa da ponte aérea para dar conta dos compromissos que deveriam ser, na verdade, motivo de comemoração de sucesso profissional. Entrar em um avião toda semana para enfrentar horas de reunião ao lado de “amigos cariocas bronzeados, felizes” fez a ansiedade subir a mil.
Em um dos textos, ela fala sobre a primeira crise de pânico. Não foi no avião, mas aos 6 anos, na casa de uma coleguinha. E foram muitas outras primeiras até Tati decidir ou entender que precisava de auxílio e encontrar uma ajuda que realmente fosse efetiva. Ela percebeu então que não era a única a sofrer de ansiedade. Descobriu que 80% das pessoas que conhecia já haviam tomado ou estariam em vias de tomar um ansiolítico. E se deu conta de que, talvez, isso seja uma espécie de mal do século. Ou, pelo menos, de um fim de milênio e início de outro.