Juiz Aureliano Neto relembra momentos marcantes em O Imparcial

“Como linotipista, meus passos se alargaram. Muito moço, com quinze anos, ou um pouquinho mais, comandava uma máquina de linotipo, modelo 28, em O Imparcial. Foi um grande aprendizado para a vida.”

Linotipo na década de 60, impressão de jornal
Não quero ser eu. Essa é uma longa história. Que veio de um tempo em que os bondes cortavam a cidade de um lado para outro. Carregados no estribo de passageiros apressados, que precisavam chegar ao trabalho. Os bondes passavam estridentes na porta de O Imparcial. Quero, nesse contar, por toda a força desse tempo, não ser eu. Ser os outros. Os tipógrafos, paginadores, impressores, revisores e linotipistas. E os repórteres, por que não? Muitos que fizeram O Imparcial. Participaram da sua infância, fizeram a sua juventude e estão na sua maturidade.
Saramago escreveu em algum lugar um dos seus pensamentos que nos desafia a refletir sobre a essência da memória presa em nossas ideias. Disse: “Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória.” A memória tem essa força temporal de nos habitar, com toda a carga das emoções vividas e aprisionadas no inconsciente. E os amigos, as pessoas queridas com as quais convivemos durante toda uma vida, nos habitam também. Com passar do tempo, elevam-se ao pedestal dos nossos mais puros sentimentos, transmudando-se esse habitar na força da saudade a desafiar a impossibilidade do esquecer.
Ora, meu querido amigo Raimundo Borges, tu que vives este presente de farta comemoração, como esquecer aqueles anos? E como esquecer a luta, o cansaço, as noites indormidas, para, junto com o incansável Ferreira Baty, fechar a primeira página e mandar o jornal para a rotativa? Não é uma insignificante lembrança. Dias e noites consumidos para fazer o jornal, transcrevendo para o papel impresso as notícias tão aguardadas pelos milhares de leitores. Jornaleiro era o entregador. Fazia a circulação. Ia de bonde, de bicicleta, para deixar o exemplar, com as notícias e editoriais ainda fresquinhos, na porta da casa do assinante.
As demais edições eram vendidas pelos jornaleiros e nas escassas bancas de revistas e jornais da praça João Lisboa. Era isso. E muito mais. Era eu estudante do clássico no Liceu e exercício a profissão de linotipista. Ainda bem. Como linotipista, meus passos se alargaram. Muito moço, com quinze anos, ou um pouquinho mais, comandava uma máquina de linotipo, modelo 28, em O Imparcial. Foi um grande aprendizado para a vida.
Transcrevia os textos de David Nasser e Austregésilo de Athayde. Nas oficinas de O Imparcial, convivi com grandes e inesquecíveis amigos. No ápice da pirâmide, Dr. Pires Sabóia, que, muitas vezes, ele próprio, dirigindo uma Kombi, fora me buscar em casa para fechar o jornal, porque o velho linotipista Manezinho adoecera e não pudera trabalhar. 
Juiz de direito Aureliano Neto

A minha chegada a O Imparcial foi devida à saída de Expedito Moreira, um dos maiores amigos que tive na vida. Expedito retornou para o Sioge. E eu saía do Sioge, onde fizera meu aprendizado, sob os ensinamentos e companheirismo de Zé Ferraz, Carneiro, Sabiá, Lobão, Virgílio, Mário Amorim. Estreei na vida profissional de gráfico numa segunda ou terça-feira. Não lembro bem. Comemoramos na Garapeira. Daí em diante, foram quase três anos ajudando a compor este jornal. Muitas das vezes trabalhando aos sábados, à noite, até o seu fechamento, que se dava pela madrugada. Por ser o único gráfico que estudava, Baty, secretário do jornal, pediu-me para escrever alguma coisa sobre futebol. Com o nome de Ferreira Neto, andei escrevendo alguns textos, prontamente publicados. Baty incentivavame e pedia que escrevesse mais, ressaltando que o pessoal estava gostando. Não sei por que não segui os seus conselhos. E as coisas ficaram por aí mesmo.

Dia desses, falei com Raimundo Borges que queria consultar a coleção do jornal para ver se descobria esses textos perdidos no tempo e nas páginas deste jornal, que me acolheu ainda quando dava os primeiros passos na vida. O tempo não passou. A saudade é que faz com que o tempo se faça tão presente quanto o foi no passado. É, direi, o passado que não passa, porque o curso da vida, se quisermos vivê-la na sua intensidade transcendental, não tem passado. Só o presente, uma vez que a memória nos habita, revogando o passado, eterno tempo presente.

“Reverencio todos os gráficos que, com a sua inteligência e o seu trabalho, fizeram a imprensa do Maranhão, editando O Imparcial e outros jornais. “

Aureliano Neto

Também os grandes linotipistas, como Manezinho, Amor, Cézar, Grilo, Ipojucan, Caio, Raimundo, Soçaite, Pombo Roxo, Maioba, Tamboeira, Walter, Zé Ferraz, Sabiá, Lobão, Virgílio, Expedito Moreira, Aradian, Charlô, e o inesquecível companheiro de muitas noitadas e trabalho, Ferdinando, que cantava como se fosse Orlando Dias. Mas só depois de alguns copos. E Raça, um mestre da paginação, e eficiente na técnica de fechar a primeira página e nos conceder a liberdade de continuar a vida pela madrugada adentro até o sol nascer. Assim, fora eu e O Imparcial, na companhia de todos esses diletos amigos nesses anos inesquecíveis.

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