NOSSO PAPEL

O Casarão, o jornal e Eu

“Foi em razão de notícias publicadas nesses tempos adolescentes que minha pequena história pessoal se cruzou, pela primeira vez, com a história desse jornal, patrimônio de todos nós.”

Juíza Ana Luiza Almeida Ferro
São Luís é uma cidade encantada, senhora do maior conjunto arquitetônico de azulejos lusitanos de toda a América Latina, o que a torna a capital brasileira com maior quantidade de casarões em estilo tradicional luso. Como toda dama vaidosa, ainda por cima quatrocentona, tem seus segredos e histórias.
O Palacete da Rua Formosa não foge à regra. Esse belo casarão só poderia estar situado em certa Rua Formosa, hoje Afonso Pena. De edificação provavelmente iniciada na década de 1813, já foi quase tudo: residência do fazendeiro e comendador Leite e de sua família, mais de um colégio, hotel, sede de companhia de gás, clube familiar, cassino, escritório de advocacia, tribunal, tabelionato, loja de joias, locação para filmes…
Mas a maior joia que abrigou, de 1967 a 1992, foi certo jornal fundado por José Pires Ferreira em 1926, depois vendido ao magnata das comunicações Assis Chateaubriand ou Chatô, então rei do Brasil sem coroa, um dos homens públicos de maior influência dos anos 40 a 60. E o jornal foi incorporado ao império dos Diários Associados.
Diz Rui Barbosa que o jornalista “é, para o comum do povo, ao mesmo tempo um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado e um censor, um familiar e um magistrado”. Nada mais natural, portanto, que o Palacete da Rua Formosa, com seu passado de ninho de professores e homens das leis, tenha se tornado o baluarte de jornalistas pioneiros.

“Esse belo casarão só poderia estar situado em certa Rua Formosa, hoje Afonso Pena. De edificação provavelmente iniciada na década de 1813, já foi quase tudo: residência do fazendeiro e comendador Leite e de sua família, mais de um colégio, hotel, sede de companhia de gás, clube familiar, cassino, escritório de advocacia, tribunal, tabelionato, loja de joias, locação para filmes… “

Ana Luiza Ferro

Emprestaram a sua pena à redação do jornal no casarão personalidades como Odylo Costa Filho, Josué Montello, José Louzeiro e José Sarney, sem esquecer o papel de colaboradores desempenhado pelos articulistas Erasmo Dias e Ferreira Gullar. A História fez morada no Palacete e o jornal lá fez história, relatando e comentando, dia a dia, os grandes e pequenos eventos dos maranhenses, dos brasileiros e da humanidade.

Mas esse jornal também fez história alhures, antes de se tornar a alma do Palacete. Funcionou na Avenida Magalhães de Almeida e na mesma Rua Afonso Pena em outro endereço. Foi em razão de notícias publicadas nesses tempos adolescentes que minha pequena história pessoal se cruzou, pela primeira vez, com a história desse jornal, patrimônio de todos nós.
Sede do jornal O Imparcial, no Centro, na Rua Afonso Pena

A 21 de novembro de 1945, este registrava: “O julgamento de Nuremberg, o maior de tôda a história da humanidade, dá inicio a um novo principio internacional, que é o de responsabilizar e julgar os dirigentes de qualquer nação que se lançar á luta, á agressão e á conquista.” Incluí esta notícia, ainda com sabor de atualidade, dentre outras, no capítulo “O Maranhão e o Tribunal”, integrante de minha monografia de conclusão do Curso de Direito da UFMA, sob o título “O Tribunal de Nuremberg”, apresentada em 1992.

Ainda mais significativo para mim foi o artigo “São Luís, herdeira da França Equinocial”, publicado na histórica edição de 8 de setembro de 2012 do jornal, em celebração aos 400 anos de São Luís, do qual destaco o seguinte trecho: “O Maranhão hodierno, no ano em que sua capital São Luís completa quatro séculos de fundação pelos franceses, no longínquo 8 de setembro de 1612, procura reviver este passado distante, jamais olvidado.
A fundação de São Luís por La Ravardière e Razilly – este, injustamente, pouco lembrado – não é e nunca poderia ser um mito: é, sim, um fato histórico preciso e documentado.” Foi a primeira e única vez que eu e o meu mui amado e saudoso pai, o professor universitário e escritor Wilson Ferro, assinamos um artigo juntos. Por derradeiro, cito a publicação, em 14 de março deste ano, do artigo “Um padre que fez história”, de minha autoria, em homenagem ao jornalista e escritor Astolfo Serra, patrono da Cadeira que ocupo no IHGM.
Esse jornal nonagenário, que fez e faz história, um Cronos moderno a devorar e devolver fatos cotidianamente, na tradição do bom jornalismo, com tantos relevantes serviços prestados à sociedade maranhense, é O Imparcial, a alma do Palacete da Rua Formosa.
 
* ANA LUIZA É PROMOTORA DE JUSTIÇA E ESCRITORA, DOUTORA E MESTRE EM CIÊNCIAS PENAIS (UFMG), MEMBRO DA ALL E AMLJ, ALAFERRO@UOL. COM.BR
 
 
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