Imagine uma biblioteca preparada para receber todos os tipos de públicos, respeitando suas características e peculiaridades? É possível? Infelizmente no Brasil existem apenas alguns casos. Um dos grandes desafios do país para garantir ao cidadão o direito à cultura é tornar esses equipamentos públicos acessíveis de forma a atender pessoas com deficiência intelectual, visual, auditiva, física, além do público em geral e com diferentes faixas etárias, por todo o Brasil.
Para debater as principais questões que permeiam o tema, o Ministério da Cultura (MinC), por meio do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), da Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB), e a ONG Mais Diferenças realizam, hoje e amanhã, em São Paulo, o Seminário Internacional de Acessibilidade em Bibliotecas Públicas.
A Biblioteca Pública Benedito Leite foi uma das dez unidades escolhidas para servir de case no evento. Ela e mais nove, das cinco regiões do país, foram selecionadas pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), em articulação com os sistemas estaduais e foram escolhidas com base em critérios como localização, capacidade de articulação em rede, experiências prévias em acessibilidade para pessoas com deficiência, entre outros pontos.
O seminário integra uma das etapas do projeto Acessibilidade em Bibliotecas Públicas em andamento há dois anos e que está sendo desenvolvido em todas as regiões do Brasil, visando ampliar e qualificar a acessibilidade, cuja ação foi dividida em seis eixos de trabalho: diagnóstico; qualificação do acervo; acesso à tecnologia assistiva (arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência); capacitação de equipes; comunicação e produção de conteúdo acessível e fomento ao trabalho em rede.
Capacitação sobre tecnologia assistiva
Recentemente técnicos da Biblioteca Benedito Leite receberam treinamento para conhecimento e uso de produtos assistivos, em uma perspectiva acessível e inclusiva. A capacitação também integra o Projeto Acessibilidade em Bibliotecas Públicas. Além do treinamento foram ministrados também capacitação em Curso de Libras Básico Instrumental; Princípios de políticas e programas de livro e leitura acessíveis e inclusivas; Políticas Públicas de livro e leitura para todos: gestão, implementação e boas práticas; Sessões de cinema com recursos de acessibilidade. Hoje a Benedito Leite disponibiliza para seus usuários, um Kit de Tecnologia Assistiva composto por: 1 impressora braile; 1 scanner de voz; 1 linha braile; 1 lupa eletrônica.
Referência em acessibilidade
A Benedito Leite é referência em acessibilidade, disponibilizando ao usuário, além de livros e filmes, scanner de voz, lupa eletrônica, impressora e linha braille. Segundo historiadores, é a segunda biblioteca mais antiga do país (1831), com um acervo formado por mais de 120.000 volumes. Além do acervo de jornais e obras raras, a sua coleção é composta também por cerca de 90.000 exemplares de livros em tinta (técnicos, literários, didáticos), livros em braille, livros falados, CDs, DVDs, fotografias e cerca de 1.000 manuscritos. A Benedito Leite foi uma das pioneiras no nordeste e também no Brasil em trabalho de digitalização de seu acervo raro. E, mais que isso, mais de 2.500 obras já com acesso, integralmente, na
página da Biblioteca
QUATRO PERGUNTAS//VERIDIANA NEGRINIPor que a Biblioteca Pública Benedito Leite é identificada como modelo?
Este projeto previa a escolha de duas bibliotecas públicas em cada região do país, para se tornarem referência em acessibilidade. Deste modo, o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas solicitou que os Sistemas Estaduais de Bibliotecas indicassem as bibliotecas nos seus estados que teriam condições de participar do projeto. Um dos critérios de seleção foi que a biblioteca já tivesse a acessibilidade física e condições de ampliar o potencial de disseminação e capilaridade das ações do projeto Acessibilidade em Bibliotecas Públicas.
Além disso, considerou-se fundamental envolver bibliotecas que eram referência em nível estadual, por isso as escolhidas são bibliotecas estaduais sedes de Sistemas Estaduais de Bibliotecas Públicas, o que amplia o potencial de disseminação e capilaridade das ações do projeto. Após o recebimento das propostas, uma comissão selecionou as bibliotecas para participar do projeto e a Biblioteca Pública Benedito Leite estava entre uma das selecionadas porque cumpria os requisitos básicos de acessibilidade arquitetônica.
Como serão as participações das bibliotecas selecionadas ?
Cada uma das bibliotecas participantes do projeto terá custeada a presença de dois profissionais no Seminário, o que viabilizará a participação em todas as atividades previstas no evento. Assim, os profissionais destas bibliotecas poderão compartilhar suas experiências, práticas e desafios na construção de espaços e programações acessíveis, que possam proporcionar às pessoas com diferentes tipos de deficiência a garantia de acesso e fruição cultural a esses equipamentos públicos.
Como você avalia as bibliotecas públicas do Brasil nesse sentido?
Estamos no início de um processo. A maioria das bibliotecas públicas brasileiras não conta ainda com condições adequadas de acessibilidade arquitetônica, não dispõe de acervos em formatos acessíveis e de programações acessíveis e inclusivas, ou seja, que conte com recursos de acessibilidade, tais como audiodescrição e presença de intérpretes de Libras, que possibilitem que pessoas com e sem deficiência participem, juntos, de uma mesma atividade. Certamente, isso contribui muito para a baixa presença de usuários com deficiência nesses equipamentos públicos.
Há que se reconhecer que um importante trabalho já vem sendo realizado por bibliotecas que estruturaram setores braille. Esse setor da biblioteca normalmente reúne livros, publicações e outros materiais em braille e/ou audiolivros para os usuários com deficiência visual. Um dos principais desafios das bibliotecas inclusivas é desenvolver as condições para que seus espaços e sua programação sejam, de fato, acessíveis e inclusivas.
Falta muito para chegar ao ideal?
Este projeto, assim como outras iniciativas empreendidas pelo governo federal, estados e municípios, têm buscado construir alternativas para a superação deste quadro. Isso demanda, efetivamente, recursos financeiros, vontade política, capacidade técnica e envolvimento de todos aqueles que consideram a cultura, o livro e a leitura, assim como a equiparação de oportunidades e a garantia de direitos humanos fundamentais como condições necessárias para a construção de um país mais justo e menos desigual.