Um homem com os quatro membros paralisados há seis anos conseguiu realizar movimentos com as mãos e os pulsos com a ajuda de uma técnica inédita: um sistema médico capaz de registrar os sinais cerebrais do paciente – por meio de um chip implantado no cérebro – e convertê-los em funções motoras complexas.
O novo sistema, batizado de Neurolife, foi descrito em um artigo publicado nesta quarta-feira, 13, na revista científica Nature. O equipamento foi desenvolvido por médicos e neurocientistas da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos.
O paciente tetraplégico é Ian Burkhart, um americano de 24 anos que perdeu os movimentos das pernas e braços depois de um acidente de mergulho que causou danos na parte superior de sua coluna vertebral.
A paralisia envolve a ruptura das vias pelas quais passam os sinais enviados entre o cérebro e os músculos. De acordo com o artigo, com o novo sistema – um “atalho neural” que reconectou o cérebro diretamente aos músculos do paciente -, Burkhart conseguiu restabelecer diversos movimentos e executar tarefas como utilizar um cartão de crédito, atender um telefone e tocar uma guitarra de videogame.
Segundo os autores do estudo, coordenado por Chad Bouton, Nick Annetta e Ali Rezai, é a primeira vez que um indivíduo com paralisia consegue realizar movimentos tão complexos com o uso de sinais enviados por seu córtex motor.
“Mostramos pela primeira vez que um paciente tetraplégico é capaz de aprimorar seu nível de funcionamento motor e de movimentos das mãos”, disse Rezai.
Segundo ele, Burkhart já havia participado da demonstração de uma tecnologia de “atalho neural” em junho de 2014, quando conseguiu abrir e fechar a mão apenas pensando no gesto. Agora, no entanto, os movimentos realizados são bem mais complexos.
“É incrível ver o que ele conseguiu fazer. Ian conseguiu pegar uma garrafa, derramar seu conteúdo em uma jarra e colocar a garrafa de novo no lugar. Depois ele pegou um mexedor e o utilizou para misturar o conteúdo da jarra e guardar o mexedor. Ele está controlando cada passo da tarefa”, disse Annetta.
A tecnologia usada no Neurolife combina algoritmos que aprendem a decodificar a atividade cerebral do paciente e uma manga de estimulação muscular de alta definição, que traduz os impulsos neurais do cérebro e transmite novos sinais ao membro paralisado.
Em abril de 2014, em uma cirurgia de três horas, Rezai implantou um chip eletrônico no córtex motor do cérebro de Burkhart. A partir daí, os cientistas trabalharam para descobrir a sequência correta de eletrodos do chip a ser estimulada para que o paciente pudesse mover mãos e dedos de forma funcional.
Depois disso, ao longo de 15 meses, Burkhart passou por três sessões semanais utilizando uma manga com eletrodos para estimular seu antebraço e reconstruir seus músculos atrofiados de forma que eles pudessem responder aos estímulos elétricos.
“Na última década, aprendemos como decifrar sinais cerebrais de pacientes completamente paralisados. Agora, pela primeira vez, esses sinais estão sendo transformados em movimento. Nossos resultados mostram que sinais registrados a partir do cérebro podem ser reencaminhados para contornar um dano na coluna vertebral, permitindo a restauração dos movimentos”, disse Bouton.
Burkhart afirmou que decidiu participar do estudo porque tinha vontade de ajudar outros pacientes com comprometimento da coluna vertebral. “Eu só achei que era minha obrigação com a sociedade. Se alguém mais tiver uma oportunidade para fazer isso em outro lugar do mundo, eu torceria para que eles conseguissem beneficiar todo mundo no futuro”, afirmou.
“Esperamos que essa tecnologia evolua para um sistema sem-fio conectando os sinais do cérebro e os pensamentos ao mundo exterior, para aprimorar a função motora e a qualidade de vida das pessoas com deficiências. Um dos nossos objetivos principais é que isso esteja disponível o mais rápido possível para que os pacientes possam usar em casa”, disse Rezai.
Cadeira robótica
No início de março, uma equipe de neurologistas liderada pelo brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (Estados Unidos), conseguiu fazer com que dois macacos controlassem uma cadeira de rodas robótica usando apenas a mente, por meio de eletrodos implantados no cérebro.
Quando os animais “pensavam” em se mover em direção a um recipiente com uvas, computadores traduziam sua atividade cerebral em operações da cadeira robótica, em tempo real, permitindo que eles se movessem em direção ao objetivo.
O dispositivo usado no experimento foi o último desenvolvimento da tecnologia de interface cérebro-máquina (ICM), estudada há anos pela equipe de Nicolelis.
Diversos grupos de pesquisa já desenvolveram ICM’s que permitem aos primatas usar sua atividade do córtex cerebral para controlar membros artificiais. Mas o experimento com a cadeira de rodas robótica foi o primeiro a demonstrar que é possível utilizar apenas a atividade cerebral para “navegar” por um espaço com ajuda de uma ICM.