NOSSO PAPEL

‘Minha escola de jornalismo’, do jornalista Aquiles Emir

“Ao completar 90 anos, portanto, creio que O Imparcial foi, é e continuará sendo uma das melhores escolas de Jornalismo, embora este não seja o sentido da sua existência.”

Jornalista Aquiles Emir

Apesar de graduado pela Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão, ainda tenho dúvidas se não fui talhado para o Jornalismo à moda antiga, quando uma pessoa entrava numa empresa de comunicação, fosse rádio, jornal ou televisão, e no dia a dia ia aprendendo como trabalhar uma notícia até que fosse considerado apto a exercer a atividade. O meu questionamento vem do fato de ter ingressado ainda muito moço na profissão, quando ainda iria cursar o segundo período universitário.

A convite de Pedro Freire, que ainda hoje dirige o jornal, em 1982 passei a integrar a equipe de repórteres de O Imparcial, e elejo três mestres para minha formação: Raimundo Borges, José Ribamar Rocha Gomes (Gojoba) e Almeida Pontes, pois era destes que recebia pautas, orientações e correções. Pedro Freire, claro, era o reitor, já que sempre coube a ele ditar a linha editorial da empresa. Ainda tenho nítida na mente a imagem do meu primeiro dia de trabalho. Era uma sensação muito forte escalar degrau por degrau a escada giratória do velho casarão da Rua Afonso Pena.
Meus primeiros dias, claro, foram de adaptações. Mais observando o comportamento do pessoal da Redação do que executando alguma tarefa. Depois vieram os pedidos para condensar num só texto as informações de um determinado assunto que eram despejadas pelo Telex. Pouco a pouco, fui indo às ruas à cata de notícias ou cumprir pautas. Depois passei pelas editorias de Polícia, Cidade e Economia, onde devo ter encontrado o calçado no número certo para suportar a caminhada. Do aprendizado na Universidade valeu mais o espírito crítico, o senso de responsabilidade, o cuidado com a ética etc.
Era um momento complicado para algumas faculdades que não tinham professores disponíveis na praça, por isto a de Comunicação era quase toda ela formada por profissionais de outras áreas, do Direito principalmente, e quase sempre as aulas eram mais para contestação política do que formação de aluno. O Brasil assistia à agonia do regime militar, mas ainda assim era preciso ter posição contrária a ele, como se ainda fosse uma ameaça para a população.
A situação era tão engraçada para os dias de hoje que de algumas aulas não consigo esquecer. Numa delas, por exemplo, a professora de Redação nos fez consumir todo o seu tempo debatendo a letra de Canção da América, composta por Milton Nascimento, para saber se nós estávamos entendendo o que ele queria dizer com “…mas quem ficou, no pensamento voou com seu canto que o outro lembrou, e quem voou, no pensamento ficou com a lembrança que o outro cantou…”
Telex, usado para enviar notícias no passado

Numa outra aula, um professor nos levou ao estúdio de rádio para ouvirmos algumas músicas que havia selecionado, com muito cuidado em casa, para atiçar o senso crítico dos alunos. Eram canções de Violeta Parra, de Pablo Milanês, de Chico Buarque de Holanda, de Geraldo Vandré e de outros artistas brasileiros e latinoamericanos. Nada de norte-americano ou de europeu explorador. Tudo era motivo para se observar quem era de direita ou de esquerda.

Claro que havia outras aulas que realmente conduziam a turma a aprender Jornalismo, como as de Sebastião Jorge, que, além de advogado, é um dos jornalistas mais refinados que conheço, de Nilson Amorim e outros. A visão crítica de mundo aos poucos foi se confrontando com o Jornalismo na prática. Até onde se deve ir; controlar as emoções diante de opiniões contrárias; saber levar a informação precisa mesmo daquilo que não lhe agrada, mas é fato; sentir-se menos estrela para não ofuscar o entrevistado e uma série de outras coisas que O Imparcial me ajudou na formação de jornalista, embora alguns ainda não confiem ou não gostem da forma como recebem uma notícia rubricada por mim.
Ao completar 90 anos, portanto, creio que O Imparcial foi, é e continuará sendo uma das melhores escolas de Jornalismo, embora este não seja o sentido da sua existência. Tenho, portanto, um profundo orgulho e um agradecimento ainda maior por ter pertencido a este seleto time de bons comunicadores. Hoje, afastado da empresa por circunstâncias profissionais e empresariais, ainda tenho o mesmo sentimento de ainda criança e adolescente em Pindaré-Mirim quando um jornal, que era coisa rara no interior até os anos 1970, chegava às minhas mãos. Antes eu dizia para o jornalista que começava a brotar em mim: “será que um dia dá para trabalhar numa jornal como este?” Hoje, como assinante, eu apenas me consolo: “Eu já fiz parte deste time”. 
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